Engolir sapos é uma expressão muito usada para se referir àquelas situações vexatórias em que a gente prefere suportar uma montanha de impropérios, xingamentos e outras barbaridades para evitar discórdia.
Uma hora, mais cedo ou mais tarde, o estômago não aguenta mais os sapos engolidos e precisa vomitá-los ou excretá-los. Não tem jeito: por uma ou outra porta eles têm de sair. Senão a gente morre empanturrado na comida indigesta que nos empurraram goela abaixo.
Sim, ontem éramos verdadeiros textos falantes nas ruas desse país. Têm horas a palavra “paz” se torna obscena porque reflete submissão, apatia e desistência.
Ontem, cerca de dois milhões de brasileiros tomaram as ruas desse país para vomitar os sapos engolidos. A maioria dos manifestantes, legitimamente manifestantes, era de jovens estudantes, seja da escola, seja da universidade.
Os cartazes, as faixas, os pirulitos e as camisas que carregavam só não eram mais enfáticos do que seus braços e bocas que, respectivamente, empunhavam e gritavam por respeito!
Contra a tentativa do governo de colocar estudantes contra professor, os alunos gritaram: “O professor é meu amigo: mexeu com ele, mexeu comigo”. Contra os cortes de 40% da educação básica e de 30% do ensino superior, professores, alunos e técnico-administrativos denunciavam: “Tem dinheiro pra milícia, mas não tem pra educação”.
Para responder ao discurso de ódio contra as ciências humanas e suas pesquisas os manifestantes diziam: “O conhecimento destrói mitos. Sem educação, já basta o presidente”. Contra a provocação do ministro da educação ao afirmar que há setores da universidade que só fazem balburdia, o coro gritou “Balburdia é assassinar a previdência e a universidade”.
Contra a provocação do presidente da República que, diretamente de Dallas, disse que a escola está deixando a desejar, que os alunos não sabem fazer uma regra de três simples, que nem sequer sabem a fórmula da água, os alunos deram a resposta em cartaz: “Fórmula da água: H2O/ Fórmula da imbecilidade: B17”.
Das ruas saiu um dos mais poderosos gritos dos últimos anos. O brasileiro pode suportar tudo, pode engolir muitos sapos. Mas ele não suporta que mexam no seu bem maior, seu patrimônio, que é a escola.
Falem mal dos mestres e dos alunos e verão cair sobre si o peso da revolta de milhares de brasileiros. É uma verdade isso. Esse governo tem tentado, desde a campanha, fazer o brasileiro comprar a ideia de que aluno tem que vigiar e punir professor, que a escola é um lugar de subversivos comunistas de esquerda que, quando deveriam ensinar, pregam sua ideologia.
Isso não é verdade. E o povo brasileiro mostrou que não vai cair nessa armadilha de um bando de idiotas que assaltaram o poder pregando discursos de ódio contra pretos, pobres, mulheres, LGBTs e professores. Não vai aceitar!
Um país que não respeita seus professores, não cresce. Um país que submete seus professores a achincalhamentos só pode sucumbir junto com seu governo, suas leis e sua justiça de araque.
O mestre Paulo Freire diz que “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Imaginem um país que desdenha do saber formal, que ridiculariza os mestres e agride os estudantes chamando-os de “idiotas úteis, imbecis que estão sendo usados como massa de manobra de uma minoria espertalhona”!
O que esperar de alunos e mestres desse país ao saberem que estão sendo chantageados por um projeto que está a serviço do desmonte da previdência? O que esperar de mestres e alunos que perceberam que o governo deseja o fim do pensamento porque quer instaurar uma escola fundamentalista e conservadora?!
Engolirão mais sapos? Ficarão caladinhos diante dessas ofensas? Aceitarão que a casa grande assuma o poder e oprima quem carrega nas costas o peso de séculos de opressão?
O que esperar de um homem que assumiu o mais alto cargo de um cidadão, que é o de presidente da República, depois de ter ofendido mestres e alunos senão a derrubada do seu governo?!