Da mesma forma que não abolimos a monarquia após a independência; do mesmo modo que proclamamos a República ao largo dos verdadeiros republicanos; da mesma maneira que abolimos formalmente a escravidão, sem aboli-la (até hoje, diga-se de passagem!) de fato, poderemos nós, brasileiros, “superar” as bibliotecas sem sequer as termo realizado.

A fala de uma professora é sintomática nesse sentido: “Alunos trazem celulares e tablets para a sala. É evidente que preferem bibliotecas virtuais. A biblioteca (física) ainda é importante, mas agora não podemos mais dizer que é essencial”.

Nossa relação com as bibliotecas se construiu historicamente assim, entre idas e vindas. As bibliotecas não nasceram pelo esforço do Estado, muito menos pelas mãos do povo, mas por iniciativa da Igreja que, acossada pelas disputas políticas, viu seu patrimônio, especialmente seus acervos, serem dilapidados e destruídos, nos restando apenas resquícios desta importante parte de nossa história.

Como é de conhecimento geral, na paisagem urbana brasileira as bibliotecas ainda são elementos marginais, quando não absolutamente inexistentes. E quando existem são de tal maneira desestruturadas que se torna impossível exercerem qualquer tipo de fascínio sobre as pessoas, especialmente as mais jovens.

Dito isso, pergunto: o que falta para as bibliotecas se realizarem de forma plena no Brasil? Falta muita coisa, é falto; faltam elementos essenciais como vontade política, conhecimento e uma boa dose de vergonha na cara, dos políticos e nossa também.

Dou exemplos.

Tendo apresentado recentemente, por solicitação do Movimento Abre Biblioteca, à Câmara Municipal do Rio de Janeiro um Projeto de Lei (PL) visando instituir a rede de bibliotecas escolares no município, o vereador Babá viu sua Emenda Aditiva à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que buscava garantir previsão financeira, na hipótese de aprovação imediata do referido PL, ser rejeitada.

Do Maranhão, mais especificamente do município de Lago da Pedra, minha terra natal, chega a notícia de que, contrariando aprovação unânime no legislativo municipal, a prefeita da cidade, Maura Jorge, vetou a iniciativa sob a alegação de que os gastos gerados com a implementação destes espaços culturais seria muito alto.

O projeto fora uma iniciativa do vereador Ariel do Crediário, com quem articulei a elaboração na minuta do referido projeto. Lago da Pedra, assim como a maioria dos municípios brasileiros, ignora a importância da biblioteca como instrumento cultural indispensável. Ignora que “a biblioteca pública [seja] o centro local de informação, tornando prontamente acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento e a informação de todos os gêneros” (Manifesto da IFLA/UNESCO sobre bibliotecas públicas 1994).

Não é segredo pra ninguém que a implementação de bibliotecas no Brasil tem esbarrado quase sempre na ignorância dos gestores locais. Afinal, o que esperar de pessoas quase sempre pouco afeitas à leitura e ao conhecimento e demasiadamente apegadas ao poder político? O que esperar de pessoas que, a exemplo da maioria dos brasileiros, tiveram pouco ou nenhum contato com este tipo de aparato cultural ao longo da vida? O que esperar de quem prefere manter as pessoas na escuridão da ignorância a proporcionar um caminho para a emancipação intelectual?

Notícia publicada no site de notícias Hoje em Dia, de Belo Horizonte, alertou para o fato da capital mineira está muito aquém de importantes nações europeias no quesito bibliotecas. De acordo com a publicação, enquanto Hamburgo e Genebra têm, por exemplo, 258 e 69 bibliotecas, respectivamente, BH oferece um único espaço público deste tipo, mantido pelo Estado: a Biblioteca Pública Luiz de Bessa, na Praça da Liberdade.

“Eu amaria ter a possibilidade de estudar na biblioteca em vez de ficar em casa, ter acesso a outras fontes de informação, conhecer pessoas. Aqui, as pessoas não se sentem convidadas a frequentar bibliotecas, talvez por não ter uma estrutura tão legal”, lamentou a comunicadora belo-horizontina Simone Cota Silva, de 35 anos, em entrevista ao site. Ela viveu quatro anos e meio em Paris, cidade que tem 58 espaços públicos, considerando-se apenas as bibliotecas municipais.

A reportagem destacou a fala do presidente da Academia Mineira de Letras, Olavo Romano, o qual associa às bibliotecas o papel de suplementar a formação dos cidadãos. “É incrível a transformação que o livro faz na vida das pessoas. A biblioteca tem papel fundamental em uma sociedade, tem recursos que existem para tornar a leitura mais estimulante e incentivar a socialização”.

De acordo com os dados do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), são 6102 bibliotecas públicas municipais, distritais, estaduais e federais, nos 26 estados e no Distrito Federal. Ou seja, pouco mais de uma biblioteca por município brasileiro. Essa ausência de bibliotecas no país enseja debate, mas, acima de tudo, enseja luta.

A luta, a propósito, tem sido o caminho trilhado por muitos bibliotecários e entusiastas das bibliotecas, se mobilizando em torno do Movimento Abre Biblioteca, seja no Rio de Janeiro, no Amazonas, na Paraíba e em outras regiões do país. Isso nos anima.

A luta, porém, não é o único caminho. O debate tem de ser feito, sobretudo considerando todas as nuanças que a questão envolve. O Fórum de Bibliotecas Públicas, que acontece entre os dias 22 e 24 de julho na cidade de São Paulo, talvez seja um momento importante pra isso, embora eu não tenha muita esperança em relação a isso.

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