Na história do Brasil é inegável a falta de políticas públicas ou privadas que instituam nas bibliotecas um centro continuado de ação social (incluem-se ações estratégicas pautadas na educação, cultura, saúde, meio ambiente etc.). A começar pela noção do Brasil ter passado aproximadamente três séculos (XVI a XVIII) com a percepção de biblioteca atrelada a igreja representada principalmente pelas ordens de jesuítas, franciscanos, beneditinos e carmelitas (e o acesso aos seus pequenos grupos de estudiosos, em especial, representantes da própria igreja) e a ocorrência de bibliotecas particulares.

É perceptível que essas condições se estabelecem como primados básicos de nossa desastrosa política para bibliotecas. No entanto, é preciso atentar que, nos séculos XIX e XX, o Brasil continuou a padecer de ações em prol das bibliotecas, em especial, pela ineficiência e ineficácia dos poderes públicos Federal, Estaduais e Municipais em constituírem sistemas integrados de bibliotecas. As políticas em torno das bibliotecas timidamente se estabelecem a partir da década de 1930 com ações pontuais que inserem bibliotecas escolares no sistema público de ensino e a ampliação de bibliotecas públicas. Para melhor compreensão deste relato, recomendo a leitura do artigo “Perspectivas históricas da biblioteca escolar no Brasil e análise da lei 12.244/10” que publiquei na Revista ABC: Biblioteconomia em Santa Catarina.

Este breve relato justifica a posteriori motivos pelos quais a biblioteca é vista com estranheza por segmentos diversos da sociedade, especialmente aqueles mais carentes de insumos básicos. Em outras palavras, o termo biblioteca soava (e ainda soa) como fenômeno estranho para maior parte da sociedade em face de que foi apresentada como segmento de serventia a elite do país.

O que fazer para modificar essa percepção de estranheza com relação à biblioteca? Primeiramente é preciso ponderar a necessidade de reconstrução da cultura no que tange ao papel e uso da biblioteca, sendo que esta reconstrução demanda, em particular, um olhar a partir das políticas públicas para bibliotecas.

Penso que tem sido um equívoco histórico de governos, representações institucionais da Biblioteconomia, representações institucionais das áreas de educação e cultura olharem para a biblioteca de forma fragmentada. Assim, temos uma luta isolada para valorizar diversos segmentos de bibliotecas, como a escolar (Lei 12.244/10), pública (SNBP), universitária, comunitária etc. Mas esquecemos que o êxito de uma política nacional perpassa inexoravelmente pela união de todas as bibliotecas. Logo, o que precisamos é da consolidação de uma secretaria de bibliotecas atuante em nível Federal coordenada por bibliotecários, pesquisadores da área e afins, visando implementar uma política segmentada de convergência entre todas as bibliotecas.

Não podemos deixar de reconhecer que estamos avançando nos últimos anos em termos de conquistas e espaços para as bibliotecas no Brasil, mas minha percepção é de que não estamos agindo holisticamente, ou seja, pensando a totalidade potencializadora das bibliotecas, mas pensando funcionalmente em como cada biblioteca pode atuar. Essa postura funcional enfraquece a constituição de uma pauta de reivindicações e melhorias para o redimensionamento do significado da biblioteca no Brasil.

O que precisamos é de um movimento “refundador” da biblioteca no Brasil que considere a integração entre todos os seus segmentos. Por exemplo: há uma latente relação entre bibliotecas públicas, escolares e comunitárias, mas que não são efetivamente sentidas no âmbito das políticas públicas e da legislação vigente.

Minha sugestão, em termos de representação biblioteconômica, é que unamos todas as condições institucionais, jurídicas e pedagógicas em torno das bibliotecas e façamos uma campanha nacional em prol da valorização da biblioteca via representação pública Federal, Estadual e Municipal. Em outras palavras, o êxito desta campanha perpassa inexoravelmente pela inserção de representantes da Biblioteconomia como coordenadores/implementadores de políticas públicas para as bibliotecas em virtude da especialidade deste segmento político-profissional.

É inviável pensar na popularização das bibliotecas no Brasil sem pensar a popularização da Biblioteconomia e de suas diversas representações profissionais (bibliotecários), acadêmicas (docentes e discentes) e político-institucionais (órgãos de classe, como Conselho, Associações e Sindicatos). Para tanto, é preciso que nossas representações sejam outras representações, isto é, que passem a pensar no protagonismo holístico da instituição biblioteca e no protagonismo político da Biblioteconomia.

É preciso repensar a formação política dos bibliotecários, seja em nível de graduação, seja em nível de atuação profissional, seja ainda em nível de representação política. Uma área que não pensa e atua politicamente (entenda-se aqui política como a capacidade coletiva de analisar e implementar processos decisórios no âmbito da cultura, educação, meio ambiente etc.) dificilmente conquistará reconhecimento perante diversos segmentos sociais.

O uso do termo protagonismo na Biblioteconomia é referente à capacidade que a área tem em resistir às intempéries públicas e privadas, além da proposição de novas ações que favoreçam o desenvolvimento social. De outro modo, o protagonismo da Biblioteconomia implica nas múltiplas formas de agir em torno de perspectivas socializadoras que consolidam o significado de coletividade e democracia participativa.

Isso significa que a Biblioteconomia precisa se unir mais internamente e promover um discurso mais coletivo e democrático em torno de seus desafios, perspectivas e limitações. A meu ver, a defesa de uma política nacional integrada de bibliotecas calcada em processos assemblearios em nível de representação de classe, acadêmica e profissional seria uma forma de caracterizar nova forma de protagonismo na Biblioteconomia.

Esse protagonismo pautado na política pública integrada poderia ser pensado a partir da seguinte estrutura:

 Jonathas Carvalho - Por uma política nacional integrada de bibliotecas - img1

 Fonte: elaborado pelo autor

Não pensem essa estrutura como uma hierarquia, mas como um conjunto de deliberações lógicas que se articulam mutuamente e buscam o bem comum das bibliotecas e, por conseguinte, da Biblioteconomia.

Parece utópico? Pode até ser, mas prefiro referenciar o conceito de utopia em Paulo Freire que não significa sonho ou algo dificilmente atingível, mas a denúncia de uma realidade deficitária e a busca pela transformação crítica e qualitativa dessa realidade.

A questão central para reflexão é: queremos pensar as diversidades potenciais da área de forma coletiva e assemblearia dinamizando nosso protagonismo ou lamentar individual ou grupalmente fracassos e frustrações? A segunda opção parece ser mais confortadora, mas jamais levará ao êxito, enquanto a primeira, embora mais ardorosa, encaminha para construção de uma nova percepção do que seja Biblioteconomia e uma política integrada para bibliotecas.

O protagonismo biblioteconômico não é um desafio seu ou meu. É um desafio nosso. Não há protagonismo social e profissional quando o individual supera o coletivo; quando o apolítico supera o político; quando a identidade supera a alteridade (quando o olhar para o outro supera o olhar apenas para os interesses de si mesmo). O protagonismo biblioteconômico se fundamentaria em dois sentidos gerais: o primeiro seria o respeito às diferenças na construção de um mundo que caberia vários mundos (representações coletivas diversas em torno das práticas informacionais e de políticas para bibliotecas); o segundo seria pensar a emancipação dos diversos sujeitos que compõem a Biblioteconomia promovendo-lhes voz e vez na atividade política.

Em síntese, a Biblioteconomia precisa repensar e (re) apresentar seu ideário coletivo de biblioteca para as representações políticas em nível Federal, Estadual e Municipal e para segmentos sociais diversos. Uma política nacional integrada de bibliotecas pode até não surtir efeito imediato (é preciso adesão política e resistência à cultura da biblioteca acomodada e servidora dos interesses da elite), mas pode promover um sentido expressivo para história político-representativa da área: a união e fortalecimento da consciência de classe da Biblioteconomia (estes parecem ser grandes impeditivos para um protagonismo biblioteconômico).

Comentários

Comentários