Rio – Especialista comenta a importância do domínio teórico-metodológico nas atividades de restauração de Bens Culturais.

 

Thiago Cirne: Que tipo de preocupação se deve ter no processo de restauro de uma obra?
Marcelo Lima: A preocupação deve anteceder as técnicas de restauro propriamente ditas. É necessário que se entenda o que é a restauração e quais seus objetivos. É muito comum a ideia de que restauração é a renovação de um determinado Patrimônio. Não é. A restauração visa devolver as condições físicas e estruturais, ou seja, assegurar que o patrimônio, qualquer que seja, possa estar em condições físicas de fornecer as informações necessárias a quem desejar e ainda garantir sua permanência ao longo dos anos. A restauração não deve se basear em princípios meramente estéticos. Deve ocorrer com o mínimo de intervenção no original, ser executada com ética, respeito ao Bem e principalmente conhecimento.
Na restauração, uma das principais garantias de que as técnicas serão aplicadas de forma coerente é o conhecimento, tanto em relação aos procedimentos técnicos quanto o conhecimento do bem a ser restaurado, assim como sua história e percurso de existência.
A restauração deve ocorrer quando o bem não estiver em condições físicas de ser consultado, manuseado ou exposto. Nesse sentido, a restauração é necessária para devolver às obras condições estruturais e físicas respeitando os princípios da Ciência da Conservação, intervindo o mínimo possível no original sem descaracterizá-lo.

T.C.: Quais são os erros mais comuns cometidos por aqueles que não dominam as técnicas de restauro?
M.L.: Quando não há conhecimento teórico-metodológico qualquer intervenção será um erro. Vemos nos noticiários, com pouca frequência, erros grotescos de intervenções em Obras de Arte. Porém não podemos creditá-los na conta de conservadores-restauradores pois são intervenções executados por leigos, com boa intenção, porém sem conhecimento. Nesses casos a responsabilidade pelos “erros” deve ser dividida com os responsáveis pelas guarda desses Bens. Qualquer atividade de conservação e restauro deve necessariamente ser orientada e executada por profissionais conservadores-restauradores.  Autorizar a intervenção em Bens Culturais sem a certificação dos profissionais que irão executar as técnicas de restauro é o maior dos erros. Qualquer responsável pela guarda de qualquer tipo de patrimônio deve certificar-se da qualidade técnica dos profissionais envolvidos, materiais a serem empregados e técnicas a serem executadas.
Os erros mais frequentes, nestes casos, são as descaracterizações dos Bens, em grande maioria não mais reconhecidos e sem relação com o original. Execução de técnicas errôneas com o emprego de materiais incoerentes. Na verdade, podemos chamar de técnicas destrutivas e não técnicas de restauro, pois são executadas baseadas nas experiências dos leigos que as executam. Destroem suas marcas de usos, suas características intrínsecas e extrínsecas. Qualquer intervenção deve preceder de um estudo técnico detalhado dos bens, ao qual deve constar: estudo histórico, estudo de materiais constituintes, estudo dos agentes de degradação que afetaram os bens ao longo dos anos, entre tantos outros. Após os estudos mencionados uma comissão composta por profissionais qualificados deverá realizar uma proposta de tratamento que respeite a integridade física e estética e, mais do que isso, que mantenham as obras de acordo com sua concepção original em concordância com a passagem do tempo. Por fim deve ser executada a intervenção propriamente dita, com o emprego de técnicas previamente determinadas, experimentadas e certificadas.

T.C.: Como as instituições devem avaliar a necessidade de restauro de seus acervos?
M.L.: As instituições em geral devem se preocupar com a preservação de suas coleções de forma global. Antes da preocupação ou seleção do que se deve ou não restaurar é necessário se perguntar: quais são as condições de guarda da minha coleção? Quais os agentes que as degradam? Onde irei colocar minha coleção depois do restauro? Essas perguntas são importantes porque restaurar uma obra e colocá-la no mesmo ambiente inapropriado é desperdício de recursos. Seria correto se perguntar: Não seria melhor identificar os agentes de degradação que afetam minha coleção e controlá-los? Quando falamos em Conservação Preventiva estamos nos antecipando em relação aos danos, evitando que se instalem, que ataquem as coleções e que ocasionem necessidades de restauração. A partir da conscientização da importância de preservação da coleção de forma geral é que se pode pensar em identificar itens para restauro.
São indicados para restauro Bens Culturais que não possam ser manuseados, consultados ou expostos. Em relação a acervos bibliográficos documentais, obras que estejam com sua estrutura física comprometida, com perda generalizada de suporte, que apresentem manchas que interfiram na legibilidade, ainda obras que sofreram desastres do tipo fogo ou enchentes, ataques de insetos ou ataques fúngicos.
Algumas Instituições Públicas que possuem em seu quadro funcional conservadores-restauradores oferecem, se solicitado, palestras de orientação, treinamentos ou para elaboração de laudos técnicos. Solicitar a orientação de profissionais conservadores-restauradores qualificados e buscar conhecimentos mínimos de como salvaguardar as coleções é de extrema importância para garantir a Preservação do Patrimônio cultural.

T.C.: Quais são os custos médios para se restaurar uma obra?
M.L.: Não existe tabela de valores pré-determinados para restauração de Bens Culturais. Nesse sentido, não é possível determinar valores, cada bem específico pode apresentar diversos tipos de degradação. Cada tipo de degradação requer técnicas diferentes de intervenção, umas mais complexas que outras e que serão levadas em consideração na elaboração de valores. Só é possível determinar valores para execução de serviços a partir do diagnóstico detalhado de cada dano que os objetos apresentam. Algumas atividades interventivas utilizam tecnologias avançadas que vão refletir nos custos. É importante que o gestor solicite ao menos três propostas para que possa analisar a qualidade das propostas apresentadas. Quando maior o número de técnicas, maior será o valor cobrado. As propostas também variam de acordo com a especialização e experiência dos profissionais envolvidos assim como os materiais e equipamentos empregados. Não se devem estudar propostas de orçamentos sob o ponto de vista financeiro. Primeiro, é importante verificar a qualificação dos profissionais envolvidos, inclusive com a solicitação de atestados de capacidade técnicos fornecidos por pessoas de direito público ou privado.  Analisar pacientemente os laudos técnicos, propostas de intervenções, assim como materiais e equipamentos propostos para execução. A partir do estudo dos dados anteriormente informados é que se pode, com segurança, analisar os valores cobrados.
A restauração de bens culturais oferece um custo-benefício considerável, o de garantir a reestruturação dos bens culturais fora de uso e sua perpetuação a gerações futuras, o que, do ponto de vista cultural, não tem preço. Valorizar um bem cultural, ter a consciência de sua importância é maior que qualquer custo financeiro.

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