Na última sexta-feira, 28 de abril, atos e manifestações da Greve Geral foram realizados em diversas cidades brasileiras. Inconformados com as medidas que estão sendo estabelecidas pela dita reforma trabalhista, a classe trabalhadora foi as ruas reivindicar a garantia dos direitos sociais e trabalhistas conquistados com muitas lutas.

A Greve Geral de alguma maneira teve grande adesão nas cidades brasileiras e muitos serviços foram paralisados, o que de alguma maneira demonstrou que a mobilização em defesa dos direitos trabalhistas surtiu efeito. Por outro lado, a repressão policial tentou desmobilizar as manifestações e agiu com muita truculência.

No Rio de Janeiro em torno de oito manifestantes foram feridos durante o ato realizado no Centro da cidade. Dentre os alvejados está a Lucia Santos, bibliotecária do Ministério Público Federal (MPF) que foi atingida com um tiro de bala de borracha quando chegava para a manifestação.

Bibliotecária levou 21 pontos no pescoço. Foto: Divulgação

Em depoimento em uma rede social, a bibliotecária revelou que foi atingida no maxilar depois que policiais militares tentaram dispersar os manifestantes com bombas de gás lacrimogênio.

“Assim como eu, muitas pessoas estavam andando tranquilamente em direção à Cinelândia. Da Avenida 13 de Maio vi de longe a praça com a massa ordeira e pacífica, com palanques e discursos. Quando eu ia atravessar a Rua Evaristo da Veiga, vi à esquerda veículos blindados da polícia, e do nada começaram a atacar, jogando bombas na direção do povo. Nem consegui chegar na praça. O pessoal começou a correr para todos os lados, e muitos que estavam também na 13 de Maio foram correndo de volta para o Largo da Carioca. Algumas pessoas disseram que não adiantava ir para lá pois a polícia estava vindo dessa direção também, então isso significava que estávamos encurralados. Nem corri, apenas fui recuando para me encostar num prédio, olhando para meu lado direito (a praça), de onde eu via os ataques mais fortes. Do meu lado esquerdo (a Carioca) eu não estava ouvindo bombas, então achei que a polícia ainda estaria mais longe, mas de repente senti um impacto muito forte no maxilar esquerdo”, revelou a bibliotecária.

Fotos do ferimento divulgada em rede social. Foto: Divulgação

Após o ocorrido Lucia Santos deu entrada no Hospital Souza Aguiar, no Centro do Rio, onde foi operada no Centro Cirúrgico e teve alta no último domingo, 30 de abril. A bibliotecária foi informada pela médica que não sofreu rompimento da artéria, mas sim uma laceração da glândula parótida e do nervo facial. O ferimento de bala lesionou com um corte de extenso e ao todo foram feitos 21 pontos para fechar a lesão no pescoço.

Comissão de Direitos Humanos da ALERJ está coletando dados da repressão policial na manifestação do Rio

A bibliotecária criticou a arbitrariedade das forças policiais e informou que pretende registrar o ocorrido e buscar as vias legais. “Acredito que vivemos num mundo de expiações e provas, e estamos sujeitos à lei do retorno. Mas isso não quer dizer passividade nem simples aceitação das arbitrariedades, pelo contrário! Devemos sempre lutar pela justiça e verdade. Ainda vou registrar a ocorrência e buscar os desdobramentos legais”, informou Lucia em nota em rede social.

A Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) está coletando relatos, fotos e vídeos da repressão arbitrária das forças policiais do Rio. Para enviar um relato basta preencher um formulário digital informando dados pessoais, que serão mantidos em sigilo e também é possível arquivar fotos, vídeos e enviar links que evidenciam os abusos policiais. Para enviar o seu relato clique aqui.

Confira o relato completo de Lucia Santos que foi divulgado em sua rede social no último dia 1º de maio:

“Há 2 dias passei por uma reviravolta na vida, que costuma ser bem reservada tanto no âmbito privado quanto no virtual. Não parei de receber mensagens de apoio e incentivo, e só agora consigo postar esse “desabafo”. Não gosto de escrever textão mas lá vai (rs):

Sempre que possível me engajo em movimentos por causas nas quais acredito. Como greves e protestos pacíficos são direitos legais dos cidadãos, acredito que sejam alguns dos instrumentos de que dispomos para fazer ecoar nossa voz. É natural que existam diferentes linhas de pensamento e crenças entre todas as pessoas, e por isso sempre tento analisar os vários lados de cada questão, buscando o caminho do equilíbrio e do pacifismo.

Sobre eventos como o #grevegeral de sexta-feira 28/04/17 é comum observarmos diversas correntes de opiniões e de relatos tendenciosos da mídia. Mas há muitos registros que não podem deixar dúvidas de que houve uma excessiva, violenta e descabida repressão policial no Rio de Janeiro. Eu acredito que esta greve foi uma luta legítima pelos direitos trabalhistas, que estão sendo excluídos com os projetos das reformas do trabalho e previdenciária.

Sou bibliotecária no MPF. Saí de lá 17:05h e subi a Rua Uruguaiana em direção à Praça Cinelândia, onde havia ato marcado para 17h. Cerca de meia hora antes eu já tinha ouvido e visto da janela do trabalho as bombas jogadas pela polícia na Praça da Candelária, o que me pareceu uma reação excessiva a um pequeno grupo que devia estar vindo do ato marcado para 14h em frente à Alerj. Resolvi ver a manifestação na Cinelândia, pois acreditei que era o início de um novo ato (assim como outros que ocorreram tranquilamente durante o dia, em outros pontos da cidade). Os inícios dos atos (em tempos de democracia) costumam ser bastante pacíficos, geralmente as ocorrências de tumultos costumam se dar no final, inclusive pela presença de grupos infiltrados.

Assim como eu, muitas pessoas estavam andando tranquilamente em direção à Cinelândia. Da Avenida 13 de Maio vi de longe a praça com a massa ordeira e pacífica, com palanques e discursos. Quando eu ia atravessar a Rua Evaristo da Veiga, vi à esquerda veículos blindados da polícia, e do nada começaram a atacar, jogando bombas na direção do povo. Nem consegui chegar na praça. O pessoal começou a correr para todos os lados, e muitos que estavam também na 13 de Maio foram correndo de volta para o Largo da Carioca. Algumas pessoas disseram que não adiantava ir para lá pois a polícia estava vindo dessa direção também, então isso significava que estávamos encurralados. Nem corri, apenas fui recuando para me encostar num prédio, olhando para meu lado direito (a praça), de onde eu via os ataques mais fortes. Do meu lado esquerdo (a Carioca) eu não estava ouvindo bombas, então achei que a polícia ainda estaria mais longe, mas de repente senti um impacto muito forte no maxilar esquerdo. (Isso ocorreu 17:20h, apenas 15 minutos depois que saí do prédio do MP).

Com esse impacto fiquei tonta e confusa, achei que algum poste tinha caído em mim, olhei pro chão e não vi nada grande que pudesse ter essa força. Aí coloquei a mão no pescoço e senti a sangria desatada. Falei alto que estava ferida, várias pessoas vieram me acudir (somente civis, nenhum policial/bombeiro/guarda). Alguns servidores da Faetec que estavam mais à frente, na direção da Carioca, gritaram para a polícia parar porque eu tinha sido atingida por bala de borracha (só nesse momento entendi o que era!). Uma pessoa me deu um lenço com a bandeira do Brasil para estancar o sangue, outra me deu meia garrafa d’água, outra fez um curativo improvisado, outro que se disse médico falou que eu tive sorte de não ter sido estilhaço. Uma dúzia de fotógrafos profissionais surgiu na minha frente num segundo, com centenas de cliques dignos de Fashion week (sei que algumas fotos correram até fora do país). Fiquei perplexa, sem conseguir me expressar, até que me dei conta de que precisava de atendimento médico urgente e falei que precisava ir pro Hospital Souza Aguiar. Todos à minha volta foram desaparecendo aos poucos, afinal a guerra continuava. Uma moça falou que poderia me acompanhar, mas logo depois vi passando o Lauro Sobral, amigo do CEB, que se dispôs a ir comigo. Fomos andando e chegamos cerca de 18h. Na busca pelo atendimento aqui e ali, vi depois 3 rapazes também feridos neste evento. Lauro mais tarde me disse que também viu chegar outra ferida, Lorena Diniz.

Fui atendida melhor do que esperava (do que eu imagino ser um verdadeiro hospital de guerra), e depois da tomografia e algumas avaliações decidiram me levar para a cirurgia vascular a fim de ver se havia rompimento de artéria, por causa do excessivo sangramento. Lembro de estar no centro cirúrgico cerca de 21h. Umas 22:45h acordei “grogue” da anestesia e a médica me informou não ter havido nenhum problema vascular, mas laceração da glândula parótida e do nervo facial (sorte que essa glândula não é tão essencial ao organismo!), Mas quanto ao nervo, é necessário o acompanhamento com um neurologista a fim de avaliar se haverá necessidade de outra cirurgia e/ou fisioterapia. O ferimento da bala foi mais de impacto do que de extensão, mas com a cirurgia exploradora o corte ficou bem grande, levei 21 pontos no pescoço.

Consegui ter alta na manhã de domingo (30/04), antes da previsão inicial, e juntamente com orientação médica externa segui direto para o Hospital Copa D’Or, onde fiz uma angio-TC que confirmou o diagnóstico anterior. Não houve danos vasculares ou ósseos, mas a extensão das lesões na parótida e no nervo, e suas possíveis sequelas, só poderão ser avaliadas quando diminuir o edema (inchaço), ainda muito grande. Aguardo a recuperação em casa, a princípio de licença médica até dia 09/05. Não consigo mastigar, consumo somente alimentos semi-líquidos, mas com a medicação não sinto dor.

Apesar de tudo, estou bem e otimista. Devido à minha crença espiritual, não gosto de alimentar sentimentos como revolta, mas ainda sinto uma tristeza enorme por ver o quão primitiva nossa sociedade ainda é. Tão desenvolvida tecnologicamente mas ainda tão pobre em ética, moral, cidadania e respeito. Acredito que vivemos num mundo de expiações e provas, e estamos sujeitos à lei do retorno. Mas isso não quer dizer passividade nem simples aceitação das arbitrariedades, pelo contrário! Devemos sempre lutar pela justiça e verdade. Ainda vou registrar a ocorrência e buscar os desdobramentos legais.

Por coincidência, publico esse post no início da madrugada do dia 1º de maio, data que simboliza a luta dos trabalhadores. A luta continua!

Agradeço muito ao Lauro por ter me acompanhado, administrado os contatos e notícias, e continuar me apoiando. Gratidão ao meu namorado (mesmo à distância), mãe, irmãs, demais familiares e amigos, tanta gente me apoiando e orando! Foi um alento receber tanta mensagem de carinho de todos. Fiquei muito comovida!”

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