RIO – Trinta e sete anos da queda do regime ditatorial no Brasil, muitos pesquisadores e historiadores procuram estudar e desvendar esse passado que deixou cicatrizes profundas em nossa história. Em uma tarde ensolarada no Centro do Rio de Janeiro, a seção Educação da Revista Biblioo foi até uma bibliotecária e filha de militantes políticos para conhecer um pouco mais do processo de elaboração de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado, Um capítulo seqüestrado da história do livro no Brasil: a censura e as publicações nos governos militares desde 1964 a 1985.
A entrevista foi iniciada no Arquivo Nacional, mas a “censura burocrática” nos impediu de filmar no espaço e acabamos nos dirigindo para a biblioteca do Instituto Infnet. Em uma sala reservada iniciamos a conversa de forma descontraída e com revelações históricas. “Eu sou filha de dois militantes políticos e a Ditadura Militar é uma realidade na minha vida desde muito cedo”, revela Juliene Coelho, autora da monografia. “Demorei muito tempo para aceitar isso como um Trabalho de Conclusão de Curso na Universidade”, desabafa.
Uma realidade presente
Juliene comenta que a escolha desse tema acabou atrasando a sua formatura pelo fato de não achar ético abordar uma realidade na qual tem posturas muito firmadas, mas por outro lado acabou percebendo que deveria pesquisar sobre o que gosta, decidindo focar seus estudos na questão da memória do livro e a censura no período da Ditadura Milita. Em seu trabalho, Juliene aborda os livros que foram proibidos desde a censura prévia até a censura punitiva.
Durante o processo de pesquisa, Juliene visitou alguns arquivos pelo país dentre eles, o do Arquivo Nacional e o do Arquivo Estadual do Ceará,em Fortaleza. Abibliotecária comenta algumas contradições observadas no decorrer da pesquisa, afirmando que “temos um processo de abertura e o Arquivo Nacional diz que você tem que tarjar a documentação”, ou seja, uma tarja preta sobre trechos de um documento, inviabilizando a leitura. Segundo ela, “[a pessoa] vai pesquisar e assina um termo de compromisso onde o pesquisador tem que dizer que não tem interesse em nomes e datas”. Juliene questiona: “você é pesquisador e se não tem interesse em nomes, datas e fatos, o que você foi fazer ali então?”. “Eu fui até o Arquivo Nacional logo depois do lançamento da abertura, da teórica abertura, fui até o Arquivo Estadual [do Ceará] em Fortaleza e tudo deles é tarjado”, afirma.
Além dessas contradições, “durante as eleições para a presidência da República, no Arquivo Nacional os pesquisadores não tinham acesso a fichas dos candidatos, inclusive da nossa atual presidenta”, destaca Juliene.
A pesquisa e o futuro
Durante a elaboração do TCC, Juliene comenta que os autores que mais marcaram a sua pesquisa foi o professor Carlos e Fico e o jornalista e escritor Zuenir Ventura. A oportunidade de escrever sobre esse tema acabou se aprofundando e garante que pretende agora “pesquisar aquilo que não foi escrito: as autocensuras realizadas pelos autores ou os livros que foram produzidos e editados fora do país e até hoje não foram editados aqui”. “Existem alguns casos ainda”, afirma. “Na verdade hoje tenho motivação para estudar outra linha que complementaria o que já foi trabalhado na monografia”, revela Juliene.
Chegando ao fim da entrevista, Juliene demonstra a sua insatisfação em relação à abertura dos arquivos da ditadura, pois, segundo ela, embora “com a abertura conseguimos enxergar as proporções de uma maneira real”, fazendo com que “algumas verdades montadas” “acabem caindo”, “isso não está acontecendo”, pois “estamos com processos de aberturas que são mentirosos ou fantasiosos.”
A grande verdade é que as feridas abertas no período da Ditadura Militar no Brasil ainda não foram cicatrizadas, resquícios de práticas autoritárias persistem em nossa política, instituições e na própria sociedade. A comissão da Verdade foi criada, mas muito ainda precisa ser feito para que as injustiças cometidas nesse período não sejam apagadas da nossa história ou então anistiadas como defendem os Militares.
Clique para ler integralmente a entrevista de Juliene Coelho que compôs esse artigo.