Por Silvio Essinger de O Globo

Pioneiro do pop eletrônico, artista que tocou para 3,5 milhões de pessoas em um só show (em 1997, em Moscou) e que vendeu mais de 80 milhões de discos, o francês Jean Michel Jarre é também um homem preocupado com a sociedade que está sendo construída nos novos tempos de internet. Em nome dessa ideia (e como presidente da Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores), ele enviou em 2013, à então presidente Dilma Rousseff, uma carta contendo críticas à aprovação da PLS 129/2012, que propunha modificações à gestão coletiva de direitos autorais de execução pública no Brasil.

— A propriedade intelectual é um dos principais elementos dos direitos humanos, devemos tratá-la da mesma forma que a questão ecológica — defende Jarre, em entrevista para divulgar seu novo álbum, “Electronica 2: The heart of noise”. — Devemos criar um novo modelo global de negócios. Nunca se gerou tanto dinheiro com a música para as grandes empresas, mas o que os autores ganham com isso, no fim do ano, é o equivalente ao valor de uma pizza. Isso tem que ser ajustado. No Brasil, que é um dos maiores países do mundo, e onde a música e a arte são tão importantes, o governo tem que entender que não pode matar o que gera tantos empregos e tanto dinheiro.

Na visão do francês de 67 anos, música eletrônica e política têm uma estreita ligação.

— Comecei a trabalhar com sintetizadores durante a revolta estudantil em Paris, e aquilo era uma forma de rebelião contra o establishment da música clássica e o do rock — diz Jarre, que gravou falas de Edward Snowden (analista de dados célebre por ter revelado segredos sobre o programa americano de vigilância global) para “Exit”, faixa de “Electronica 2”. — Snowden me fez pensar na minha mãe, que foi para a resistência francesa. Ele diz as mesmas coisas que ela, principalmente que se deve enfrentar tudo aquilo que causa dano à comunidade. Nós todos amamos a tecnologia, mas sabemos que ela pode ser instrumento para que os governos controlem nossas vidas. Para mim, ele é um herói moderno.

Especialista em shows para multidões, sempre com deslumbrante aparato de som e luz (quem se esquece da sua harpa de laser?), Jean Michel Jarre, contudo, nunca se apresentou em solo brasileiro.

— Isso virou quase uma piada! — diverte-se. — Durante décadas, quase todo ano tenho feito tentativas de tocar aí, mas, quando chega a hora, a coisa não acontece. Adoro o Brasil, sei que tenho muitos fãs aí. Espero que possamos, enfim, chegar ao país com a turnê, que vou estrear em junho no festival Sonár, em Barcelona.

Inspiradores viram convidados

Tecladista que pôs a música eletrônica nas salas de jantar (e elevadores) do mundo com o LP “Oxygène” (de 1976, gravado num estúdio caseiro), Jean Michel Jarre voltou ao disco depois de oito anos, em dezembro, com o volume 1 de “Electronica”, no qual dividiu faixas com convidados que vão do guitarrista do The Who, Pete Townshend, a produtores de ponta do novo pop, como Gesaffelstein e M83. No volume 2, que foi lançado no início deste mês, estão lá Pet Shop Boys, Gary Numan, Primal Scream, Cindy Lauper e o francês Sébastien Tellier, entre outros.

— Minha ideia foi reunir músicos que foram e que são uma fonte de inspiração para mim, não só em termos de música eletrônica, mas de tecnologia — explica Jarre. — Todos os que convidei disseram sim, e então, no fim de tudo, eu me vi com duas horas e meia de música, e aí tive que dividir o trabalho em dois álbuns.

Tanto o volume 1 quanto o 2 trazem sonoridades que lembram os discos mais conhecidos de Jean Michel Jarre e outras mais contemporâneas. Fruto do método de trabalho do francês.

— Meus princípios eram dois: eu tinha que me encontrar pessoalmente com os artistas e, antes disso, compor algo com cada um deles em mente — conta. — As canções resultantes foram dispostas nos dois álbum seguindo um critério de fluxo, daquilo que soava melhor junto.

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