É fato que o Brasil tem buscado implementar políticas de promoção da leitura. Inúmeras estratégias têm sido difundidas para o fomento da leitura entre crianças e jovens em idade escolar. Refiro-me, obviamente, à educação básica (nível fundamental e médio). O governo federal, por meio do MEC, é o maior comprador de livros de literatura (além dos didáticos), priorizando, a cada ano, um segmento para a escolha dos acervos a serem distribuídos pelo PNBE (Programa Nacional da Biblioteca da Escola). A escolha dos acervos é feita a partir de edital de convocação, por meio do qual as editoras inscrevem suas obras. Assim, se num ano é contemplado o fundamental I, no próximo será o II, depois o Ensino Médio, a EJA, sucessivamente.

Os livros escolhidos para a distribuição nas escolas públicas devem ter a mesma qualidade daqueles editados para a venda (isso não ocorria antes, quando se privilegiava apenas o texto, deixando de lado a diagramação, ilustração e qualidade do papel). Tanto as editoras quanto os autores têm se beneficiado com essas compras governamentais, o que possibilita que uma obra seja editada como um best seller (eu mesmo tive meu primeiro livro, O rei que virou lenda, publicado em 2009, escolhido para o acervo do Biblioteca na Escola, e é incrível saber que, tanto alunos do sul quanto do norte estão lendo meu livro).

Entretanto, gostaria de iniciar minha coluna refletindo sobre uma categoria de leitor sobre a qual ainda não recaiu o interesse das editoras. Trata-se do neoleitor. Tendo dado aulas de português e literatura há 15 anos para o segmento da EJA (Educação de Jovens e Adultos), tenho me confrontado com este perfil de leitor. Penso na sua dificuldade para assumir-se leitor, de fato e de direito, isto é, protagonista do que lê. Por outro lado, também tenho pensado em estratégias de leitura específicas para quem não conseguiu ser letrado, ou não tem a leitura como hábito dentro e fora da escola. Para pensar num plano de leitura, é preciso definir o neoleitor.

O neoleitor, portanto, é aquele que ainda não é sujeito pleno de sua leitura, falta-lhe a capacidade para pensar além do texto, refletindo, confrontando, problematizando e, é claro, vendo o livro como um espelho seu e da sociedade. O neoleitor não é capaz, ainda, de compreender textos rebuscados, com metáforas e construções sintáticas complexas (orações indiretas, períodos compostos longos, vocábulos próprios do mundo da escrita). O neoleitor, jovem e adulto, geralmente passou por experiências frustrantes na escola, que resultaram numa aversão à leitura.

Nas cirandas de livros que desenvolvo nas escolas em que trabalho, observo a dificuldade inicial para fazer com que este aluno mergulhe numa leitura mais longa, a sua dificuldade para emitir uma opinião que não fique no nível básico da narrativa. O neoleitor existe e está aí, nos cursos noturnos (ou fora da escola), tendo que assumir vários papéis na sociedade e relegando ao último plano o contato com a literatura. Literatura é, para ele, um bicho de sete cabeças.

Como, então, dar aula de literatura para quem passou no mínimo oito horas num trabalho pesado? Como dizer a este aluno que a leitura o fará um sujeito renovado? Como conduzi-lo para esse prazer? A resposta não está apenas em nós professores, mas também nos escritores e, sobretudo, nas editoras.

Explico. Procure numa livraria a prateleira com literatura destinada a jovens e adultos. Você encontrará o espaço dos livros infantis, dividido por faixa etária, e o espaço adulto, dividido por gêneros. Onde estarão os livros para o público que não é mais criança e nem grande o suficiente para leituras robustas? Simplesmente eles não existem. Alguém pode me contradizer, afirmando haver obras com o olhar nesse público. Eu digo que é ínfimo. O que há, e isso é bem recente, são obras pedagógicas para professores de EJA, trabalhos acadêmicos, mostrando a especificidade deste público. Ou ainda, há as tentativas de apropriação desse público numa espécie de “remendo”. Por “remendo” entendo aquelas obras adaptadas de clássicos da literatura universal e brasileira para uma linguagem e tamanho propício. Não sou a favor desse tipo de adaptação, mas essa é minha opinião. De resto, os neoleitores geralmente são agraciados com as obras infantojuvenis, infantilizando-se, sem desmerecer esses livros. Livros infantis têm temas mais voltados à fantasia, ao lúdico, à brincadeira, ao universo da criança. O neoleitor é aquele que já viveu um pouco, sofreu o bastante, tem experiências vastas e quer ler algo que responda a suas questões existenciais.

Por outro lado, alguns escritores costumam dizer que não pensaram seu texto para um público específico e, geralmente, ele cai na classificação dos infanto-juvenis. Reforço a opinião de que não estou falando da qualidade de um texto, mas de temática, de linguagem, de um projeto que contemple tal leitor. O critério de escolhas fica sempre a cargo do professor, já que as editoras não acordaram ainda para a realidade de que o Brasil não é um país de leitores, mas de neoleitores. O próprio MEC andou realizando um concurso para a escolha de obras específicas para o neoleitor (foram realizados quatro concursos, que iniciou de forma positiva, mas desandou e não sei se terá continuidade). Somos nós, professores, que devemos garimpar, aqui e ali, obras para nossos alunos; vamos montando, sugerindo, retirando, ampliando, errando, acertando…

Precisamos, urgentemente, de um pacto para o enfrentamento de um problema que vem se arrastando há muito tempo na educação básica: a alfabetização não é culminada no letramento. O apelo que faço aqui é, sobretudo, às editoras. Elas precisam pensar obras com temas adultos para os alunos da EJA. Obras de qualidade literária nas quais a temática se coadune com a linguagem. Garanto que é aí, nessa parcela generosa da população brasileira, que está o futuro do livro. Querem formar público leitor? Ensinem a ler, valorizando o neoleitor. Ele já foi alfabetiza há tempo; mas não adquiriu o hábito de “comer” livro.

No próximo mês, apresento algumas obras literárias para ilustrar minha reflexão.

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