O mais ilustre dos bibliófilos foi Napoleão.[1] Um de seus camaradas de Brienne[2] escreveu: ele tinha um gosto tão acentuado pelos livros “que seria o mais indicado para ser nosso bibliotecário.” Desse modo, Bonaparte teria abandonado sua carreira. Ele não amou menos sua vida de leitor. “Ele tinha os melhores livros que surgiam ou aqueles que seus autores enviavam para serem lançados, trazidos a ele todas as semanas, geralmente durante e após a refeição, às vezes até pela noite. Ele devorava tudo e queria avaliar por si mesmo. Também nesta questão ele se revelou criativo, determinado e imperioso: ele tinha concebido um projeto de biblioteca adaptado, se assim posso dizer, ao seu modo de vida. De Bayonne, em 17 de julho de 1808, deu a seguinte ordem: “O Imperador deseja formar uma biblioteca portátil, de mil pequenos volumes in-12, impressos em belos caracteres. A intenção de Sua Majestade é que estas obras sejam impressas para seu uso privado, sem margens para não perder espaço. Os volumes teriam de 5 a 600 páginas, encadernados com lombadas quebradas e destacadas, e com a capa mais fina possível. Esta biblioteca seria composta por cerca de 40 volumes de religião, 40 de épicos, 40 de teatro, 60 de poesia, 100 de romances e 60 de história. O grande capitão recrutava e aparelhava sua biblioteca como a um regimento.

Em 1809, reapreciando este ato, modificou-o nestes termos: “O Imperador sente todos os dias a necessidade de ter uma biblioteca itinerante, composta por obras de história. Sua Majestade gostaria de aumentar o número de volumes desta biblioteca para três mil, todos em formato in-18, tendo de 4 a 500 páginas e impressos em finos caracteres Didot, em papel vitela fino… Os três mil volumes seriam acondicionados em trinta caixas, em três filas, cada fila contando trinta e três volumes, etc.” O projeto jamais foi executado: mas temos uma história a respeito das bibliotecas portáteis de Napoleão demonstrando que em todos os lugares, mesmo no campo, mesmo durante a Campanha da Rússia ele estava acompanhado por seus livros enviados de ordem.

* Tradução do original “Bibliophiles” (Paris: F. Ferroud, 1924), de Gabriel Hanotaux (1853-1944)por Cristian Brayner. Hanotaux (1853-1944) foi um diplomata, historiador e político francês. Estudou na École Nationale des Chartes, e pelo desinteresse de se tornar arquivista, se tornou mestre de conferência na École pratique des hautes études. En 1879 ingressou como secretário no Ministério de Assuntos Exteriores, fazendo carreira no serviço diplomático.Em 1886 foi eleito deputado, mas ao ser derrotado em 1889, retornou à carreira diplomática, sendo nomeado, cinco anos depois, como Ministro de Assuntos Exteriores.Foi o delegado da França na Sociedade das Nações, onde participou das quatro primeiras assembleias gerais. Foi o único que se opôs a admitir o esperanto como língua de trabalho na Sociedade das Nações por considerar que já existia una língua franca: o francês.Aos 43 anos de idade tornou-se membro da Academia Francesa.

[1] Embora a história da França conte com muitos soberanos bibliófilos, como Carlos V, Francisco I ou mesmo Luís XVI, nenhum parece ter amado tanto os livros quanto Napoleão I (1769-1821), leitor de bibliotecas inteiras. Antoine-Alexandre Barbier, seu bibliotecário, estimou que seu acervo bibliográfico totalizava 68.700 volumes distribuídos em vários palácios. Era sonho de Napoleão centralizar todos os impressos europeus em Paris, das Tulherias a Fontainebleau passando por Malmaison e Compiègne, Egito e Rússia, a ilha de Elba e Sainte-Hélène (BARBIER, 1808-1810; REINHARDT, 1935; VIAL, 2021).

[2] Embora tenha sofrido bullying da parte de seus colegas por seu sotaque no início dos cinco anos que passaria na escola preparatória militar em Brienne, Napoleão se revelou um aluno muito dedicado, particularmente interessado pela leitura, em especial de biografias de pessoas famosas, de estudos militares, manuais de geografia e ciências, além dos grandes clássicos literários. Lê e relê Plutarco, considerado por ele como o maior escritor da Antiguidade (PETIT, 1839).

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