Por Maria Elisa Alves de O Globo

Entrando no Museu Histórico Nacional, pode-se viver a experiência de quem não enxerga. A exposição “Diálogo no escuro” leva o visitante, com uma bengala idêntica às usadas por pessoas com deficiência visual, a um labirinto sem luz alguma e que reproduz alguns pontos do Rio de Janeiro. Com a ajuda do tato e da audição, o público se descobre em meio ao Jardim Botânico — as folhagens, o canto de pássaros e até uma minicachoeira dão a dica. Ou na praia, adivinhada com a ajuda de areia, chinelos de borracha e um áudio com o som de ondas e do onipresente ambulante de biscoito Globo. Saindo do breu, é impossível não se perguntar o que o museu que permite ao público viver no escuro por 45 minutos oferece para quem vive o tempo todo sem ver. Ou para quem não ouve. A resposta é a mesma em boa parte dos espaços culturais da cidade: eles estão correndo atrás do prejuízo na área da acessibilidade.

Como a maioria, o Museu Histórico Nacional já resolveu o problema de cadeirantes — tem elevador e banheiros adaptados. Mas quem não enxerga e quer aproveitar o acervo só tem à disposição, por enquanto, duas opções: audioguias, uma gravação que descreve as principais atrações, ou a marcação de uma visita com antecedência, na qual se pode tocar em alguns objetos separados — oportunidade negada a quem chega de supetão. Quem não escuta podia recorrer a videoguias, mas os dois aparelhos quebraram. A solução é acionar o único dos oito monitores, cujo contrato vence em dezembro, que sabe Libras (língua brasileira de sinais). Vânia Bonelli, coordenadora técnica, diz que o panorama vai mudar em breve:

— Estamos comprando maquetes táteis, que são reproduções de 14 peças do nosso acervo, como esculturas, pinturas e moedas, para que as pessoas que não enxergam possam tocar. Acredito que cheguem em um mês. Os canhões já têm placas em braile. Fizemos um pacote de investimento de cerca de R$ 150 mil para melhorar a inclusão.

No Museu Nacional de Belas Artes, é proibido tocar nas esculturas. Os audioguias estão em manutenção. A diretora do espaço, Monica Xexéo, porém, conta que da próxima sexta-feira ao dia 18 de setembro, período da Paralimpíada, vai entrar em cartaz o projeto “Ver e sentir através do toque”, em que são expostas reproduções em 3D, em gesso e EVA, de obras do acervo. A exposição já aconteceu outras vezes e não faz parte da exibição permanente. Agora, por exemplo, terá apenas seis peças.

O recurso de maquetes não é aprovado por todos. Luiz Pizarro, artista e curador educativo do MAM, onde há obras que cegos podem tocar com luvas, diz ser contra réplicas em outros materiais:

— Ferro é diferente de plástico, que é diferente de mármore. A experiência de tocar na réplica vai ser outra. Há museu que acha que pode fazer narrativa, contar como é um quadro. O áudio gera fruição, mas não é também a obra. Não tem áudio-guia que mude o fato de que a arte visual é visual.

OBRA DE ARTE PODE TER VÁRIAS FORMAS VÁLIDAS

Luís Henrique Mausch, fundador da Associação Mais Diferenças e participante da Primeira Semana Internacional de Acessibilidade e Cultura, que acontece no Rio durante a Paralimpíada, discorda de Pizarro. Para ele, uma obra de arte pode ter diversos formatos, todos válidos:

— Temos que pensar de um outro jeito. Uma obra só acaba quando tem uma versão acessível.

A historiadora da arte Maria Berbara, professora da Uerj, cita exemplos no exterior de quem já entendeu a importância de levar pessoas com deficiência para museus. Na National Gallery, em Londres, um projeto voltado para pessoas que não enxergam não se limita a fazer a descrição verbal de pinturas ou apresentar obras em relevo:

— Eles buscam atingir as pessoas por todos os sentidos. Se um quadro é do Renascimento, eles chamam músicos para tocar algo daquele período. Há até água para os cães-guias. São iniciativas bem pensadas e criativas.

O Rio, diz Mausch, ainda não vai tão longe:

— Eu diria que os museus, de forma geral, estão se preparando.

Alguns já estão adiantados. Na Biblioteca Parque, há desde equipamento para virar as páginas de livros até impressoras para reproduzir em alto-relevo os desenhos de livros infantis. No Museu do Amanhã, há maquetes táteis com o conteúdo da exibição permanente e informações em braile, além de vídeos com legendas para os surdos.

— Na próxima semana, teremos audioguias e vídeo em Libras. Temos um funcionário que sabe Libras e dois fazendo curso — enumera Melina Sarnaglia, gerente de educação do Museu do Amanhã.

´Maria da Glória Almeida, assessora da direção do Instituto Benjamim Constant, e cega, está animada para conhecer o espaço.

— No ano passado, passei a mão em algumas esculturas num museu, mas o segurança chamou minha atenção. Perguntei como eu poderia fazer e ele disse que deixaria, como se fosse favor. As pessoas têm que entender que inclusão não é concessão, é um direito — diz.

Museu Histórico Nacional

Monitores: Apenas um sabe a Língua Brasileira de Sinais (Libras). O contrato dele vai até dezembro.

Áudio: São 35 aparelhos, e mais cinco serão comprados.

Tátil: O museu espera receber até o mês que vem reproduções táteis de 14 obras do acervo. Entre elas, há esculturas, quadros e moedas.

Braile: Apenas o salão com canhões tem placas com o sistema de escrita para deficientes visuais.

Libras: Há dois vídeos com informações na língua dos sinais, mas os aparelhos estão quebrados. Foram comprados outros cinco, segundo a coordenadora técnica do museu.

Museu do Amanhã

Áudio: A previsão é que cheguem 50 aparelhos na semana que vem.

Tátil: Há maquetes mostrando o conteúdo do museu.

Braile: Algumas informações estão na linguagem.

Libras: Aparelhos devem chegar na próxima semana.

Monitores: Um sabe Libras e dois estão sendo treinados.

Centro Cultural Banco do Brasil

Áudio: Na biblioteca, há 353 audiobooks.

Tátil: Não informado.

Braile: Há diversos livros, e são oferecidas visitas mediadas.

Libras: Há um guia multimídia em Libras para a exposição “O triunfo da cor”, e também podem ser marcadas visitas.

Monitores: Visitas podem ser marcadas no setor educativo, mas não foi informada a quantidade de monitores.

Biblioteca Parque

Áudio: Tem um acervo de audiolivros, além de um software que permite ao computador ler textos em diversos idiomas.

Tátil: Uma impressora aquece ilustrações de carbono, transformando-as em alto-relevo para que crianças cegas sintam os desenhos das histórias.

Braile: Há impressora em braile e livros.

Libras: Há funcionários que dominam a linguagem. A diretora está aprendendo.

Museu Nacional de Belas Artes

Áudio: Os aparelhos estão desativados, segundo a direção, e voltam semana que vem.

Tátil: Haverá uma exposição em setembro com reprodução de seis obras do acervo.

Braile: Os botões do elevador têm números em braile.

Libras: Há videoguias, mas estão em manutenção.

Monitores: Não informado.

Museu de Arte Moderna

Áudio: Não tem.

Tátil: Visitantes que não enxergam podem tocar em algumas esculturas do acervo.

Braile: Não tem.

Libras: Não há nada disponível.

Monitores: Estão orientados para atuar em todos os casos que necessitem de atenção especial.

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