Dias atrás uma declaração de um ator global fez surgir um questionamento antigo dentro da sociedade. Fez surgir não, deu margem para que o assunto ganhasse visibilidade dentro de um sistema que torna invisíveis certos grupos/classes/coletivos sociais. Me refiro (e sei que a informação não é ignorada por ti) à carta que o ator José Mayer publicou, em que, dentre outras coisas, diz que tudo não passou de uma brincadeira. Brincadeira?!
Embora ele tenha assumido que as “brincadeiras” de cunho machista tenham passado dos limites, fica aqui uma pergunta deste que vos escreve: é brincadeira dizer coisas do tipo “hei gostosa” ou “nossa, como você está bem neste vestida” e fazer cara de cachorro que fica olhando à máquina de assar frango na padaria? Eu não estou afirmando que foram essas as “brincadeiras” proferidas pelo ator, só tentei trazer para o texto o que milhares de mulheres são “obrigadas a ouvir” diariamente nas ruas, nos transportes coletivos, nos ambientes de trabalho etc.
Para uma sociedade que valoriza sobremaneira a figura e atitudes masculina em detrimento da feminina, um homem que está na rua e mexe com uma mulher que está apenas passando é visto como normal e sua atitude é tida como mais que regular e esperada. Sim, esperada, pois quem assim não procede tem a sua sexualidade colocada em cheque, pelos machões vigias da sexualidade alheia de plantão.
É de se esperar que muitas mulheres tenham medo de denunciar certos assédios, pensando na represália que sofrerão por “prestar queixa na polícia, só por que foi chamada de gostosa na rua ou por que ouviu piadinhas no ônibus e se sentiu ofendida”. Só quem é mulher e ouve tais “piadinhas” sabe o que isso representa!
Nós homens somos privilegiados por um sistema milenar, que não mostram sinais de se deteriorar. Me refiro ao famigerado patriarcado, que tem o machismo como o seu filho pródigo. Esse sistema atua em diversas culturas/sociedades de maneira muito incisiva, fazendo com que, em determinadas culturas, a mulher seja vista apenas como reprodutora – o quanto mais.
Não dá para entender como um homem de 67 anos de idade, vários outros anos de carreira (carreira essas que o obriga a ter um conhecimento do mundo ímpar), além de o mesmo ser viajado e ter tido contato com outras culturas, dizer que “está passando por um processo de mudanças…” Fico querendo saber em que sentido e/ou direção estão indo essas mudanças?!
Claro que, mesmo que vivamos 100 anos, nós, enquanto seres humanos, nunca estaremos acabados, mas há de se ter um certo grau de esclarecimento aos 67 anos para entender que um homem casado não deve ter certos tipos de “brincadeiras” com colegas de trabalho ou com qualquer outra mulher. Ou estou eu a falar/escrever algo sobrenatural, que é impossível para o homem fazer, mesmo estando ele casado? Eu me recuso a acreditar que é norma irrevogável em uma sociedade que diz prezar “os bons modos e costumes”, aceitar que isso faça parte da natureza do homem. Por favor, me poupe!
Ao ser desmascarado pela colega de trabalho e o assunto ter ganhado repercussão nacional, o galã dos foletins do horário nobre veio a público se desculpar. Desculpa essa que deixou muito a desejar – ao meu ver –, pois deixou claro que o comportamento dele foi moldado/cunhado por uma sociedade machista. Ora essa, Mayer, eu não fico por aí com certas “brincadeiras” com as colegas de trabalho, até por que, como já dizia o ditado: “onde se ganha o pão, não se come a carne!”
O episódio em questão serviu para acordar uma série de mulheres que “dormiam” no berço inquisidor do medo, pois muitas ainda são acusadas de estarem com roupas inapropriadas para estarem na rua, por isso que os caras soltam piadinhas. A doença dos “machos irresistíveis” é camuflada pela indumentária que a mulher – no seu sagrado direito de usar shorts, sais e vestidos acima do joelho – quer usar.
Aos homens tudo, as mulheres nada! Não ouvimos isso por aí, mas, cá prá nós, nem precisa, né? As atitudes da sociedade fazem esse coro silencioso ecoar em todos os cantos. Aproveito o espaço para sugerir a leitura de dois textos meus sobre o assunto, que foram publicados aqui na Biblioo em setembro e outubro de 2014, intitulados de: “O machismo nosso de cada dia”, parte I e parte II. Lá eu pude me aprofundar melhor no tocante ao patriarcado e mencionar os malefícios que isso trás até hoje para as sociedades.
Felizmente eu não precisei chegar aos 67 ano de idade para entender que “brincadeira tem hora”, como também já bem disse um outro ditado popular. Os meus 32 anos e 8 meses já me são suficientes para saber tratar uma mulher – seja onde for. Acho que o movimento precisa ganhar mais volume, principalmente por que ainda há gente que acha que toda esta repercussão é um exagero e que a punição que o ator sofreu – ficar fora da próxima novela das 21h – é um erro da emissora. Eu ainda acho que foi pouco, que ele poderia ser intimado a prestar depoimento e responder um processo por danos morais.
“Mexeu com uma, mexeu com todas!” Que nós, enquanto sociedade, entendamos que é preciso que as mulheres se unam e se protejam, e que não dá mais para aturar as “piadinhas” constrangedoras que se ouve pelas ruas. De verdade, eu fico com vergonha alheia, quando um homem na rua mexe com uma mulher, se achando no direito de fazer isso, só por que é homem. Que possamos aprender a lição, mas que não fique apenas neste caso. Nas favelas e periferias das cidades muitas mulheres são assediadas diariamente, sofrendo os maiores traumas e agressões físicas possíveis, mas, diferentemente da figurinista branca, moradora de área nobre, e funcionária da Globo, as faveladas/periféricas não têm quem olhe por elas, muito menos um veículo de comunicação que queira dar eco a suas vozes.