“Qualquer ensaio sobre o machismo, escrito por uma mulher, parecerá uma autobiografia; ao falar sobre o machismo, a imensa maioria das mulheres fala de si mesma”. O pequeno texto acima inaugura a introdução de um livro que me é caro pelo seu conteúdo, e que utilizei para extrair bases sólidas que me auxiliaram na construção do texto que se segue. Trata-se do livro da mexicana Mariana Castañeda, cujo título mostra-se bem pertinente: O machismo invisível.

Vivemos numa sociedade majoritariamente patriarcal, pautada em normas, condutas, moral, vindas das sociedades Elênica, centro-europeia, judaica/cristã. Muito das influências dessas sociedades foram herdadas pela sociedade atual. Com isso, não fica difícil observar que algumas práticas tidas como arcaicas por alguns, são vistas como normais por outros.

A posição que a mulher vem assumindo na sociedade, desde o início do Século XX, ainda incomoda muitos conservadores em pleno Século XXI. De fato incomoda e muito, ao ponto desses conservadores proferirem falácias e impropérios a respeito das mulheres. Para eles, as mulheres não precisam fazer nada além de cuidar da educação dos filhos e do lar, deixando aos homens a tarefa de ir à rua buscar o sustento da casa/família. Talvez esteja aí uma das raízes do machismo: que o homem trabalhe fora para sustentar a casa, não permitindo a mulher, por exemplo, fazer o mesmo e dividir as despesas domésticas. Voltaremos nesse assunto mais adiante. Por ora ficaremos com a “função” da mulher na visão dos conservadores.

Uma inquieta autora do Século XIX (e porque não dizer uma das primeiras feministas desta nação) fez uma tradução livre de um livro que fala dos direitos das mulheres. O livro chama-se: O direito das mulheres e a injustiça dos homens, e a autora da versão em português é Nísia Floresta Brasileira Augusta. O livro é curto, com apenas 133 páginas (4. ed.), mas muito enfático no tocante a reclamar o direito que as mulheres têm. Dentre alguns trechos que me foram pertinentes, transcrevo abaixo um simplesmente maravilhoso: “Que direito têm eles de nos desprezar e pretender uma superioridade sobre nós, por um exercício que eles partilham igualmente conosco? Todos sabem, nem se pode negar, que os homens olham com desprezo para o emprego de criar filhos e que é isto, às suas vistas, uma função baixa e desprezível; mas se consultassem a natureza nesta parte, sentiriam sem que fosse preciso dizer-lhes, que não há no estado social um emprego que mereça mais honra, confiança e recompensa. Basta atender às vantagens que resultam ao gênero humano para convir-se nisso; eu não sei se até por esta razão unicamente, as mulheres não mereceriam o primeiro lugar na sociedade civil”.

 A primeira edição desse livro data de 1832, publicada na cidade do Recife, PE; a que tive a felicidade de ler foi a 4ª edição, de 1989. Independente de quando foi publicado, o livro mostra-se muito atual, principalmente quando se descobre que ainda hoje (2014), há pessoas que classificam as coisas e afazeres como sendo de mulher ou de homem. Pois é meus caros, ainda existem pessoas que pensam assim: que homem trabalha na rua, e mulher em casa; e o pior, que o trabalho doméstico é inferior e desprezível, enquanto o do homem (que é na rua) honrado e digno.

Ora, o que leva um pai a preterir a educação e a criação do seu rebento? Seria pelo fato de que “cuidar dos filhos é coisa de mulher?” Acaso um homem deixará de ser homem por trocar as fraldas da criança? Deixará de ser homem pelo fato de fazer uma mamadeira e alimentar a criança? Desde tenra idade o homem é alvo de pressão por parte da sociedade (pai e mãe principalmente). Ouve que: “precisa ser homem”, “que tal atitude não é coisa de homem”, e a frase que pra mim é a mais traumática: “Isso não é coisa de macho!” Por que o homem precisa mostrar que é homem? Por que é vergonhoso para o homem ser tachado como “maricas”, “mulherzinha”? Por que homens adultos precisam competir entre si para provar quem é mais homem? O que confere masculinidade ao homem é uma combinação biológica (com seus cromossomos XY e hormônios peculiares), ou suas atitudes de macho?

Engraçado perceber, mas da mulher não é cobrado este tipo de conduta, ou seja: não se pressiona a mulher para ser feminina, mais mulher; não há essa pressão entre elas, quem é a mais mulher, por exemplo. A oposição entre homem e mulher gera diferença no âmbito psicológico, fazendo com que cada um busque o que lhe é devido (na divisão clássica entre coisas de homem e coisas de mulher). Segundo Marina Castañeda, em seu livro Machismo invisível: “o machismo estabelece uma diferença psicológica radical entre homens e mulheres, a partir da qual propõe papéis exclusivos em todos os âmbitos. De acordo com essa perspectiva, as pessoas são aptas ou não em certas áreas de estudo ou ocupações, e até se permitem ou não certas emoções, com base em seu gênero sexual e não em suas características individuais. De acordo com essa visão, por exemplo, os homens não são capazes de cuidar de um bebê e as mulheres não podem ser boas engenheiras ou maestrinas”. Dito isto, fica mais claro pra mim, por exemplo, entender a resistência de alguns homens em fazer coisas que para eles competem apenas às mulheres. Fica fácil entender, não aceitar.

Certa vez em Salvador, BA, um menino de 10 anos me viu lavando as minhas roupas no tanque. Ele chegou e já foi dizendo que lavar roupas era coisa de mulher. Eu olhei para ele e logo o chamei de machista, mas depois de alguns segundos eu lembrei que era uma criança, e por consequência, tão vítima da sociedade quanto eu. Depois de ter voltado ao meu estado de ânimo normal eu perguntei a ele o que o homem fazia então, já que lavar roupas definitivamente não podia fazer. Ele me respondeu que o homem devia ficar sentado no sofá, que aquilo que eu estava fazendo era coisa de “mulherzinha”. Olhei pra ele, respirei fundo e disse que o homem não vai ser menos homem se colocar a barriga no tanque para lavar suas próprias roupas; que homem deve fazer coisas em casa sim para ajudar a mãe e/ou a esposa…

Depois desse episódio fiquei pensando nesta criança, que com 10 anos de idade já reproduz fielmente a face ruim da sociedade. Não sei se acontece em outros lugares do Nordeste, mas eu achei o homem baiano deveras machista. Não só na forma de falar (que, cá entre nós, é muito machista e autoritária), mas nas práticas diárias. Um dia peguei um taxi em que o taxista (dentre outras coisas), me falou das suas duas família (a naturalidade dele me deixou mais intrigado). Ele não só falava das esposas e dos filhos, como também me confidenciou que ambas sabiam da existência uma da outra, e que até fizeram um acordo no tocante ao dinheiro que ele fornecia: a primeira esposa ficava com o dinheiro da aposentadoria (algo em torno de uns 3 mil reais por mês), já a segunda fica com o dinheiro que ele ganha nas corridas de taxi. Confesso que muitos homens de Salvador têm mais de uma mulher “oficialmente”. Claro que isso não é uma exclusividade dos homens baianos, mas percebi que a frequência aqui é mais acentuada, quando não declarada.

Observem que tanto na fala da criança de 10 anos, quanto no relato do taxista, há uma afirmação do ser homem e superior em detrimento da mulher, que é tida como única apta a fazer serviços domésticos (logo inferiores), e pode aceitar que um homem tenha duas famílias, por exemplo. Com isso, muitos afirmam ser o homem superior em comparação com a mulher. Para Nísia Augusta é diferente:“Não se acha diferença real na constituição interna e externa dos homens e das mulheres, senão pela parte dos membros destinados à geração. As diferenças que aí se encontram não são suficientes para concluir que um sexo seja naturalmente mais forte que o outro”.

Esta foi a primeira parte de um assunto que é deveras longo e que merece nossa atenção e estudo. Na próxima edição continuaremos nesse assunto, e nos desdobramentos que ele naturalmente impõe. Até lá.

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