RIO – Marketing em bibliotecas ainda é um assunto que causa polêmica em algumas organizações e também entre os bibliotecários. Ora renegado, ora mal aplicado, o marketing ainda se mostra como um desafio aos profissionais, que com ele, visam desde melhorar o desempenho de suas unidades de informação, e a imagem profissional da classe.

Para mostrar casos de sucesso, nesta edição, a Biblioo esteve com Gilda Queiroz, que com sua equipe do Centro de Informações Nucleares (CIN), desenvolveu um bem sucedido modelo de marketing, que a levou a dar cursos em todo o Brasil e no exterior.

Formada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), e estudiosa de marketing, desde a década de 80, Gilda, fala um pouco sobre sua trajetória, as discussões da área e sobre sua visão profissional em relação a aplicação do marketing em bibliotecas.

Emília Sandrinelli: Gilda, você pode contar um pouco sobre sua trajetória na área de Biblioteconomia? Como você decidiu se tornar uma bibliotecária?

Gilda Queiroz: Eu estudava no colégio Pedro II e descobri na biblioteca uma revista do Instituto Nacional do Livro. Folheando essa revista, eu descobri uma descrição bem detalhada de tudo que se fazia em Biblioteconomia naquela época, que eram meados dos anos 60. E aí eu decidi fazer Biblioteconomia, perguntei a opinião da minha mãe. Ela conhecia uma bibliotecária, que era filha de um amigo. Essa bibliotecária trabalhava na UNESCO, em Paris, e o pai dela deu ótimas recomendações da profissão.  E foi por isso, então, que eu decidi que ia fazer Biblioteconomia. Mas uma coisa que me influenciou muito foi a atuação da bibliotecária da Biblioteca pública de Botafogo. Na verdade ela que me serviu de modelo… Ela era excelente, daí eu achei que era aquilo mesmo que eu queria fazer.

E. S.: E você também é bem atuante, politicamente, na área da Biblioteconomia. Você pode contar um pouco de como foi a sua atuação?

G. Q.: Primeiro lugar, é por que me vejo antes de tudo como cidadã. A minha família sempre foi muito envolvida com política. Meu pai era um destes comunistas tradicionais, na época do Getúlio, e a questão política sempre esteve muito presente na minha família, apesar de uma parte ser esquerdista, e outra, muito direitista. Em relação a atuação política da nossa profissão, eu vejo claramente, que se nós não nos enxergarmos como um grupo, de uma forma coletiva, nós jamais poderemos ter representatividade na nossa sociedade. Mesmo que você seja um excelente bibliotecário individualmente, você só pode alcançar uma posição na sociedade se muitos bibliotecários forem bons, logo, não adianta você, sozinho, ser bom. E acho que quem tem mais condições, sempre deve ajudar quem tem menos condições, as pessoas que estão bem preparadas, e que tiveram muitas chances na vida, tem que ajudar, empurrar os outros, dar uma alavancagem na profissão como um todo, por sua atuação política. Nós nos vemos muitas vezes como indivíduos, mas o homem é um segregário e, portanto, ele tem que ter atuação política. Tudo é política. Mesmo a sua missão, também, é uma atitude política.

E. S.: E como você vê a situação da Biblioteconomia no Brasil hoje em dia?

G. Q.: Eu acho que há uma possibilidade muito grande de crescimento da profissão, em duas frentes: O profissional que atua em bibliotecas públicas e em bibliotecas populares, porque se nós tivermos uma atuação coletiva em relação à ocupação destes espaços, nós teremos um campo amplo de mercado; e, por outro lado, toda atuação que nós podemos ter em relação aos serviços via internet.

E. S.: O que levou você a se interessar pela área de marketing?

G. Q.: Tem uma influência familiar. Um pouco por que eu sempre achei que era preciso que, ao você fazer alguma coisa, o que você fizesse tivesse visibilidade para que fosse usado e aproveitado. Eu acho que ai esteja a palavra certa em relação ao que eu sinto, da necessidade de marketing. O que você fez tem que ser aproveitado, deve ter uma função. Ai eu vejo que as bibliotecas de uma forma geral são subutilizadas, porque também são pouco conhecidas e muitas vezes mesmo que conhecidas, elas não tem a amplitude de uso que poderiam ter se um número muito maior de pessoas soubessem dos recursos da Biblioteca. Eu sempre repito, para mim a biblioteca não é o local nem a coleção, para mim são estes recursos colocados em movimento, mas para isso precisa saber o que as pessoas querem e atender a esses anseios, a estas demandas.

 

E. S.: E o marketing nem sempre foi tão valorizado entre bibliotecas. Você acha que isso pode ter influenciado negativamente na imagem do profissional?

G. Q.: Eu acho que o marketing foi sempre muito pouco utilizado nas bibliotecas no Brasil. Apesar de eu ter feito um número muito grande de cursos no Brasil inteiro, falando de marketing, eu acho que pelos comentários que ouço em fóruns muito diferentes, que as pessoas em mil novecentos e oitenta e poucos, quando comecei, falavam. Era preciso falar de marketing. Em dois mil e dez, as pessoas continuavam dizendo que “é preciso estudar o marketing, é preciso empregar o marketing”. Então, eu acho que apesar de todo esforço da Amélia, e da Sueli Angélica, e de todas as outras pessoas e, no caso do nosso grupo, do Centro de Informações Nucleares, em que nós fizemos, talvez, a experiência mais completa do uso de marketing em todas as suas etapas e com continuidade, eu acho que o Marketing é pouco explorado nas Bibliotecas. As pessoas tem consciência de que precisam fazer programas de marketing e principalmente que precisam adotar o espírito de marketing, como eu digo sempre para os meus alunos. Mas existe certa timidez em relação à demanda que isso pode ocasionar. As pessoas não aplicam as técnicas de promoção, digamos, pois normalmente quando se fala de marketing, se está muito mais referindo ao elemento promoção, em relação a serviços de bibliotecas. As pessoas tem medo de que, fazendo promoção, provocarem uma demanda indesejada e eu acho que é isso que faz com que exista uma timidez muito grande, ou então, até certa aversão ao uso do marketing. Em relação ao termo propriamente dito, eu acho que na década de oitenta, onde eu comecei a estudar sobre marketing, eu comecei a estudar em coisas genéricas, depois que eu tive acesso à literatura, principalmente americana e inglesa em relação a marketing de bibliotecas. Naquela época se podia falar em preconceito contra o uso de marketing, em dois mil e doze, isso já não acontece. Acho que todos gostariam de fazer, mas não sabem o que fazer, ou então não querem provocar demandas.

E. S.: Fala-se muito dessa imagem negativa que o bibliotecário tem perante a sociedade. Você acha que o marketing poderia ser utilizado para valorização do profissional de Biblioteconomia?

G. Q.: Eu acho que sim, principalmente se ele for otimizado pelas associações, sindicatos, conselhos, mas como dizem os manuais de marketing ,você precisa ter um trabalho de promoção e esse trabalho precisa de um respaldo do seu produto. Não se pode divulgar algo que o bibliotecário não possa corresponder. O trabalho que for feito em relação a possibilidade do bibliotecário tem que corresponder aquilo que o bibliotecário médio tem condições de desempenhar. Tenho visto muitas situações que é feita uma propaganda que o bibliotecário ainda vai ter condições, mas ainda há um numero muito restrito de pessoas que podem desempenhar estes papeis. Por exemplo, um bibliotecário fazer parte de um boom de profissionais para criar estrutura de sites. Tenho quase certeza que se convidássemos um grande numero de profissionais para desempenhar esse papel, nos teríamos muitas decepções. Então eu acho que é preciso que criemos expectativas reais na sociedade, mas acho também que podemos sim trabalhar com algumas pessoas que são emblemáticas para que novos profissionais possam refletir naquela imagem. O que faz a imagem de uma profissão são os profissionais competentes, e que se mostrem. Uma realidade de até alguns anos é que as pessoas viviam assim, “Ah eu não gosto de me mostrar”. Bem se você não se mostra, a profissão também não se mostra.

E. S.: A questão do marketing de bibliotecas tem ganhando a atenção necessária atualmente?

G. Q.: Pelo menos fala-se muito mais. Falar, se fala desde a década de noventa, como eu falei. Como eu lhe disse, eu mesma fui ao Maranhão, para Amazonas, Pernambuco, São Paulo…Aqui no Rio de Janeiro vários cursos…Santa Catarina…ou seja, eu passei o país inteiro dando cursos muito práticos para que as pessoas realmente pudessem aplicar…Até porque de um curso eu ia aproveitando a experiência para o próximo, para que aquilo se adequasse ainda mais a realidade das bibliotecas brasileiras. Eu esperava um resultado muito maior. Que essas pessoas fossem reprodutoras da ideia.

E. S.: E você acha que os currículos dos cursos de Biblioteconomia estão abordando essa questão do marketing?

G. Q.: Eu não conheço muito bem a realidade dos currículos do Brasil inteiro, O que sei, é que a UFRJ tem uma cadeira de marketing. Mas eu acho que o marketing nem deveria ser uma cadeira dentro da Biblioteconomia. Mas que os bibliotecários se interessassem e estudassem em livros que já estão publicados, da nossa área, como o livro da Amélia, da Sueli Angélica. A literatura brasileira nesta área é muito grande e a literatura internacional, apesar de hoje em dia se direcionar muito para as redes sociais, o que já foi publicado anteriormente é muito vasto e pode perfeitamente ser estudado pelos bibliotecários formados sem que isso seja parte do currículo. Muita coisa que é necessária numa profissão, não necessariamente faz parte do currículo básico.

 

E. S.: Você poderia citar algumas iniciativas bem sucedidas de marketing em bibliotecas, dentro e talvez fora do país?

G. Q.: O Centro de Informações Nucleares criou um programa dentro de suas atividades, que cobria todas as atividades de marketing. E foi um programa mais completo, durou muitos anos e havia uma vontade da instituição como um todo para que isso fosse feito. Não era uma iniciativa de apenas uma pessoa, mas sim de muitas pessoas envolvidas nesta atividade. Nós fazíamos a pesquisa de mercado, depois envolvíamos a equipe para que se fizessem as adaptações nos recursos para criação de produtos novos que correspondessem àquelas pesquisas de mercado. Fazíamos avaliação dos produtos, “matávamos” alguns produtos quando víamos que não tinham demanda. Fazíamos a promoção de uma maneira muito ampla, com mala direta, com a criação de folhetos, programas completos de press-release. Fazíamos divulgação em congressos e feiras, e por ultimo fazíamos uma parte de relações pública muito forte. Era realmente um projeto que cobria todas as fases. A aparência do material era estudada junto aos usuários. Nós desenvolvemos também uma parte de comunicação forte. Tínhamos uma linha de comunicação, em que discutíamos desde a forma como se atendia um telefone até a forma como se atendia um usuário que entrasse no centro de informações, e a maneira também como nós nos dirigíamos de forma estrita a este usuário. Tudo obedecia a uma linha dentro do espírito de marketing.

E. S.: E como surgiu a ideia de fazer o curso de Relações públicas junto à APCIS?

G. Q.: A ideia, eu tive e ofereci à APCIS, pelo seguinte: eu visito muitas bibliotecas, sempre visitei. E às vezes me agrada muito a apresentação que alguém faz, e quase sempre, quando as apresentações me agradam muito, eu descubro que aquele profissional não é um bibliotecário.  Percebi que há uma carência em relação às formas de apresentação do que nós fazemos, por parte do profissional bibliotecário. Então, me parece que talvez pelo acúmulo de atividades ou pela falta mesmo de interesse, porque não ocorreu a ninguém pensar nisso, as apresentações de bibliotecas deixam muito a desejar no meu ponto de vista. Algo pessoal. Conversando com algumas colegas, elas disseram que apresentam muito bem suas bibliotecas. Logo não sei se eu sou muito crítica, e acho que as pessoas não apresentam bem, ou se isso realmente é uma carência. Mas a minha posição é que há necessidade que as pessoas aprendam a apresentar suas bibliotecas porque as apresentações atuais, de uma forma geral, são muito pobres, salvo as exceções.

E. S.: E como está sendo a receptividade? Tem havido muita demanda pelo curso?

G. Q.: Não, não temos tido muita demanda. Há muitas reservas, mas o número de inscritos foi baixo. Há muitas perguntas. Recebemos muitas perguntas, tanto de estudantes quando de profissionais já formados. Tenho a impressão que as pessoas pensam como as pessoas que eu citei: que sabem fazer. Não há uma autocrítica. Talvez elas estejam apresentando bem, e eu que sou crítica demais (Risos).

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