Em uma tarde agradável no jardim do Museu da República, no bairro do Catete, Zona Sul do Rio de Janeiro, a Revista Biblioo entrevistou Gilda Queiroz. Com uma andar calmo, simpática, sorridente e comendo pipocas, a bibliotecária revelou que começou a se interessar pela Biblioteconomia depois de ler a Revista do Livro na biblioteca do Colégio Pedro II, onde estudou. Formada em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), uma de suas primeiras experiências profissionais foi em um arquivo em que trabalhava com a história das sociedades anônimas. Em seguida passou no concurso público para o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, trabalhando com banco de patentes na capital federal. Ativa e participativa no que tange as questões políticas, Gilda Queiroz sempre acompanhou o movimento associativo da Biblioteconomia, com atuações e contribuições para antiga Associação dos Profissionais Bibliotecários do Rio de Janeiro e atualmente na Associação dos Profissionais de Informação e Documentação em Ciências da Saúde do Rio de Janeiro e no grupo Liga de Bibliotecários Bolivarianos. Ente uma pipoca e outra, Gilda, analisou a Biblioteconomia atual, criticou a falta de confronto de ideias na área e comentou a situação política em que o país está passando.
Você poderia contar um pouco da sua trajetória na área de Biblioteconomia. Como é que você começou a pensar em se dedicar a área de Biblioteconomia?
Eu comecei a me interessar pela Biblioteconomia por causa de uma matéria que eu li numa Revista do Livro na biblioteca do Colégio Pedro II, quando eu estudava. Inicialmente pensei em fazer Letras, gostava muito de Inglês, e Francês, gosto de aprender Línguas. Mas depois percebi que fazer Biblioteconomia me abria muito o universo. Antes mesmo de me formar, trabalhei em um lugar muito interessante, um arquivo que trabalhava com a história das sociedades anônimas. É uma coisa, realmente, muito diferente do normal dos trabalhos de um bibliotecário. Depois trabalhei na Indústria Gráfica GGS. Era uma biblioteca especializada em artes gráficas, mas também havia uma parte de lazer, foi o meu xodó durante os anos em que estive lá. E depois eu passei para o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), trabalhando no banco de patentes, em Brasília. Foi o meu primeiro desafio de vida, porque jovenzinha e eu tive que ir para outra cidade fazer a minha vida profissional longe da família. Mas é uma experiência que eu aconselho a todo mundo. Não ter medo quando a gente tem uma boa oportunidade pela frente, tem que aproveitar a oportunidade. Depois eu voltei para o Rio de Janeiro porque o banco de patentes voltou para o Rio e em seguida comecei a fazer o mestrado no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Naquela época ninguém fazia mestrado. Eu tinha uma amiga, a Ana da Soledade Vieira, uma bibliotecária mineira que fazia mestrado e acabei me interessando por isso. Entrei e encontrei a Selma Barreiro, que trabalhava na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Ela me levou para o Centro de Informações Nucleares (CIN) e foi paixão total para o resto da minha vida. Eu entrei no CIN em 1985 e saí no inicio de 2000 quando fui trabalhar na Agência Internacional de Energia Atômica, no Sistema Internacional de Energia Atômica. Então, a vida profissional foi essa. Agora, mesmo dentro da vida profissional eu sempre gostei de me meter em coisas que sejam coletivas. Tinha um grupo disso, eu estava metida. Tinha um grupo de trabalho daquilo, eu estava metida. Do trabalho coletivo, com outros, a gente sempre tira alguma coisa proveitosa. Não somente para nós, como para o grupo. Nós podemos liderar os movimentos. Isso é uma coisa que tem que entrar na cabeça de todo mundo. Como eu participava muito dos grupos, grupos de bibliotecários tecnológicos, grupo de bibliotecários do setor de informática, grupo de bibliotecários disso e daquilo, eu fui também começando a me aproximar da Associação de Bibliotecários. Era a época do João Carlos, da Universidade Federal Fluminense (UFF); da Selma da Biblioteca Nacional; do Luiz Antônio, da Academia Brasileira de Letras. E eu fui assumindo pequenos papeis. Era fazer parte de uma mesa em eventos, era ajudar em um evento ou no outro, fazer um boletim. Durante muitos anos nós fizemos o boletim da Associação dos Profissionais Bibliotecários do Rio de Janeiro (APBRJ). Até que você começa a ver que gostaria de dar um determinado encaminhamento a associação, que não é necessariamente o encaminhamento dado por seus amigos, por mais que você goste deles, por mais que você admire-os. Foi o que me aconteceu. E na época eu também era casada com uma pessoa muito engajada politicamente. Ele era diretor da Associação de empregados da CNEN, depois foi diretor do Sindicato, e ele me deu uma força muito grande, muita orientação. A gente aprende muito com outras pessoas que estão envolvidas nesses movimentos.
Além dessa sua experiência profissional, você também participou de movimentos associativos. Nesse contexto como é que você avalia o sistema representativo atual da Biblioteconomia e a participação dos bibliotecários nas questões políticas?
O movimento hoje em dia está muito melhor do que nos anos em que eu me formei, em que nós tínhamos poucas notícias de associações, elas eram muito voltadas para o lado técnico e científico. Hoje em dia há um grupo que já vê a Biblioteconomia, a atuação do bibliotecário como alguma coisa passível de mudar a sociedade, mudar o cidadão, influir na qualidade de vida do cidadão. E esse sentimento de que você tem que fazer alguma coisa pelo país, você tem que fazer alguma coisa para que a sua profissão entre nessa rota de mudança do indivíduo, como um movimento político. Em alguma medida estou vendo isso acontecer, é um fenômeno novo. Não é que não existisse antes, mas eram iniciativas isoladas. Hoje vejo uma quantidade muito grande de jovens bibliotecários, essa transformação é em grande medida por causa da mudança socioeconômica do bibliotecário. As pessoas tem muito mais noção de uma vida profissional importante e da medida em que elas podem influenciar nas instituições em que trabalham para alcançar uma visibilidade maior, um papel muito mais atuante.
Recentemente muitas reclamações foram feitas por bibliotecários contra os Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Biblioteconomia. Até uma petição pública online pedindo o fim dos CRBs foi criada. Como é que você avalia essa questão?
Isso é um equívoco. Porque a proteção de um Conselho, muitas vezes, não é visível a maior parte dos bibliotecários. É uma atuação que não chega ao bibliotecário se ele não procurar se informar. É uma via de duas mãos em que o bibliotecário precisa ter uma atitude muito mais ativa de procurar informação, até porque esse é o cerne da nossa profissão. E por outro lado, os Conselhos, as associações, os sindicatos, eles recentemente têm tido um papel muito mais de divulgadores, porque eu acho que eles nem sentiam esse necessidade. As próprias tecnologias, a internet, as mídias sociais, como o Facebook, facilitaram porque no momento em que você cria um veículo, ele precisa ser alimentado com conteúdo, as pessoas têm que procurar esse conteúdo e aí chegam justamente no “Vamos divulgar o que nós fazemos”, e isso chega muito às pessoas. Mesmo assim, é preciso procurar formas mais simpáticas, mais didáticas, e eventos que abram mais a participação nas decisões tanto dos Conselhos Regionais, como do Conselho Federal. Isso tem sido feito, mas eu acho que pode ser muito mais intensificado. Porque no momento em que as pessoas estão reclamando, é porque algum motivo há para reclamação. Onde há fumaça, há fogo.
Você tocou na questão das redes sociais. Você também faz parte do grupo Liga de Bibliotecários Bolivarianos, no Facebook. Como é que você avalia esse grupo? Como é que você avalia as discussões que estão sendo apresentadas e de que forma elas podem contribuir para a Biblioteconomia?
Alguns atores novos apareceram nos últimos anos e estão contribuindo para a tal mudança que nós estamos comentando. A Biblioo é, vamos dizer assim, a coisa nova que está acontecendo na Biblioteconomia brasileira. É muito provável que tenha uma vida longa, porque tem um papel muito importante. Alguns blogs como o Bibliotecários sem Fronteiras, mas uma das grandes novidades, justamente, é o aparecimento desses grupos de discussão, que são reais. Você citou a Liga dos Bibliotecários Bolivarianos e lá nós dizemos coisas que desagradam realmente os outros componentes, uma pessoa tem determinada posição e a outra confronta essa pessoa de uma maneira muito aberta. Mas essa abertura, ela é aceita, e outros integrantes do grupo vão entrando na discussão e vão desconstruindo os argumentos a favor, ou os argumentos contrários, e isso vai ajudando na reflexão. Porque um dos problemas que eu vejo também na área de Biblioteconomia, é que não há confronto. Um dos eventos da Associação dos Profissionais de Informação e Documentação em Ciências da Saúde do Rio de Janeiro (APCIS-RJ), em Petrópolis, foi introduzida uma forma de apresentar trabalhos que era uma mesa redonda em que as pessoas podiam falar francamente de todas as coisas, e elas eram rebatidas, e elas tentavam argumentar para reforçar as suas ideias. É disso que nós estamos precisando na Biblioteconomia, de mais fóruns desses como os Bibliotecários Bolivarianos, para as bibliotecas escolares, para as bibliotecas públicas. É inconcebível você não poder chegar junto de um colega e fazer uma crítica qualquer. Na Biblioteconomia não estamos acostumados a levantar suscetibilidades e isso é o caminho certo para a apatia.
Recentemente a Biblioteconomia completou cinquenta anos de regulamentação. Como é que você avalia a Biblioteconomia atual?
A Biblioteconomia atual está em um impasse. Não somente a Biblioteconomia, como o mundo hoje está atônito. Mas, o que vejo, alias, é uma coisa que reporta muito a sua tese de mestrado, Rodolfo, é que nós temos uma imagem e agimos de outra forma. Passamos para sociedade uma visão do que será o bibliotecário e nós não conseguimos abrir mão dos processos técnicos, não conseguimos sair da casca, continuamos com as salas da diretoria em que os diretores das bibliotecas não saem nunca, ou então saem raramente, para circular, para ver o que está acontecendo. Temos dificuldades muito grande de relacionamento entre as equipes, as chefias e os gestores das bibliotecas, por conta de esquemas hierárquicos totalmente ultrapassados. É preciso ouvir as pessoas, ouvir é uma das formas de fazer o mundo girar, de fazer o mundo mudar, de acordo com as necessidades desse mesmo mundo. De acordo com os cidadãos, de acordo, não somente com as suas necessidades pessoais, mas com as necessidades da sua instituição e do seu país.
Como você avalia o momento político que o país vem passando nos últimos dias, com essa polarização em que pessoas se colocam contra ou a favor da saída da presidenta Dilma?
Este é um momento raro em nossa história. Olhe que em vez de nomes, discutimos propostas. Tomamos posições públicas – eu nunca tinha visto bibliotecários organizarem-se para fazer manifestos e isto aconteceu agora. Temos que melhorar muito, aprender a ouvir, falar sem ofensas, buscar tolerância. Buscar pontos em comum é difícil, mas é essencial. Já deveria estar claro que todos rejeitam a corrupção para enriquecimento individual, mas igualmente como método político. É unanimidade, mas a paixão não permite que se veja isto. Bom, mas a minha esperança é de que acima de tudo esteja a garantia do Estado de Direito. A Democracia plena será sempre a minha luta.