O “sim” de Cristian Brayner ao chamado do ministro da Cultura, Roberto Freire, nomeado ao cargo no lugar de Marcelo Calero após polêmica envolvendo o também agora ex-ministro Gedel Vieira Lima, não soou bem entre muitos bibliotecários. Nas redes sociais muitos destes profissionais se pronunciaram de forma crítica ao novo diretor do DLLLB.
Mas apesar disso, Cristian garante que não foram apenas críticas negativas que recebeu em função do seu aceite ao cargo: “Parece-me que a maioria dos bibliotecários se alegrou com a nomeação de um colega de profissão para o posto. O próprio Conselho Federal de Biblioteconomia oficiou ao ministro, parabenizando-o pela escolha.” Nesta entrevista o bibliotecário que iniciou sua vida literária em uma biblioteca da periferia de Brasília, vindo a tornar-se bibliotecário, primeiro do Superior Tribunal de Justiça e depois da Câmara dos Deputados, fala, entre outras coisas, sobre os desafios à frente da pasta que acaba de assumir.
Entre estes desafios está o de revitalizar o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), “empoderar” os comitês do Programa Nacional de Incentivo à Leitura (Proler), além de intensificar a presença do Brasil nas feiras internacionais do livro e reabrir a Biblioteca Demonstrativa de Brasília.
Conte um pouco como começou sua história com a leitura e por qual motivo escolheu ser um bibliotecário.
Há quatro “causas primeiras” em minha trajetória como leitor: 1) a primeira visita a uma biblioteca; 2) o primeiro livro ganho de presente; 3) o “concurso” de maior leitor da escola; 4) o deleite em consultar verbetes em enciclopédias.
Aos seis anos de idade, minha irmã mais velha me levou à Biblioteca Érico Veríssimo, localizada em Brazlândia, cidade satélite de Brasília. De mãos coladas, permaneci durante todo o trajeto sob a sua custódia. Lá dentro, me foi permitido ir sozinho às estantes. Tornei-me leitor naquele momento, anos antes de ser alfabetizado. É que a palavra “ler” vem do latim legere e quer dizer “escolher”. Decidi pela A Arca de Noé, atraído pela capa colorida. Ao suplicar a ela que relesse o mito do dilúvio pela quarta vez, recebi um “não” sussurrado. Restou-me violar a lei do silêncio com uma lamúria de carpideira digna de um Oscar.
Já alfabetizado, ganhei do seu Barata, velhinho português que morava ao lado de minha casa, O Cesto de Juncos. Guardava o livrinho numa caixa de sapatos, como uma espécie de relicário. Na adolescência, disputava com quatro meninos da escola o posto de maior leitor da turma. Embora não houvesse prêmio algum, levávamos a competição muito a sério.
Desde A Arca de Noé até o início do bacharelado em biblioteconomia, minha vida gravitou em torno da Érico Veríssimo, biblioteca suburbana que, embora sem bibliotecário e com um acervo minúsculo, gerava em mim uma sensação de pertença. Era muito querido pelas professoras e me familiarizei, rapidamente, com a ordenação dos livros nas estantes. O silêncio outorgava um caráter quase sagrado ao lugar, o que me levava a perdoar o tom raivoso dirigido aos meninos algazarreiros.
Adorava o cheiro de limpeza, o friozinho do piso de ardósia, o areado das canecas de alumínio e o verde do jardim de inverno. Era lá que consumia as tardes, consultando os verbetes da Barsa e da Larousse, num contínuo “senta e levanta” à estante de referência, motivado a encontrar em alguma das coleções um verbete mais difícil. Não deixa de ser curioso imaginar que estava, de certo modo, me preparando para ocupar, anos mais tarde, o posto de bibliotecário de referência da Biblioteca do Superior Tribunal de Justiça.
Quanto à ser bibliotecário, devo a escolha a dois personagens bibliotecários de Umberto Eco. Explico-me: no último ano do nível médio, desejava prestar o vestibular para história, minha disciplina predileta. Os meu professores, sequelados com a desvalorização do magistério, me desaconselhavam trilhar essa via crucis. E foi nesse clima de incerteza que alguns alunos da Unesp visitaram meu colégio, me presenteando com um guia de profissões incluindo a biblioteconomia. O curso era apresentado como um mix de técnicas e teorias envolvendo administração e linguística, com uma boa dose de línguas estrangeiras e, mesmo, psicologia. Achei interessante. Entretanto, só me apaixonei pela biblioteconomia ao ler O Nome da Rosa. Foram eles, Berengário de Aranduel e Malaquias de Hildesheim, os grandes responsáveis pela minha decisão.
Como você avalia a biblioteconomia atual? Na sua concepção, quais são os desafios que se apresentam para o profissional que pretende atuar nessa área?
A biblioteconomia tem um enorme potencial de ganhar protagonismo na contemporaneidade, especialmente se a biblioteca tomar para si os desafios da sociedade da mensagem, caracterizada pela descentralização dos canais de comunicação e pelo excesso de possibilidades. Embora a biblioteca tenha perdido o seu monopólio enquanto entidade detentora das fontes, ela pode se investir do papel de confrontar vozes, questionando a própria hierarquização da informação, da legitimidade de quem produz discurso e de quem o consome.
O fato de lidarmos, fundamentalmente, com a criação de metadados – o bibliotecário, quer saiba, quer não, é um (re)produtor de discursos – deveria nos converter em experts da relação entre poder e saber, propensos a questionar os limites fronteiriços entre verdadeiro e falso, belo e feio, claro e escuro. E aqui está o nosso calcanhar de Aquiles: a formação. O tecnicismo impera na graduação e, após 17 anos atuando na área, ouso dizer que ele nos sequelou, terrivelmente. Estou convencido de que podemos oferecer ao país muito mais do que planilhas em formato MARC impecavelmente preenchidas ou bibliografias consoantes à NBR 6023.
Longe de mim negar ou diminuir a relevância das atividades envolvidas na seleção, tratamento e disseminação de nossas coleções. O que, talvez, mereça consideração da nossa parte é questionar até que ponto a supervaloração da técnica, que eleva o acervo ao status de protagonista, trouxe benefícios para a sociedade brasileira. Nossos congressos e conferências gravitam em torno de trabalhos envolvendo maquinarias e formas de operá-las. Sinto um vazio em relação a estudos que problematizem, seriamente, o impacto da biblioteca na realidade social, econômica e cultural de nosso país. Quando a técnica, incluindo as nossas linguagens, ignora o outro enquanto sujeito em contínua formação, a biblioteca entra num ciclo perigoso de desagregação que tende a culminar no colapso institucional. E cá entre nós: não é de todo raro bibliotecas sofrerem de esquizofrenia social, adotando receitas que se mostraram insustentáveis. Nesse sentido, temos muito o que aprender com as livrarias e, mesmo, os museus, mais propensos a acolher o novo em detrimento de práticas discursivas complicadas e pouco funcionais. Como mudar essa realidade? Aposto na ideia de que um bibliotecário bem preparado na universidade e disposto a estudar continuamente, tende a ser mais hábil na leitura de cenários. É o que dizia Guimarães Rosa: “Passarinho que debruça – o vôo já está pronto.”
O saudoso Edson Nery já dizia, num tom provocativo: “Os bibliotecários mais ignorantes que me perdoem, mas cultura é fundamental.” Encaro a cultura como um estado contínuo de tensão em relação ao outro, que se me apresenta em cores, gêneros, sotaques e desejos polimorfos. A empatia produz mobilidade institucional e pode ser aprendida até certo ponto. A Universidade de Washington vai oferecer um curso de justiça social para os bibliotecários norteamericanos buscando capacitá-los a combater as práticas de violência racial, de gênero, orientação sexual e de classe social. Talvez seria um bom começo para nós, aqui no Brasil.
Você poderia falar sobre o seu projeto da Biblioteca da Diversidade? Em que ele consiste?
Numa manhã de domingo, li no jornal que, a cada 28 horas, um homossexual é assassinado no Brasil, o que nos leva a ocupar o topo do ranking de violência contra as minorias sexuais. Os homossexuais são, provavelmente, a minoria mais vitimada em nosso país. E pensei: há algo que posso fazer, enquanto bibliotecário, para que essa realidade de violência mude? Por que não há espaços culturais destinados a cultivar a diversidade como elemento configurador da natureza humana? Será a primeira Biblioteca com esse objetivo no país. A Biblioteca da Diversidade é fruto da sensibilidade frente ao Outro.
Muitos colegas lamentam o estado invisível em que a profissão se encontra mergulhada. Talvez isso se deva ao pouco interesse em investir na alteridade. Pessoas não podem ser reduzidas a cifras. O sofrimento da comunidade LGBTI é concreto, e nosso silêncio cínico, quase debochado, intensifica a dor dos que estão do lado de fora de nossos muros físicos e, principalmente, simbólicos.
A Biblioteca, em fase de registro, é uma associação de direito privado sem fins lucrativos, notadamente autônoma, não sendo vinculada a partidos políticos, grupos religiosos e/ou qualquer entidade ou filosofia. Seus objetivos são: a) oferecer um acervo bibliográfico destinado a atender as necessidades das minorias sexuais; b) propiciar uma gama de produtos e serviços de informação destinados a promover a diversidade sexual; c) promover cursos, seminários, fóruns de debates e encontros que atendam às necessidades de aprofundamento dos temas envolvendo gênero e orientação sexual; d) buscar junto aos órgãos governamentais apoio às atividades pertinentes à diversidade sexual.
O nosso acervo, embora ainda modesto em número de exemplares – são cerca de 600 itens –, abarca todas as áreas do conhecimento envolvendo temáticas LGBTIs, como literatura, filosofia, ciências sociais e artes. Os usuários encontrarão desde textos clássicos latinos, como Satíricon, de Petrônio, a revistas em quadrinhos. Também possuímos uma boa coleção de filmes, como Laurence Anyways e o brasileiro Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. Todo o acervo é fruto de doações.
Como a Biblioteca ainda não tenha sede própria, ela está funcionando, provisoriamente, em minha casa. Qualquer pessoa pode visitá-la. Basta agendar um horário (bibliotecadadiversidade@gmail.com). Ofereço uma xícara de café fresquinho e apresento o projeto. Aos poucos, as pessoas vão se sensibilizando a respeito da importância de se criar um centro de informação destinado a discutir a diversidade sexual. Isso me parece muito importante no quadro atual, onde temos presenciado diversos atentados aos direitos humanos. Embora tenhamos a maior parada gay do mundo, o Brasil é campeão em assassinatos da população LGBTI, segundo dados da International Lesbian and Gay Association. Estou convencido que a ignorância produz ódio e que o conhecimento gera liberdade individual e coletiva. Defendo que a biblioteca tem um papel importante em responder aos sinais dos tempos, tão profundamente marcado pela violência. Como o sociólogo Zygmunt Bauman, defendo que a tolerância, naturalmente egocêntrica e contemplativa, não é o bastante. Ela deve ceder o seu lugar para a solidariedade, socialmente orientada e militante.
Para dar visibilidade ao projeto, produzi um calendário. Convidei alguns bibliotecários e estudantes de biblioteconomia para posarem e eles toparam. Centenas de colegas manifestaram interesse em apoiar. Uma comissão selecionou as doze fotografias que visibilizaram uma variedade de corpos , cores e regiões dos “bibliotecários modelos”. Tanto os modelos, quanto os fotógrafos foram voluntários. A tempo: ao trazer colegas para as páginas do calendário, conseguimos arrecadar algum dinheiro, visibilizamos o projeto e questionamos no âmbito da classe a neutralidade que ainda impera em nossas bibliotecas quanto ao exercício profissional, inclusive fissurando o clichê do bibliotecário como um tipo assexuado, atrelado à moral vigente. Em 2016 discutimos a pretensa dos sujeitos masculinos na profissão e para 2017 discutiremos as relações afetivas possíveis de serem configuradas entre as pessoas.
Sonho com um espaço efetivamente plural, frequentado por jovens e adultos, estudantes e trabalhadores, heterossexuais e homossexuais. Para isso, é fundamental que a Biblioteca da Diversidade esteja localizada no coração de Brasília, garantindo a todos acesso fácil aos livros, filmes, palestras e cursos.
Desejo adquirir uma loja na W 3 Sul ou Norte (quadras 500s), ou, quem sabe, no Conic, no centro de Brasília. Só que não tenho, sequer, um centavo. De todo modo, já estabeleci a data de inauguração da Biblioteca: 7 de outubro de 2017. Há uma razão especial para a data: nesse dia se celebra a festa de São Sérgio e São Baco, soldados cristãos do exército do imperador romano Maximiano (286-305). Segundo John Boswell, historiador da Universidade de Yale (EUA), eles formavam um casal, respeitado, inclusive, pela própria Igreja. O tempo é curto, mas não temo. Apoio-me na solidariedade das pessoas. Alguns famosos já manifestaram ajuda irrestrita ao projeto, como a Glória Pires, que fez questão de nos enviar um vídeo. Quem sabe se, depois dessa matéria, algum empresário nos doe o terreno para erigir a biblioteca?
Quais são os desafios que se apresentam para sua gestão no DLLLB e de que forma você pretende desenvolver suas ações em um contexto de desmantelamento do setor cultural do país?
Acho questionável falar em “desmantelamento do setor cultural do país”. Identifico na afirmação uma possível tentativa de nacionalizar o problema, em particular das bibliotecas. Os dados comprovam que a crise econômica tem criado desafios enormes para a manutenção das bibliotecas do mundo inteiro. Apenas nos último seis anos, 343 bibliotecas do Reino Unido foram fechadas, resultando na demissão de oito mil bibliotecários. Isso representa nada menos que 25% dos postos de bibliotecários daquele país. Ano passado, os bibliotecários americanos manifestaram profundo desapontamento com o presidente Obama pelo corte de 1 milhão de dólares destinados às bibliotecas.
A poderosa American Library Association não se fez de rogada e sentenciou: “o orçamento do Presidente não reconhece o valor que as bibliotecas produzem para o nosso país.” Com isso, não quero naturalizar qualquer redução de investimento no setor cultural, mas, simplesmente, reconhecer que o quadro global nos impõe adotar novas posturas. Você evocou “desafios”, no plural. Gosto disso, pois fica implícito que o orçamento modesto, embora seja um grande problema, não é o único. Pois citarei outro, tão grave quanto: as bibliotecas brasileiras atuam, em sua grande maioria, como ilhas, nutrindo-se de seus próprios sucessos e fracassos.
Frente a essa triste realidade ególatra e suicida, estamos atuando no sentido de fomentar práticas cooperativas entre elas. Investir no Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) é uma das prioridades dessa gestão. Não se trata, simplesmente, de apoiar as seis mil bibliotecas que compõem o SNBP em suas dificuldades financeira, como fez, recentemente, o ministro Roberto Freire, ao transferir R$ 1 milhão para as Bibliotecas Parque, mas de permitir que elas firmem entre si estratégias gerenciais e intelectuais, otimizando recursos e potencializando os seus ganhos.
Você foi bastante criticado nas redes socais após assumir a direção do DLLLB. Como você recebeu ou está recebendo estas críticas?
Sou grato pelos votos de parabéns e de sucesso que recebi de bibliotecários, editores, livreiros e intelectuais de todo o país. Parece-me que a maioria dos bibliotecários se alegrou com a nomeação de um colega de profissão para o posto. O próprio Conselho Federal de Biblioteconomia oficiou ao ministro [da Cultura, Roberto Freire], parabenizando-o pela escolha. Quanto às críticas, recebo-as com o devido respeito, fazendo-as passar pelo crivo do que o filósofo Quine intitulou de Princípio da Caridade. Do que se trata? Valorar ao máximo o que há de verdadeiro no discurso do outro. No caso citado, algumas críticas são resultado da incompreensão a respeito das atividades do DLLLB, bem como das razões que me fizeram aceitar o convite. Muito poucas se baseiam em falsos dilemas.
De todo modo, não me parece sensato apostar na derrocada da pauta nacional envolvendo o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas em virtude da reconfiguração do cenário político atual. A esse respeito, concordo plenamente com a posição de Pierre Bourdieu ao afirmar que o Estado deve ser defendido em função dos valores universais que apregoa, combatendo, por meio da arte, da filosofia e da ciência os mecanismos de exclusão cultural. Enquanto profissional militante, sempre lutei por bibliotecas empoderadoras, capazes de transformar, por meio da ação dialógica, do confronto das linguagens, a vida do cidadão comum.
Quando fui chamado para conversar com o ministro Roberto Freire, apresentei-me como “bibliotecário militante”, ou seja, um profissional, um técnico motivado a atuar em prol da leitura e das bibliotecas. Sou um bibliotecário. Nada mais e nada menos. Toda a minha formação acadêmica está em função de meu exercício na biblioteconomia. Minha militância se dá nesse espaço, concebido como “projeto utópico”, exatamente por estar irremediavelmente marcado pela tensão. Há 17 anos nutro a ideia de que bibliotecas geridas por gente inteligente produzem mobilidade social. Estou convencido de que esse princípio é válido, independentemente das cores das bandeiras que tremulam em nossas praças e cabeças.
Em um texto de sua autoria intitulado, “A morte do usuário esmoler e do bibliotecário masoquista”, publicado na Revista do Conselho Regional de Biblioteconomia da 7ª Região (CRB-7), em dezembro de 2014, você define o bibliotecário masoquista como aquele que “atribui irresponsavelmente o título de biblioteca a qualquer estante caótica e ensebada de paradas de ônibus”. Não seria uma postura arrogante por parte de um bibliotecário definir o que vem a ser uma biblioteca se nem a própria área tem uma legislação específica que determine isso? Esses espaços de algum modo não preservam o valor simbólico das bibliotecas e de alguma maneira cultivam o apreço pela leitura?
Sua pergunta gravita em torno do significado do verbete “biblioteca”. Sabemos que há uma literatura bastante extensa destinada a definir biblioteca. O Aurélio, por exemplo, a conceitua como “coleção de livros”. É uma boa definição para não iniciados, mas a mim me parece uma absurdidade que ela seja acolhida tão pacificamente pelos bibliotecários. Parece-me que, ao propor um conceito de biblioteca parcialmente desvinculado do acervo, criei certo desconforto, o que não deixa de ser muito curioso. Afinal de contas, nada mais o fiz do que jogar luz sob as entidades que, de fato, fazem com que a biblioteca se torne espaço dialético.
Em minha primeira aula da graduação, aprendi que a biblioteca é um sistema, envolvendo, portanto, processos e, consequentemente, atores, e em qualquer livrinho básico de biblioteconomia, consta lá registrado que uma biblioteca é, fundamentalmente, um sistema, o que pressupõe um vínculo contínuo entre duas ou mais entidades no processo de ressignificação dos espaços físicos e orgânicos, das suas coleções físicas e digitais, e das diversas linguagens adotadas. Dificilmente, um médico em sã consciência definiria o hospital como o conjunto de estetoscópios e seringas destinados a atender pessoas enfermas. Pois a pretensão do artigo mencionado teve por finalidade tornar presente o protagonismo do bibliotecário na forjatura do que definimos como biblioteca.
Não se trata de ignorar o excelente trabalho já desempenhado por pessoas em prol do da leitura e bibliotecas. Também não tratei de evocar a reserva de mercado, garantida pela legislação federal em vigor. Apenas creditei ao bibliotecário um espaço por excelência nestes domínios. Algumas experiências comprovam que nossa atuação tende a transformar espaços de leitura em bibliotecas e práticas isoladas de fomento à literatura em projetos planejados, capazes de atrair o cidadão aos equipamentos culturais.
Por fim, o que você espera de 2017, um ano que aparentemente será ainda muito difícil para área cultural, especialmente a do livro, da leitura e das bibliotecas?
Atuarei no sentido de fomentar cooperação no âmbito das bibliotecas brasileiras. O ministro Roberto Freire tem defendido o estreitamento dos laços entre o DLLLB e a Fundação Biblioteca Nacional, o que potencializa as ações em prol da custódia, produção e disseminação da cultura brasileira. Isso me parece importantíssimo. Já tenho investido minha energia nesse rumo, não apenas em relação à Biblioteca Nacional, como a Casa Rui Barbosa.
Esse mesmo espírito colaborativo é que tem movido minha equipe pequena e aguerrida a trabalhar em defesa de uma pauta extensa e desafiadora. Espero que até o final do ano consigamos revitalizar o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, empoderar os comitês do Proler, intensificar a presença do Brasil nas feiras internacionais do livro e reabrir a Biblioteca Demonstrativa de Brasília. Coragem não falta.