Dia 24 de maio de 2020. Domingo. Neste dia encerra o prazo para execução da Lei 12.244/2010, que determina a universalização das bibliotecas em todas as escolas do Brasil. Com um simples clique ou dois é possível verificar que, segundo o Censo MEC de 2018, cerca de 50% das escolas públicas ainda não têm biblioteca ou sala de leitura.

Soma-se a isso o fato de que não temos informações sobre a situação das existentes: se o ambiente é adequado, se o acervo está atualizado, se há bibliotecária(o) ou professor(a) de sala de leitura ou auxiliar de biblioteca, se há boas e diversificadas ofertas de leituras, se está conectada ao projeto político pedagógico das escolas.

Ou seja, não há o que celebrar. Em tramitação segue o projeto de lei (PL 9484), que propõe uma definição de biblioteca, cria o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares e amplia para 2024 o prazo para universalização. Há muito a fazer.

Mas, você pode pensar, com toda a urgência entorno da pandemia do Covid 19 este é o momento de pensar em Biblioteca da escola? A resposta é simples e positiva: SIM. Todo dia é dia de ação em prol da garantia de direitos, em geral, e não é diferente neste caso, pois é preciso atuar no presente para que seja possível contar com orçamento público no curto, médio e longo prazo.

Ampliar a atuação conjunta da sociedade civil com os governos e fortalecer o trabalho de cooperação são fundamentais para que que todas as escolas do Brasil tenham o direito às bibliotecas assegurado. É preciso reunir pessoas e informações para compor uma agenda de ação para mobilizar a gestão pública para que mobilizem recursos públicos por boas e pulsantes bibliotecas em escolas.

Ainda que não seja para hoje, precisamos estar preparadas(os) porque o amanhã é logo ali e tanto hoje quanto amanhã é preciso que esta geração de brasileiras e brasileiros tomem posse da palavra, com gosto e competência, para que sejamos mais capazes de pensar e habitar mundos tão melhores.

O que a leitura tem a ver com isso?! Tudo! A leitura é o exercício mais completo que existe para o cérebro, concorda a neurocientista brasileira Suzana Herculano. A leitura expande horizontes de aprendizagem. “A leitura é fundamental para transformar capacidade em habilidade”, diz.

É o único meio que nos permite ampliar perspectivas, apropriar conhecimento, no momento e no lugar que quisermos, quando quisermos, no instante em que precisamos, para dar conta das mais diversas necessidades.

Hoje, por exemplo, tempos nos quais nossa vida está em suspensão, cercadas(os) por medos e incertezas, sabedoras(es) até a raiz da medula sobre as abissais desigualdades que precisam ser extirpadas definitivamente deste país e do mundo, precisamos profundamente de palavras de ressignificação.

Quais palavras estão circulando nestes tempos de pandemia? Estão circulando, por exemplo, palavras que nos permitam acionar o simbólico para habitar e buscar outros mundos? Nós que precisamos tanto pensar no mínimo detalhe este outro mundo, porque este, como está, claramente não é viável, se é que um dia foi.

A inundação de palavras funcionárias esteriliza nossa capacidade de sonhar um outro mundo.

“O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma. Confrontada com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho, desarmando-se do desejo de serem outros. Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes.” (Mia Couto – “Vozes anoitecidas”)

Precisamos povoar o cotidiano de crianças e jovens e adultos de palavras semente, que semeiem ciência para nos salvar do obscurantismo, palavras de afeto para nos salvar do ódio das polarizações, de palavras de empatia para romper com todos os preconceitos, de palavras que ampliem nossa sensibilidade para acolher e respeitar as diferenças, de palavras que permitam que as inovações sejam pensadas e existam para estar à serviço de todas as vidas ao invés de promover viagens de entretenimento milionárias à Lua enquanto vidas minguam na Terra.

Enquanto pensava se seria absurdo ou não escrever neste momento para falar com você sobre a importância de existirem boas e pulsantes bibliotecas em todas as escolas do Brasil, sabendo da carência de recursos para dar conta da fome, da saúde, da moradia, ouvi a escritora colombiana Yolanda Reyes numa prosa promovida pelo Instituto Quindim.

Num dado momento, respondendo à pergunta sobre que livro oferecer às crianças, ela diz: “Pergunte que livro seu coração está precisando”. E então eu tive certeza que sim, deveria sim, precisaria sim, tem cabimento sim e sempre terá. Porque é a biblioteca da escola com garantia de acesso cotidiano e gratuito  aos livros e às diversas práticas leitoras, aberta à comunidade, em rede com bibliotecas comunitárias e públicas que permite a democratização do acesso à palavra escrita, para termos todas e todos acesso às “histórias que dão notícias dos que vieram antes de nós…dos mundos e histórias que sonharam”, como disse Yolanda convicta e melodicamente.

Para que sejamos todas e todos capazes de aprender a dar nome, a sonhar, a aprender e apreender mundos imaginários que saberemos em rede colocar de pé no mundo. Definitivamente. E se existe ou não acaso, se deuses jogam ou não jogam dados no infinito, por fim apareceram as palavras semente de Valter Hugo Mãe:

“E nada é pequeno quanto tem uma biblioteca. O mundo inteiro pode ser convocado à força dos livros. Todas as coisas do mundo podem ser chamadas a comparecer à força das palavras, para existirem diante de nós como matéria da imaginação. As bibliotecas são do tamanho do infinito e sabem toda a maravilha”

P.S. mas nem tanto. Eu bem que queria concluir este texto por aqui, para saciar a sede de palavras inspiradoras e mobilizadoras, mas daí faltaria te contar sobre os “comos”. Ou seja, se você chegou até aqui e encontrou a motivação que precisava para colocar as mãos na massa da mobilização por bibliotecas em escolas, esta é a hora em que você perguntaria, “como?”.

Por isso encaminho aqui os conteúdos produzidos pela Campanha Eu Quero Minha Biblioteca para apoiar você, grupos e organizações a planejar a mobilização e saber quais recursos públicos existem e podem ser buscados por todos – governos e sociedade civil. É preciso conhecê-los e entender como acessá-los já que nem sempre eles estão claramente identificados como recursos para bibliotecas.

GUIA DE GESTORES PÚBLICOS: indica quais fontes de recursos públicos existentes podem ser acessados para viabilizar os insumos necessários (construção, reforma, mobiliário etc.)  para criar e qualificar bibliotecas em escolas, como: LOA, PAR, Emendas Parlamentares, PDDE etc., nos âmbitos municipal, estadual e federal;

PASSO A PASSO DA SOCIEDADE CIVIL: contém informações importantes sobre como constituir um grupo de incidência e construir agenda sistemática com parlamentares – vereadores(as) e deputados(as) estaduais/federais – e a gestão pública.

Ah! Acompanhe a campanha Eu Quero Minha Biblioteca nas redes sociais: https://www.facebook.com/euquerominhabiblioteca/ e @euquerominhabiblioteca, no instagram.

Bora lá que hoje já é futuro e pode ser o dia em que uma criança adquire o gosto pela leitura, e isso pode fazê-la transformar a vida, letra por letra, em grande escala, Brasil adentro, mundo afora!

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