“A juventude está sendo exterminada culturalmente por diversas formas, por machismo, por racismo, e a gente precisa discutir coisas importantes!” (Mill Oniletó, São Luís do Maranhão).
“A gente vem das comunidades onde nosso povo está sendo exterminado todos os dias, o povo negro morre todos os dias. A gente quer propor política pública e a gente está aqui pra ser escutado!” (Luana Tavares, de União dos Palmares, Alagoas).
“A juventude tá fazendo algum parada no meio da rua […] e todo canto a polícia chega dando duro no Rio de Janeiro e baculejo no RN. […] A polícia hoje é a grande inimiga da juventude brasileira” (Max Medeiros, de Mossoró, Rio Grande do Norte).
Estas são apenas algumas das reclamações apresentadas por participantes do Curto Circuito da Juventude, mostrando a insatisfação dos jovens para com as políticas públicas (ou a falta delas) no Brasil de hoje. O evento que aconteceu entre os dias 11 e 13 de abril, em Brasília, reuniu cerca de 70 jovens de várias regiões do Brasil para discutir questões que abordam a formação cultural, o fomento à produção artística e a participação da juventude nas políticas culturais. A Revista Biblioo esteve presente e acompanhou todo o desenrolar.
A abertura do evento contou com a presença da ministra da Cultura, Marta Suplicy e do ministro da Secretaria Geral da Presidência da Repúblic Gilberto Carvalho, a Secretária Nacional da Juventude Severine Macedo, o presidente do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) Alessandro Melchior e o presidente da Funarte Guti Fraga. Todas as falas de abertura ressaltaram o objetivo do evento: “vamos ouvir o que essa galera está querendo propor sobre a política de cultura do país, sobre a falta de juventude. E isso é extremamente importante que seja valorizado porque a participação social é o esforço de construção de uma política real que consiga traduzir a demandas e as necessidades reais da população e da juventude para dentro da agenda pública […], é de fato ouvindo a opinião de quem está na ponta”, destacou Macedo.
A ministra Marta Suplicy admitiu a falha com os jovens. Após comentar alguns programas já oferecidos pelo Ministério da Cultura (MinC), como o Mais Cultura nas Escolas e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), Suplicy declarou: “Eu quero saber o que nós podemos fazer que nós não estamos fazendo e como a gente pode chegar na tua região, no teu Estado, na área de vocês funcionam”.
Todos os jovens tiveram a oportunidade de se apresentar e compartilhar um pouco de suas experiências, que são as mais variadas no meio cultural, do movimento hip hop de São Paulo ao agente de leitura no interior do Acre. Yasmin Thainá, 21, de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, atua na campanha Nova Iguaçu Eu Te Amo: “a gente tá fazendo uma plataforma de vídeo, entrevistando as pessoas e a gente joga isso na internet e a gente pergunta sempre […]: que cidade a gente quer? […] Umas dificuldade que a gente têm hoje dentro do projeto é ter verba pra continuar, porque o objetivo dessa campanha é fazer um encontro para que as pessoas possam discutir a cultura da cidade. A gente não tem uma Conferência de Cultura decente a muito tempo. O Fundo Municipal de Cultura não sai há mais de três anos […]”.
O espaço colorido, com atividades pré-estabelecidas pelos organizadores e o envolvimento da Ministra Marta Suplicy não intimidou nenhum dos jovens em relatar suas dificuldades e discordar da atual política de cultura brasileira. No início das atividades do segundo dia do encontro o jovem Oniletó tomou a cena em representação por todos os demais: “Temos conversado com algumas pessoas e consideramos inviável discutir, fazer estas proposições de políticas em duas horas nestes grupos de trabalhos. A proposta é a seguinte: a gente pensar junto, de forma deliberada e tal, de que forma a gente vai levar essa preocupação de hoje. […] Essa programação foi feita sem consultar, […] então a gente precisa ver isso. […] O que eu vou esperar de uma programação dessa hoje num Estado que tá matando a juventude na sua idade mais produtiva”, declarou a todos durante o evento. A partir deste momento a organização resistiu em manter a programação, onde aconteceria uma atividade de teatro, mas os jovens preferiam discutir, de fato, políticas culturais, considerando o pouco tempo disponível e a complexidade do tema. Os jovens tomaram o espaço numa roda e iniciaram seus relatos. Marta Suplicy sentou ao lado dos jovens e todos tiverem oportunidade falar.
Ainda sob resistência, a então responsável em coordenar a atividade de teatro na programação, a pedagoga e psicóloga educacional Marisa Greeb, tentou impedir algumas falas, como da jovem alagoana Luana Tavares. “A gente tá falando e tá ouvindo o tempo todo que vocês estão aqui para escutar a gente, pra ouvir a gente, então vocês já não estão ouvindo a primeira coisa. […] Primeiro a gente não foi consultado, essa programação foi imposta. Segundo, nós estamos propondo já, desde de agora, a gente reorganizar a programação, pra gente não perder tempo. A gente acha que duas horas é pouco […]”, declarou Luana. Pouco depois Greeb tenta interromper a jovem: “Eu vou entregar o microfone porque pegaram da minha mão, eu vou entregar, né?”. “Ouvir a juventude é bom, né?”, complementou. Com o apoio de outros jovens, Luana conseguiu concluir sua fala dizendo: “Tem uma outra coisa que me incomodou, tipo, foi escutar que ‘não, a gente vai ouvir vocês, vai interpretar o que vocês querem pra depois colocar’. Não precisa interpretar o que a gente quer porque a gente tá discutindo política numa linguagem muito clara.”
Jefferson Chaves (Cebolinha), um dos idealizados da famosa dança do passinho, declarou: “a gente se vira do jeito que pode, eu muitas vezes largo minha carreira de dançarino […] para ajudar os outros moleques do passinho que dependem disso pra viver porque é uma luta muito grande”. Dríade Aguiar, do movimento Fora do Eixo e da Mídia Ninja comentou: “[estamos] envolvidos em vários tipos de atuação cultural, da política pública ao fazer cultural”. Dríade também declarou que nenhuns dos dois movimentos recebem apoio do governo.
O mineiro Helder Quiroga, da ONG Contato, declarou: “Eu acho que tem um problema de diálogo geracional […]. Isso é uma fato. Não é porque a gente precisa romper com o que vocês fizeram pra gente criar algo novo. A gente precisa criar esse algo novo com vocês, entendeu? Isso é muito importante. A nossa geração é diferente da sua e não quer romper com o que a anterior fez, ela quer somar. Agora, existe pontos cognitivos de diálogos que são importante compreender. As vezes a gente fala alguma coisa e vocês entendem outra. As vezes vocês falam algumas coisas e a gente entende outra. E só sentando pra dialogar. Isso é uma questão importante. Outra questão: você via a diversidade de tecnologia social que foram apresentadas aqui hoje? Você viu a potencialidade de inclusão socioprodutiva que existe aqui hoje? E essa conexão da cultura com a juventude nada mais é do que a revolução do século XXI, nós estamos falando de cidadania 2.0”.
“Aproveito para parabenizar o pessoal […] da Mídia Ninja que acabou de ganhar um dos maiores prêmios […] do jornalismo investigativo do planeta. A juventude está fazendo história, só que essa história tem que ser feita também dentro de casa, no diálogo com os pais. Então eu espero que o Curto Circuito da Juventude, na sua próxima edição, seja o Amplo Circuito da Juventude”, acrescentou Helder.
Max Medeiros questionou: “eu sou do Coletivo PegoBeco, um coletivo aí que surgiu depois das manifestações de junho […]. Uma coisa […] que achei de extrema importância é a questão dos editais. A gente tem uma galera […] lá na cidade que também coloca muito isso. Porque como é que o Seu Raimundo lá [da dança de] Coco de Roda do Belo Horizonte, que é um bairro lá nosso, vai ter acesso a computador pra escrever aqueles projetos difíceis, né? Porque eu sou universitário e não sei escrever aqueles projetos. […] É muito complicadas essas questões dos projetos. […] Tem empresário usando de má fé, como é de praxe eles fazerem, se juntando, fazendo certeis pra escrever. Aí contrata uma empresa que produz projetos, tá ligado? Aí tem dez editais, a galera faz dez projetos, aí chega aqui em Brasília todo bonitinho, escrito bem organizadozinho. Ai quem que vai entrar? Os organizados ou o carinha que não sabe nem escrever projeto? E as vezes é o cara que não sabe escrever aquele projeto mas que produz a cultura de fato. […] Eu acho que em junho, mais do que os vinte centavos, a juventude estava querendo direito a cidade, direito de ir e vir, direito de ocupar a praça […]. Lá em Mossoró [Rio Grande do Norte] a gente tem que pedir autorização, tem que passar pela mão de não sei quem […] pra saber se vai dar certo ou não. […] Eu conversei com a galera de vários Estado aqui e uma coisa é consenso: a polícia é truculenta com a juventude”.
Jovens também realizaram ato de protesto que lembrou a violenta ocupação no Complexo da Maré no Rio de Janeiro nos últimos dias.
Os debates deram continuidade com a criação de grupos, a fim de formalizar propostas as políticas públicas no âmbito da cultura. Algumas propostas sugeridas ao governo foram:
- Promoção e incentivo para a produção e disseminação de conteúdos artísticos, documentais, disponibilização de acervos culturais do Estado e de instituições privadas através das redes digitas para promoção cultural e sua livre difusão (TV’s abertas, rádios comunitárias, internet, jornais, periódicos, etc). E o fortalecimento da cultura digital em redes para intercâmbio e disseminação de conteúdos.
- Reconhecimento e ampliação dos pontos de cultura como estratégia de apoio à demanda nacional de formação em tempo integral (educação).
- Fomento à pesquisa sobre a situação cultural da juventude negra em cada Estado protagonizada pelos jovens.
Acesse aqui todas as propostas elaboradas durante o Curto Circuito da Juventude.
As atividades do último dia do evento iniciaram com a leitura de todas as propostas elaboradas em grupo. Durante a apresentação de um dos grupos, Yasmin Thayná relatou um ocorrido na entrada do hotel em que os participantes estavam hospedados. Yasmin comentou que estava com outros participantes quando um jovem desconhecido aproximou-se e ficaram todos conversando. Pouco tempo depois um segurança do Hotel Nacional, cujo nome não foi divulgado, disparou uma arma de choque contra o rapaz sem explicações. Em seguida o segurança alegou ao restante do grupo: “aqui não pode ficar gente suja”. Yasmin contou que houve um conflito entre o segurança e grupo, que defendeu o rapaz. Ainda durante o evento, o Ministério da Cultura comentou que uma carta de repúdio a atitude do segurança seria enviada ao hotel.
O evento encerrou com apresentações de programas e projetos que contribuem para viabilizar muitas das demandas propostas durante o Circuito, tais como:
- Realização da Teia da Diversidade 2014.
- Lançamento de um edital para expressões culturais periféricas durante a Teia da Diversidade 2014.
- Comprometimento para o lançamento de edital para Pontões da Juventude Rural, com recursos garantido pela Secretaria Nacional de Juventude e operacionalização a ser realizada pelo Ministério da Cultura com lançamento de programa para o primeiro semestre de 2014.
- Fomento da cultura digital por meio de laboratórios digitais e universidades, realizada pelo Ministério da Cultura, a Secretaria de Políticas Culturais, a Secretaria de Economia Criativa e a Secretaria do Audiovisual.
- Centros de Artes e Esportes Unificados.
- Comitê Interministerial da Política de Juventude.
- Edital 2014 do Sistema Nacional de Cultura.
- Editais 2014 da Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas.
Serevine Macedo garantiu que será realizada a continuidade de espaços para discussões com a juventude, como o Curto Circuito da Juventude e o máximo de dois meses para a sistematização das propostas realizadas durante o evento, sendo a devolutiva do Ministério da Cultura podendo ser realizada via hangout, pelo Observatório da Juventude ou outros espaços.
É perceptível a difícil tarefa de todos ali presentes em atuar na cultura e manter suas atividades, na leitura, na música ou na mídia. Não é preciso uma grande produção em três dias para perceber que programas e projetos sociais pelo Brasil se mantém por força e coragem dos envolvidos. Temos hoje diversos movimentos jovens e produções culturais sem o apoio mínimo do Estado e do Governo. Por outro lado, o Ministério da Cultura apresenta uma lista cansativa de iniciativas, mas estas, por sua vez, nem sempre atendem as reais necessidades da juventude ou não chegam à zonas mais isoladas.
A burocratização dos editais públicos, as informações e inscrições em programas de apoio, que são viabilizadas apenas via internet, tiveram destaques como as principais queixas entre os jovens. O Curto Circuito da Juventude foi mais do que jovens sentados em um auditório, foi um ambiente de discussões reais e resistência.
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