Há livros de todos os tipos e que atendem diversas finalidades. Mas “Política Pública de Leitura e Participação Social: o processo de construção do PMLLLB de São Paulo” (Agência Biblioo, 2021), do bibliotecário Ricardo Queiroz, é um livro necessário. Ao menos para todos que entendem que o acesso à leitura, ao livro, às bibliotecas e ao conhecimento são um direito humano, inalienável como os outros direitos que devem ser garantidos por uma sociedade baseada na busca da equidade e das liberdades democráticas.

O texto denso de Ricardo Queiroz, que é fruto de pesquisa rigorosa realizada na sua pós-graduação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, tem, além da metodologia e estudos sistemáticos sobre a construção do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas do Município de São Paulo (PMLLLB/SP), o olhar presente, e crítico, de quem participou do processo de construção desta que é a melhor política pública de leitura construída pelos paulistanos.

E porque afirmo que é a melhor política construída no município? A resposta a essa pergunta pode ter várias abordagens, e quero destacar apenas dois de seus muitos pontos positivos. Deixarei ao leitor a descoberta e a sua avaliação após a leitura deste livro.

O PMLLLB paulistano se construiu na metodologia radical na qual se baseou a construção do Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL, ou seja, a ampla escuta de todos os segmentos, projetos e ações que militam pela construção de leitores em São Paulo. Escutar os que fazem o trabalho nas pontas pela formação de leitores e pela democratização do acesso à leitura não é hábito das políticas públicas no Brasil que, quase sempre, caem dos altos gabinetes sabichões de nossas esferas políticas ou burocráticas sobre as nossas cabeças. E o grupo de trabalho do Plano paulistano realizou a escuta democrática e abrangente de maneira exemplar, que percorreu todas as regiões da imensa metrópole.

Outro elemento a se destacar é que o Plano paulistano surge por iniciativa da sociedade civil, de grupos de mediadores e formadores de leitores diversos que, inspirados pelo PNLL, atenderam ao apelo expresso pelo Plano nacional em 2008 e começaram um movimento local que o poder público não soube atender, tendo entrado no processo apenas muitos meses depois de iniciado o movimento.

Capa do livro “Política Pública de Leitura e Participação Social: o processo de construção do PMLLLB de São Paulo”, de Ricardo Queiroz (Agência Biblioo, 2021). Imagem: divulgação

Embora o mais apropriado para atender a construção de uma política pública seja a imediata participação dos governos junto com a sociedade, o fato da tomada de iniciativa e da resiliência demonstrada pelos atores da sociedade na construção do Plano foi mais um fator de reforço à luta democrática e a um dos alicerces do Plano Nacional – Estado e Sociedade juntos pela formação de leitores.

A forte participação resistente da sociedade civil na construção e defesa do PMLLLB/SP também foi fundamental após a sua aprovação, de sua transformação em lei municipal, de autoria do vereador Antônio Donato (PT/SP), que acatou democraticamente todas as decisões coletivas construídas, e, principalmente, mostrou sua força ao resistir ao primeiro ataque recebido no início da gestão do Prefeito João Dória Jr., que destituiu de maneira arbitrária o recém-empossado Conselho do Plano que dava seus primeiros passos em 2017.

A reconquista da presença da sociedade civil na condução do PMLLLB/SP só foi retomada em fins de 2019, com o restabelecimento de eleições e recomposição do Conselho, e após muitas pressões para que a gestão municipal reconhecesse a necessidade de aplicação da lei que instituiu o Plano.

Este livro também tem seu mérito e lugar na atual conjuntura brasileira. Ao mesmo tempo em que é um resgate de uma história recente na luta pela leitura para todos os paulistanos, o livro de Ricardo Queiroz alimenta e reforça a luta de todos os municípios brasileiros que hoje procuram construir ou consolidar seus planos municipais de leitura.

A destruição do PNLL, o ostracismo que o atual governo federal relegou a Lei 13.696/2018, que criou a Política Nacional de Leitura e Escrita – PNLE – e que impôs a construção decenal de planos nacionais de livro e leitura, encontra nos municípios brasileiros o seu único local de resistência na preservação do objetivo de se construir um país de leitores plenos.  Com exceção de alguns estados que ainda militam pela construção também dos Planos Estaduais de Livro e Leitura – PELL, o palco de atuação pela leitura e escrita está hoje nos municípios.

A construção de novos planos municipais para a formação de leitores é hoje a principal luta que reivindica a atuação necessária do Estado na construção do direito à leitura para todos. Em 2008 o PNLL já vislumbrava que apenas a constituição de planos de leitura nos municípios garantiria a consolidação dos objetivos, metas e eixos nacionais. Hoje, em situação de precariedade democrática, com um governo central praticando a necropolítica e atuando como destruidor da cultura e da educação, os municípios são a possibilidade e a esperança de se continuar a caminhada virtuosa iniciada por todos nós em 2006 quando foi lançado o PNLL.

Mais que o relato e a análise de um plano municipal de leitura, o livro que tenho o prazer de prefaciar é um alimento à resiliência de todos os territórios que buscam fazer do direito à leitura uma realidade em seus municípios. Não deixa de ser também, ao compartilhar a luta de tantos paulistanos, uma homenagem a todos os que militam pela formação de leitores no país, em todos os cantos e margens, em todas as bibliotecas de acesso público – públicas, escolares, comunitárias, em todos os saraus, em todas as editoras e livrarias que vão além do comercial, em todas as comunidades e centros culturais e educacionais, todos eles mediadores de leitura que destroem barreiras seculares de discriminação e exclusão.

Viva leitura! Vivam os Planos Nacionais, Estaduais e Municipais de Livro e Leitura! Viva a democracia e o direito humano à leitura para todos!

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