A junção de identidade, cultura e comunicação, sob um olhar amplo, dinâmico e plural, permite narrativas mais próximas da complexidade que constitui o ser humano. Isso é possível desde que se compreenda “o outro” e a humanidade pela alteridade, que pressupõe substituir o etnocentrismo, o psiquismo e os macromodelos históricos e econômicos por uma metodologia capaz de entender o indivíduo e a sociedade como a somatória e o cruzamento dos múltiplos aspectos que os formam.

Nesse sentido, é preciso levar em conta que o sujeito-padrão da Modernidade foi visceralmente afetado por uma sequência de acontecimentos a partir da década de 1950, aprofundada pelo processo de globalização no fim do século XX, o que gerou a emergência de uma multiplicidade de identidades.

O teórico cultural jamaicano Stuart Hall, em “A identidade cultural na pós-modernidade” (2001), explica que essa afetação ocorreu por causa da revisão marxista, da descoberta do inconsciente pela Psicanálise, da concepção de que a língua é um sistema social e não particular de significados, do estudo sobre a dimensão disciplinadora do poder e das consequências do Feminismo. Nesse último aspecto, “mulheres em riste” puseram em crise uma base histórica reivindicatória masculina, classista e verticalizada.

A abertura para uma profusão de identidades se impulsiona pela descrença nos governos e gera estruturas horizontais, em rede, com maior autonomia e nível de participação. Espraia-se das minorias sociais – como negros, homossexuais e sem teto – de modo anti-hegemônico, politizando suas demandas, até as tribos urbanas – entre elas clubbers, cosplayers e emos –, agregadas por comportamentos, condutas e consumo de objetos culturais.

Uma das formas pelas quais essa situação pode ser enxergada é a apontada pelo antropólogo argentino Néstor Garcia Canclini em “Consumidores e cidadãos” (1998), obra na qual o autor afirma que o consumo é a maneira mais evidente pela qual as pessoas se tornam cidadãs na contemporaneidade. Nesse sentido, a aquisição (material ou simbólica) não se dá apenas pelo gosto ou necessidade, mas, bem mais do que isto, marca posicionamento social, pertencimento, intencionalidade e produção de sentido, sendo, mesmo, um mecanismo de comunicação.

A percepção dessa realidade tem a ver com o imenso fluxo de informações e significados gerado pela globalização, expressa cada vez mais pela centralidade da internet, conformando uma “sociedade em rede”.

Hoje a internet, por exemplo, articula sistemas de comunicação, organizando ritmo e convergência das novas tecnologias, e reconfigura relações sociais, promovendo migração de laços afetivos para o ciberespaço. Prova disso é que quase um terço do mundo está conectado (2,3 bilhões de pessoas), conforme levantamento de 2012 da União Internacional das Telecomunicações, organismo ligado à ONU.

O ciberativismo, fruto dessa ambiência, interfere nos parâmetros tradicionais de comunicação, causando afrouxamento de mediação (jornalismo colaborativo) e até eliminando-a, com sites e blogs de fonte aberta e transmissões simultâneas diretas dos locais dos acontecimentos, como se viu nas manifestações que tomaram as ruas de várias cidades brasileiras em junho do ano passado. É o que apontam os midiativistas e doutores em Comunicação e Cultura Fábio Malini e Henrique Antoun em “A internet e a rua – Ciberativismo e mobilização nas redes sociais” (2013).

Entretanto, as dimensões simbólicas estendidas e proporcionadas pela globalização e as novas tecnologias devem ser assentar no cotidiano local, nas relações interpessoais, porque são nestes planos que ocorre a comunicação humana, recíproca, garantindo condições efetivas para o exercício da glocalidade (globalização com valorização dos elementos da vida local). Observações do filósofo espanhol Jesús Martín-Barbero, um dos mais ativos integrantes dos Estudos Culturais Latino-amaricanos.

A glocalidade pressupõe um olhar complexo, que enxergue a “cultura da comunicação”, tomando a mídia, de um lado, com seu viés manipulador e mercantilista, e, de outro, enquanto acolhedora de demandas de minorias sociais, concebendo-a como arena de disputas simbólicas.

Subentende, ainda, perceber “a cultura da comunicação”, projetando um novo comunicador, menos difusor e conteudista, mais centrado em ativar em pessoas e grupos capacidades de contar suas próprias histórias, evitando assim o exotismo, o estereótipo, a indiferença e a rejeição.

Esse é o comunicador vislumbrado no Relatório da Unesco (2009) sobre diversidade cultural e diálogo intercultural, ou seja, um profissional capaz de ouvir, sentir-se como o outro, ser hospitaleiro e ter flexibilidade cognitiva.

Essa concepção de comunicação relaciona-se com a perspectiva construída nos últimos 15 anos em vários países da América Latina, como Venezuela, Bolívia e Equador, a partir do redesenho do papel do Estado na esfera pública e no fortalecimento da democracia participativa por movimentos sociais e povos indígenas.

Tal esforço se materializa em marcos regulatórios que descentram o poder midiático nas telecomunicações, ações que revigoram os segmentos público e estatal de comunicação e a criação de veículos e estratégias midiáticas que dão visibilidade à pluralidade cultural e à autoafirmação de comunidades e grupos sociais marginalizados.

Ressalta-se, então – na perspectiva de uma “nova cultura-comunicação” –, a importância de estar atento à emergência da multiplicidade de identidades e à criação de formas de se perceber, apreender e expor a pluralidade de vozes da sociedade num contínuo diálogo.

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