Desde o início da pandemia os eventos via internet, especialmente as chamadas “lives”, aumentaram substancialmente. Isso tem acontecido porque as pessoas são, em nome da preservação da sua saúde e das outras pessoas, obrigadas a permanecer em casa, ao mesmo em que são impelidas a continuar produzindo conhecimento proferindo palestras, ministrando cursos ou mesmo participando de debates.

Como isso, um mundo de conhecimento foi e continua sendo produzido, fazendo com que as pessoas que participaram destes eventos, bem como os profissionais da informação (especialmente bibliotecários e arquivistas) tenham de dar conta de fazer a referência destes materiais. O objetivo, obviamente, é garantir a organização não só para o registro, mas para futura recuperação destas informações.

O problema é que as normas da ABNT, que garantem um padrão às referências, seja de material bibliográfico, seja de material audiovisual, não contemplam um modelo específico para referência de lives ou atividades similares. Diante desse cenário, a Biblioo convresou com Cláudia Anjos, bibliotecária da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sobre o tema que tem ainda suscitado muitas dúvias até mesmo entre profissionais.

Cláudia Anjos, que também é mestra em biblioteconomia e especialista em informação científica e tecnológica em saúde, atua como bibliotecária de referência em uma biblioteca universitária e como tal tem como uma de suas funções orientar os usuários no processo de escrita científica, ou seja, ela orienta os usuários de sua biblioteca na normalização de seus trabalhos acadêmico-científicos, conforme os padrões estabelecidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).  

Segundo a bibliotecária, durante a pandemia do novo coronavírus, as universidades suspenderam as atividades presenciais e adotaram o trabalho e o ensino remoto para garantir a segurança da comunidade acadêmica. Essa tomada de decisão, gerou um grande número de comunicações pessoais (videoconferências) educacionais de grande relevância acadêmica de formato live nas universidades brasileiras e uma dúvida surgiu entre seus usuários foi: como referenciar o vídeo de uma live

Live é uma expressão popularmente designada para as transmissões realizadas ao vivo, em tempo real, por meio das plataformas de live streaming. Existem inúmeras plataformas digitais, contudo as mais conhecidas e usadas, no momento, no universo acadêmico são Facebook, Youtube e Instagram.

Só porque o vídeo não está mais ao vivo, não significa que ele não pode ser mais visto

Cláudia explica que o vídeo originado, de uma live, geralmente fica gravado com o objetivo dar acesso a seu conteúdo posteriormente. Dessa forma, passado o momento de transmissão ao vivo, esse material torna-se puramente um vídeo. Esse vídeo pode ser uma fonte de informação para elaboração de trabalhos acadêmicos, como dissertações de mestrado, teses de doutorado ou artigos científicos.

De acordo com a bibliotecária, é comum que seus colegas bibliotecários orientarem seus usuários a referenciar esses documentos conforme os padrões estabelecidos na seção 7.13 – Documento audiovisual da NBR 6023:2018, norma que aborda a elaboração de referências em trabalhos acadêmicos (TCC, dissertação, tese etc.). Esta seção, da referida norma, traz inclusive, os padrões indicados para referenciar especificamente filmes e vídeos, onde encontra-se, por exemplo, como referenciar os vídeos do Youtube.

Cláudia conta que se sentiu desconfortável em referenciar simplesmente todo e qualquer material proveniente de live como um vídeo de Youtube. “Acho que não evidenciar para o leitor que o vídeo foi originado em uma live pode não dar a devida importância ao documento”, diz a bibliotecária, observando “que nem toda transmissão fica gravada na mídia social Youtube, uma vez que existem outras plataformas de streaming de vídeo e também outros aplicativos para armazenamento. Os vídeos provenientes de live do YouTube e Facebook quase automaticamente ficam armazenados em suas próprias mídias. Já as transmissões realizadas pelo Instagram necessitam ser salvas em aplicativos como o IGTV”.

A bibliotecária ainda esclarece que pesquisou em outros estilos para documentar trabalhos de pesquisa acadêmica, e descobriu que o estilo APA da American Psychological Association – uma organização que representa a psicologia nos Estados Unidos da América e no Canadá – traz uma orientação na seção audiovisual especifica para comunicações pessoais – Webinar. O termo Webinar foi originado da expressão em inglês: Web Based Seminar, ou seja, seminário realizado pela internet.

Segundo Cláudia a norma ABNT vigente, a de 2018, não contempla um modelo específico para referenciar Webinares. “Não existe um padrão para referenciar especificamente comunicações pessoais neste formato”, ressalta. E acrescenta que a orientação da APA a fez concluir que deveria sim existir um modelo especifico para referenciar uma live objetivando uma melhor identificação e recuperação desses documentos. Assim, para preencher o que ela enxergou como lacuna, fez uma adaptação: uniu a orientação da norma ABNT para documento audiovisual, com o modelo do estilo APA para comunicações pessoais no formato de Webinares.

Claudia expressa suas hesitações quando diz que ficou em dúvida “se seria adequado criar um único modelo para a live, porque as lives são distintas entre si em propósito e também na relevância acadêmica” e prossegue em sua narrativa: “O que me levou a pensar deste modo foram as lives de eventos acadêmicos (seminários, congressos, mesas redondas etc.)” .

Sobre os eventos acadêmicos, Cláudia faz um alerta: “Devemos estar atentos a necessidade de orientar nossos usuários sobre a importância de acrescentarem informações suficientes na descrição dos vídeos para que estes documentos sejam corretamente identificados em uma referência documental”, pois segundo ela, “muitas lives não trazem dados suficientes/necessários para construir uma referência documental com facilidade”. 

A bibliotecária destaca que as lives de eventos acadêmicos são um caso à parte. “Pelo que observei até agora, elas nem sempre ficam aglutinadas pelo nome do evento em uma playlist com o nome e a descrição do evento. Algumas vezes ficam somente penduradas no canal de transmissão da instituição com pouca ou nenhuma informação de identificação”. Ela enfatiza que se propôs em construir um modelo adaptado, com base, nas normas citadas com a função de contribuir para melhor referenciar o material proveniente das lives acadêmicas e também fomentar discussões sobre o tema.

Currículo lattes

Também é possível faz o registro das lives no Currículo Lattes. Para tanto, basta seguir o seguinte caminho: “Produções” – “Produção técnica” – “Entrevistas, mesas redondas, programas e comentários na mídia”. Em seguida é preciso, nas opções para preenchimento que aparecerão na tela, escolher em “Natureza”, “Outra”, inserindo as informações nos espaços destinados a essa finalidade.

Os especialistas lembram que é importante salvar a imagem de divulgação da live para comprovação curricular. Agora o que se sabe é que não há garantia de que essas produções contarão para futuras disputas em concursos públicos ou mesmo nas seleções de empresas privadas. Mas na dúvida, é importante guardar as comprovações, quando houver.

*Essa reportagem foi atualiza no dia 17/09/2020 para acrescentar informações.

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