Começamos o ano de 2019 com elevado grau de exaustão. No Brasil, em menos de 100 dias, uma sucessão de tragédias e momentos tristes dominaram o país. Os nomes tragédia e crime começaram a encontrar mais pontos de interseção. Pessoas perderam a vida no rompimento da barragem em Brumadinho, no incêndio no alojamento de base do Flamengo e no massacre em Suzano.
Todos os dias, os principais veículos de comunicação – seguidos pelos mais rasteiros – noticiam assassinatos, feminicídios, atropelamentos fatais, brutalidades de toda ordem contra grupos em situação de vulnerabilidade, desemprego galopante e confusão governamental. Não é segredo para ninguém que as instituições brasileiras estão cada dia mais entregues à defasagem e ao caos, começando pelas instâncias superiores.
Como acreditar e sentir o mínimo de segurança em um governo que estimula a aquisição e posse de armas, que contabiliza uma série de declarações superficiais, envolvendo o nome de representantes de altos cargos políticos em escândalos, que elabora uma reforma previdenciária com intuito de secar ainda mais o sangue da população e que se curva diante das vontades de figuras questionáveis, que enxergam o mundo como um grande muro segregacionista?
Diante de todos esses exemplos de derrocada, estamos em baixa. No entanto, esse sentimento de queda e desalento deixa de observar as ações boas e essencialmente humanas praticadas todos os dias por anônimos. Situações que podem escorregar em nossas vistas rotineiramente, alimentadas, inclusive, por nós mesmos.
Certo dia, eu estava caminhando pela calçada de um imponente prédio erguido para uma empresa de economia mista quando vi uma moça apressada deixar cair o cartão do bolso. Imediatamente, um homem que vinha logo atrás dela viu a cena e a alertou. Ainda em trânsito, observei quando um grupo de jovens levou alimentos para moradores de rua que ficam nas proximidades dos Arcos da Lapa. Já presenciei pessoas cedendo o lugar umas para as outras em conduções lotadas, deixando espaço aberto nos primeiros postos de filas enormes, ajudando idosos ou pessoas com limitações de mobilidade a atravessarem avenidas perigosas.
Provas de amor vivem igualmente no café da manhã simples e preparado com tanto esmero por casais, pais e filhos que se amam; pela companhia nos momentos que mais precisamos; pelas cartas – você ainda escreve missivas? Caso não, tente.
É uma maravilha! – que recebemos com notícias e carinhos de pessoas queridas que estão distantes; pelas mensagens de aniversário sinceras; pelos telefonemas no meio da noite para saber se estamos bem; pelas imagens de “bom dia” e “boa noite” que recebemos nos grupos – muita gente envia de forma mecânica, mas existem aqueles que mandam com a sinceridade do carinho diário -, pelo lanche dividido; pela presença; pelo chocolate e o bilhetinho deixado na mesa de trabalho; pelas tarefas domésticas já finalizadas por outro alguém quando você chega em casa cansado; pelo jantar caseiro especial… Os exemplos são infindáveis!
O site Razões para Acreditar divulga várias histórias de bondade, afeto, solidariedade e amor ao próximo. Conhecemos as dificuldades e superações, as dores e alegrias e as tentativas de acreditar e semear bondade feitas por diversas pessoas ao redor do Brasil e do mundo. Em uma sociedade cujo binóculo está focado para lágrimas e ranger de dentes, iniciativas como essa são um acalento para os corações feridos.
A opção em direcionar nossas ações para espalhar o amor no lugar do ódio – e suas ramificações – é nossa. Não é tão difícil cumprimentarmos as pessoas com palavras de educação, desejarmos votos sinceros, pedirmos desculpas ou licença quando nossos gestos e palavras forem invasivos, ajudarmos sem vitrinismos e tentarmos, do lugar em que estamos e utilizando o que nós temos, sermos pessoas melhores.
Por que usarmos líderes desmantelados como exemplos? Há um fosso enorme entre dever ser e ser. Ou consideramos essa realidade e convivemos com ela ou continuaremos esperando as caravelas de Pedro Álvares Cabral no lugar de discos voadores.
Ser uma pessoa “tipo O negativo”, ou seja, um “doador universal”, não deve ser apontado como tolice ou ingenuidade excessiva. Se o mundo é formado por caçadores de cabeças e recompensas, por que não mostrar que há um outro modo de ser, de atuar e de viver?
Devemos continuar observando, vigiando e cobrando os passos de quem recebeu do povo o direito e o dever de governar os rumos do país, sem dúvida. Mas quando não há nada para se admirar, podemos criar nossos próprios exemplos. E eles estão mais próximos do que se possa imaginar: a bondade também mora dentro de nós. Basta ouvirmos o que vem de dentro.