RIO e FORTALEZA

Todo cordelista é

Um repórter cavador

Que busca a melhor notícia

Em um ou outro setor

Pra depois versificar

E muito bem informar

A seu bom público leitor

Os versos do cordelista baiano João Crispim Ramos são uma inspiração para falar do cordel: uma arte que virou fonte de informação. Mas para isso acontecer foi necessário uma viagem até o Rio de Janeiro, onde tivemos a honra de conversar com Gonçalo Ferreira da Silva, presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC) um dos maiores nomes da literatura de cordel do Brasil. Vou contar pra vocês como tudo começou, quando o cordel aqui chegou, sem nome e sem documento, “pegando carona” nas caravelas de Portugal que dominaram o nosso litoral no ano de 1500; ao chegar ao nordeste fez ali sua moradia, se transformou em meio de comunicação e disseminou informação pra todo mundo da região.

No principio era o verbo

Herdeira da oralidade, esta literatura contou as mais diversas histórias e informou a população nordestina. Através das cantorias, dos desafios entre os repentistas, as pessoas tinham acesso ao saber. Os contadores de histórias, os cantadores de cordel eram como os heróis do povo, responsáveis por iluminar as idéias daqueles que nem sequer sabiam ler e através da cantoria do cordel podiam ter acesso ao conhecimento e a informação. Com o passar dos anos o cordel conquistou muito mais espaço como cultura escrita. Na década de 70 ainda era conhecida como literatura de folhetos. O nome cordel veio a partir da maneira na qual os folhetos eram vendidos, nas feiras e praças, dependurados em cordões. Chegando às universidades, o cordel ganhou status de arte e fonte de cultura. Gonçalo nos confidenciou que “a literatura de cordel não voou do barbante para as salas das universidades pelos seus belos olhos, voou por qualidade, e hoje a literatura de cordel está nos corredores acadêmicos, nas salas universitárias, mas pela qualidade”, isto porque “a literatura de cordel alcançou perfeição ao que se propõe, mas a literatura de cordel não pode dizer que é uma arte pronta, do ponto de vista das regras gramaticais, mas é uma arte”.

Os folhetos ganharam fama e espaço na cultura brasileira. Durante anos estes foram utilizados como jornais, onde os poetas cordelistas eram os encarregados por expressar as informações transmitidas nos jornais, e, muitas vezes a opinião deles era mais aceita do que as noticias publicadas nos jornais oficiais. Sobre isso, o presidente da ABLC afirma que “verdadeiramente, a literatura de cordel quando começou, ela realmente se propôs a ser notícia, ser comunicação, é tanto, que a literatura de cordel ensinou o nordeste a ler. Nenhum outro veículo, escola – se houvesse escola – no tempo foi tão eficiente para o aprendizado do homem do nordeste como o cordel; inclusive ele é chamado como Livrinho de Athayde, porque realmente ensinou o nordeste a ler. A literatura de cordel foi a responsável por isso [alfabetização]. Milhares de nordestinos –inclusive eu – aprendeu assim”.

O cordel informa, e isto lhe confere um papel de grande importância na sociedade contemporânea. Também denominada sociedade da informação, a sociedade atual gira em torno do desenvolvimento cientifico, do crescimento social a partir da troca de informações. A literatura de cordel pode ser utilizada para enriquecer cultural e intelectualmente a população brasileira através do compartilhamento informacional iniciado nas escolas. “O caminho é as escolas; o caminho de toda e qualquer manifestação humana é chegar às escolas. Chegando às escolas o progresso se faz naturalmente, porque com o livro é assim”, ressalta Gonçalo. Nesta literatura de folhetos desenvolve-se um ciclo cultural de informações onde o poeta dissemina a sua opinião sobre determinados assuntos ao seu público, que por sua vez assimilará e interpretará de acordo com suas experiências. Nesse sentido, o presidente da ABLC informa que “antigamente existia a literatura de cordel caracterizada pelo humor, caracterizada pela jocosidade, e a sátira política e social, mas hoje a literatura de cordel aborda desde a Grécia de Homero, 900 anos antes de Cristo, até o episódio da morte dos estudantes em Realengo no Rio de Janeiro. Aconteceu virou cordel!”.

A literatura folclórica do nordeste brasileiro trabalha com a linguagem escrita través dos versos. É um exemplo da troca de informações entre os homens. Tem a função de comunicar às massas e está arraigada de processos e fluxos informacionais caracterizados pela interação e comunicação entre quem emite e quem recebe algum dado informacional. O cordel resiste e é bastante aceito por todas as camadas sociais. Sobre isto Gonçalo afirma que “se a Literatura de Cordel tivesse os avanços como adversários e não como aliados teria se dado mal. Mas a literatura de cordel, quando chegou o rádio, a literatura de cordel teve o rádio como aliado. Chegou o rádio de pilha, a literatura de cordel fez o mesmo: cavalgou sobre as ondas eletromagnéticas do rádio de pilha. Chegou a televisão, ora, vamos nos associar a um invento que leva a imagem e som ao mundo todo, e foi pra televisão […] e com a internet, o mundo inteiro toma conhecimento, porque vai para o site da Academia. O site aponta o blog, o blog leva pra outros blogs que são criados e agregados a ABLC”. E sobre a interação cordel e internet o cordelista informa em verso que “filho amado da mente nordestina/Sempre teve o cordel grande sucesso/Cavalgando no dorso do progresso/Mas fiel a escola Leandrina/Muitas vezes saía da oficina/Como notícia de impacto social/Foi aí que o cordel se fez jornal/Na linguagem padrão e não a culta/Sendo a paternidade absoluta/Pode mesmo o cordel ser virtual”.

A academia

Ao chegar à sede da ABLC em Santa Tereza, bairro da região central do Rio, conhecida pelas construções históricas e pelos bondes que circulam em suas ruas, fomos muito bem recebidos em um prédio simples e aconchegante, recheado de cordéis e cultura. Quem estava lá para nos receber era o próprio Gonçalo, presidente da Academia, que ofereceu-nos toda atenção, compartilhando um pouco de suas lembranças e experiências. A ABLC foi fundada em 1988, exatamente no dia 7 de setembro. Seguindo o lema “Cordel é Cultura”, a instituição se caracteriza como uma sociedade civil de natureza cultural sem fins lucrativos e corpo acadêmico composto por 40 cadeiras de membros efetivos, brasileiros natos ou naturalizados, de ambos os sexos, maiores de 16 anos.

Atendendo uma camada heterogênea de usuários, a ABLC reúne a maior coleção de folhetos do Brasil, com cerca de 13 mil exemplares, além de contar com um rico acervo de xilogravuras originais, incluindo matrizes talhadas em madeira. “O público da ABLC é heterogêneo também, por causa disso, porque ela atende a muitos tipos de interesse; quando uma pessoa faz uma festa de São João vem comprar cordel, muitas vezes pra enfeitar com cordel, vender e enfeitar”, destaca Gonçalo. Esta academia é responsável por gerir e orientar as movimentações no contexto do cordel, trabalhando na promoção de eventos, criação de coleções especiais e divulgação dos folhetos como grande bem da cultura brasileira. Segundo Gonçalo, as atividades instituicionais da ABLC “variam de ano para ano, porque essa questão de atividades está mais presa aos projetos do governo”.

A ABLC se destaca por ser uma instituição de grande valor cultural para a sociedade brasileira, até mesmo exercendo representação internacional. “Na Suíça francesa, nós temos uma exposição permanente […]. Nós temos uma pequena exposição dentro da Universidade Autônoma de Barcelona, e nós temos uma estante, não uma cordelteca, uma estante só no Museu Nacional de Kyoto, no Japão”, destaca Gonçalo com orgulho.

E é assim, de verso em verso, de rima em rima, de folheto a folheto que esta literatura vai crescendo e ganhando adeptos. São muitos anos de história e se depeder do folego dessa cultura, muitos ainda estarão por vir.

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