Ah! As bibliotecas públicas brasileiras! Sempre tão discutidas e desamparadas. Tantas delas sem prédio, sem livros, sem futuro. Em Brasília, a fama é que bibliotecária de biblioteca pública é tipo heróico, que diante da sonolência do capitão da fragata, assume o leme e enfrenta as agruras do mar revolto. Essa legião de valquírias acaba tirando leite de pedra: desenvolve coleções, cria espaços de leitura, conta histórias, faz pesquisa e até cataloga, quase sempre sem dinheiro. Palmas pra elas! Contudo, é necessário acordamos o Estado, nosso capitão.

Na condição de Subsecretário do Patrimônio Cultural, essa audiência pública se reveste de um significado muito prático. Além de servir de espaço de troca de informações a respeito do que já foi feito em prol das bibliotecas públicas do Distrito Federal, ela será o pontapé inicial de um conjunto bem estruturado de ações em defesa da manutenção e da criação destes mesmos equipamentos culturais.

Como esse plano não envolve, apenas a Secretaria da Cultura do Distrito Federal, mas a todos os presentes, sem exceção – deputados distritais, Secretário Especial da Cultura do Ministério da Cidadania, Secretário da Educação do Distrito Federal, professores, bibliotecários, mães e pais de família, cidadãos em geral – considero fundamental levantar, neste plenário,  uma primeira pergunta: Por que devemos investir numa biblioteca? É provável que todos os presentes compartilhem do sentimento de que bibliotecas são importantes. Mas não basta presumir ou suspeitar. É necessário comprovar.

Por que sem informações claras, como convencer um deputado dessa Casa a investir um milhão de reais de suas emendas na construção da Biblioteca Pública do Riacho Fundo 1, por exemplo? Como ampliar o investimento na atualização de acervos da Biblioteca Pública da Ceilândia ou na contratação de bibliotecários se o gestor público, que tem a caneta do orçamento na mão, encara a biblioteca apenas como um espaço do improviso, das estantes aos livros doados?

Pois eu respondo que a valoração de nossas bibliotecas passa pela reflexão de uma frase proferida no dia 1º de janeiro deste ano, lá no Palácio do Buriti. Em seu discurso de posse, o governador Ibaneis foi muito contundente e aplaudido quando declarou: “Este governo é para pobre”. Essa frase, se bem compreendida, pode servir de motivação e de justificativa para que secretários e gestores públicos em geral, como é o meu caso, optem em investir nas bibliotecas públicas. E por que digo isso? Primeiro, porque a biblioteca pode funcionar como um poderoso espaço de formação, capaz de reduzir a desigualdade social.

Em outros termos, deixar que muitos brasilienses deixem de ser pobres. Porque, bem sabemos, que biblioteca combina com Índice de Desenvolvimento Humano elevado. Basta consultar os relatórios da UNESCO que constataremos essa relação. Isso só bastaria para ampliarmos nossos investimentos nesse equipamento cultural. Entretanto, há outro motivo para isso: além dos benefícios coletivos, as bibliotecas públicas são o equipamento mais presente no País.

Cerca de 97,1% das cidades brasileiras possuem, pelo menos, uma em seu território. Esses dados, de 2014, são da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE. Em Brazlândia, por exemplo, cidade em que cresci, não há cinema, mas há duas bibliotecas que, embora mereçam maior atenção de nossa parte, estão lá, prestando seus serviços aquela comunidade. Portanto, investir em biblioteca é bom e relativamente barato.

Felizmente, as bibliotecas do Distrito Federal se encontram numa situação favorável se comparada com a da maioria dos estados e municípios. Possuímos 26 bibliotecas espalhadas por 21 Regiões Administrativas, que somente em 2018, atenderam cerca de 313.271 cidadãos. Segundo a última edição do Censo Nacional das Bibliotecas Públicas, a população do Distrito Federal é a segunda do país que mais frequenta bibliotecas públicas, representando quase o dobro da média nacional.

Contudo, precisamos ampliar o acesso dos mais pobres a este importante equipamento. E para isso, temos dois desafios que precisam ser enfrentados. O primeiro é garantir que as 10 regiões administrativas das 31, ainda sem bibliotecas, passem a tê-la. Preocupa-me, particularmente, quatro comunidades mais precárias: as da Fercal, do Paranoá, de Planaltina, e do Varjão. O segundo desafio é garantir que as bibliotecas já existentes deixem de sofrer com a falta de manutenção dos seus espaços físicos, inclusive de mobiliários, e de profissionais qualificados.

Mas eu não ocuparia o plenário da Câmara Legislativa, simplesmente, para desfiar um rosário de problemas. Na verdade, vim aqui apresentar uma proposta para os senhores. Comecemos pelo que já está sendo realizado. O governador Ibaneis, por meio da Secretaria de Cultura, determinou estreitar os laços com os administradores regionais, que são, de fato, os gestores de todas as bibliotecas públicas do DF. A Secretaria de Cultura tem procurado colaborar com eles, seja garantindo acervos a esses espaços culturais, bem como propondo ações que venham a resolver os problemas de infraestrutura. Nas últimas semanas, visitei algumas dessas bibliotecas públicas, escutando os administradores, suas equipes e, especialmente, os que a frequentam.

O que me ficou claro é que todas as cidades, de modo geral, compartilham os mesmos problemas. Gostaria de elencar os dois principais. Primeiro, as nossas bibliotecas públicas, vinculadas as regiões administrativas, não possuem sede própria, funcionando, na maioria das vezes, em espaços cedidos e inadequados. Segundo, os servidores que ali atuam são comissionados, ou seja, não pertencem ao quadro efetivo do GDF, o que contribui para a alta rotatividade de pessoal, afetando a continuidade dos serviços prestados e a capacitação desse pessoal.

Embora isso não impeça a Secretaria de Cultura de continuar oferecendo cursos de capacitação para os servidores, isso resulta em prejuízo para a comunidade, que não se vê adequadamente atendida. Diante da limitação de recursos por partes das administrações regionais em manter edifícios apropriados, com mobiliários adequados, acervos atualizados e servidores bem formados, o que fazer? O escritor Jean de la Fontaine costumava dizer que “toda força será fraca, se não estiver unida.” Concordo com ele.

Pois bem, sugiro um modelo de gestão compartilhada tripartite, envolvendo a Administração Regional, a Secretaria de Educação e a Secretaria de Cultura. Esse modelo, já adotado pelas bibliotecas de Ceilândia e Taguatinga, tem produzido bons resultados. Como ele funciona? A Administração Regional se encarrega de oferecer um prédio bem conservado e mobiliado, com acesso gratuito a Internet, e um pequeno número de empregados para cuidarem da limpeza e da segurança.

Por sua vez, a Secretaria de Educação disponibiliza professores com 40 e/ou 20(vinte) horas semanais, até o limite de 580 (quinhentas e oitenta) horas semanais, para atuarem como mediadores de leitura nestas bibliotecas. Estes profissionais tem os mesmos direitos e vantagens profissionais que os outros professores fazem jus, incluindo a Gratificação de Atividade Pedagógica (GAPED).

Vale ressaltar que a Secretaria de Educação do Distrito Federal tem grande know how em bibliotecas. Hoje, essa pasta possui duas bibliotecas setoriais – a Biblioteca Setorial 108/308 sul e a Biblioteca Infantil 104/304 sul – e sete bibliotecas comunitárias: Biblioteca Gisno (Plano Piloto); Biblioteca Comunitária Érico Veríssimo (Brazlândia); Biblioteca Monteiro Lobato (Planaltina); Biblioteca Rui Barbosa (Sobradinho); Biblioteca Cora Coralina (Ceilândia); Biblioteca JK (Guará); e Biblioteca Cecília Meireles (Taguatinga).

E, finalmente, cabe a Secretaria de Cultura cooperar com a ampliação e atualização do acervo bibliográfico, disponibilizar um bibliotecário para oferecer suporte técnico, fornecer um software de gestão do acervo e oferecer formação continuada aos professores que atuam na biblioteca. Esses docentes podem otimizar, sobremaneira, esses equipamentos, não apenas enquanto espaço de leitura e de pesquisa, mas enquanto locus de produção de novos conteúdos. É o que tem sido chamado de curadoria digital. Portanto, uma portaria conjunta entre estes três atores – Administração Regional e as pastas da Educação e da Cultura – é, seguramente, uma excelente estratégia.

Desde já, quero compartilhar com os senhores uma excelente notícia. A Subsecretaria do Patrimônio Cultural está trabalhando para garantir, desde já, uma infraestrutura tecnológica mínima para essas bibliotecas, por meio da adoção de um software especializado na gestão de acervos e no trabalhado cooperado. Sem essa plataforma fica muito complicado falar em rede ou sistema de bibliotecas. É que, embora o DF possua, formalmente, uma rede de bibliotecas há quase 23 anos, rede essa criada por meio do Decreto 17.684, esses equipamentos não se comunicam.

Pois bem: a adoção de um software de gestão bibliográfica garantirá que os nossos jovens e crianças tenham acesso, num único clique, aos registros de mais de meio milhão de livros e outros materiais espalhados por todas as nossas bibliotecas, permitindo que eles reservem e tomem emprestado qualquer um desses itens, independentemente de onde moram ou trabalham. Já iniciamos a prospecção de um software livre para atender as nossas expectativas e, nos próximos meses, contrataremos uma instituição para darmos início a otimização da ferramenta escolhida.

Ademais, a Secretaria está preparando um Prodoc destinado a garantir a sustentabilidade dessas bibliotecas. Espero que a parceria entre essas duas Secretarias, Educação e Cultura, juntamente com as administrações regionais, seja intensificada nos próximos meses. Afinal, sem parceria só há mortandade de gente e de entidade. Não vislumbro um maior presente para Brasília, em seus 60 anos, a ser celebrado em 2020, que um sistema de bibliotecas efetivo, que traga informação e, por consequência, cidadania.

* Texto de palestra originalmente proferida em 16 de abril de 2019, no Plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal, em audiência pública a respeito da implantação e fortalecimento das bibliotecas públicas no DF. Com adaptações.

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