As últimas luzes do escritório foram apagadas. Estou sentado no escuro, lançando minha aliança de uma mão para a outra. Já faz algum tempo que a retirei do meu dedo, mas a marca continua lá, vívida e retendo sangue. Mais uma hora se passa até que eu consiga levantar, colocar a aliança de volta e massagear a nuca. Lembro que preciso passar no restaurante e encomendar o jantar. Também lembro dos encontros sociais do final de semana, dos telefonemas e do imenso barulho. Junto com a minha respiração ofegante, vai embora alguma recordação suave de tempos passados.
Faço o que tenho que fazer, como sempre. Vou ao restaurante, encomendo os pratos, passo na floricultura e escolho um lírio. Na verdade, gostaria de estar levando um veratrum. Mas não levo. A opção pela flor é uma opção de vida. Sigo as leis de Deus e as leis dos homens, conforme fui ensinado. Isso é tudo o que conheço; isso é tudo o que sou.
Chego em casa e ouço vozes altas, estridentes. Reconheço apenas a voz de minha mulher. O tilintar dos talheres me avisa que o jantar já foi servido e de que nada adiantou encomendar qualquer comida. Repouso o lírio na mesa decorativa perto das fotos de família e subo as escadas. À esquerda, o quarto dos meus filhos está vazio e repleto de bagunça. À direita, o meu quarto está impecavelmente arrumado. Ainda consigo sentir o cheiro dos produtos de limpeza. Tomo banho e me deito. Só então percebo que os meus pés estão sujos e que não há cobertores. A casa está silenciosa e fria. Fecho os olhos e durmo, apenas durmo.