Há um provérbio japonês que diz: “Se não é certo, não faça. Se não é verdade, não diga”. Era isso o que Hayashi-dono ensinava aos seus alunos. Eles estavam na tradicional escola do clã Hayashi desde a troca dos primeiros dentes e só deixariam a instituição depois de receber o último título de aprendizado.

Entre os estudantes, havia um de nome Niten Shuntoku. Aos dezesseis anos, contava nos dedos os dias que o levariam para fora dos muros de bambu da escola. Seu sonho era seguir a carreira do pai, do avô e dos irmãos. Queria ser samurai e se tornar um exímio guerreiro, conquistando o respeito de seu clã e dos demais a partir de suas habilidades com a espada.

No entanto, a mãe ficara muito doente. Antes de morrer, soprou para o pai como último desejo que Shuntoku se dedicasse exclusivamente às letras ou à vida religiosa. Comovido, Niten San decidiu atender letra por letra do pedido de sua esposa e enviou o filho caçula para o internato.

Sol após sol, lua após lua, Shuntoku se aborrecia com os ensinamentos e a vida escolar. Ao final de tudo, só restaria a carreira administrativa ou os dias trancados no monastério. Naquela noite de lua cheia, quando as preces de arrependimento eram recitadas no templo, Niten Shuntoku decidiu esquecer que não devemos fazer o que é errado e que não devemos mentir.

Sem pestanejar, forjou uma carta falsa onde solicitava, em nome do pai, que fosse liberado da escola. Segundo a falsificação, ele deveria seguir para a casa da família para enterrar um ancião do clã.

Ao finalizar, entregou o documento a Hayashi-dono, que leu com calma e sabedoria. Em seguida, ainda quando a coruja piava, o Sensei disse:

“Muito bem, Niten Shuntoku. Arrume suas coisas e vá para a sua casa. Sua família precisa de você.”

O jovem aprendiz dissimulou a felicidade interna e correu para os aposentos que dividia com mais seis alunos. Todos dormiam profundamente quando Shuntoku arrumou os poucos pertences em uma trouxa e deixou o internato.

Enfim, ele estava livre como o vento que leva embora a poeira do chão. Caminhando pela estrada sem luminosidade, o jovem Niten Shuntoku entrou em uma floresta de mata fechada.

Árvores de troncos escuros e grossos sacudiam com a proximidade de uma tempestade. A lua abandonou o céu e apenas o silêncio e a escuridão se fizeram presentes. Pela primeira vez em sua vida, Shuntoku sentiu medo. Não havia sequer o rastejar de animais noturnos. Nada. Tudo estava mudo, como se a natureza se calasse diante da atitude reprovável do estudante.

Sem perceber, ele tropeçou em algo duro e pesado. Caiu no chão, machucando o rosto. Levantando de um pulo, Niten Shuntoku viu os olhos de sua mãe e de seus avós esbugalhados em sua direção. Todos estavam mortos. Em desespero, ele correu pela floresta, mas o silêncio o oprimia.

Horas depois, exausto, deixou-se cair na relva. Observando o céu, lembrou do carinho com que sempre fora tratado no internato. Lembrou dos ensinamentos e de tudo o que o fazia ser uma pessoa melhor. Em lágrimas, disse:

“Meus antepassados, eu me arrependo muito de ter agido mal e envergonhado minha família. Eu só quero ser como o meu pai e como meus irmãos. Quero ter o destino reservado aos homens de meu clã. Quero ser um samurai. Ninguém parece me escutar”.

Então, inesperadamente, o silêncio falou com Niten Shuntoku utilizando a voz do coração:

“Caro Shuntoku, filho de Niten Razan, neto de Niten Hiroshi. Ninguém vai obrigá-lo a não seguir o seu destino. O que está escrito, está escrito. Suas ações são o seu próprio destino, que se modifica a cada linha da tapeçaria da vida que você borda. Caminhe pela retidão. Não envergonhe sua família com ações egoístas e desenrosas. Há sempre uma nova rota para quem sabe qual é o seu verdadeiro destino”.

Agradecido, Niten Shuntoku despediu-se da floresta e honrou o silêncio, essa sabedoria ancestral, com uma longa meditação. Em seguida, voltou para a escola do clã Hayashi. Lá chegando, pediu para falar com Hayashi-dono e foi atendido.

“Sensei Hayashi-dono! Peço perdão pelas minhas mentiras e dissimulações. A carta que lhe entreguei não possui sequer uma linha de verdade” – disse, com a cabeça encostada no chão.

“Levante-se, Niten Shuntoku” – disse o sensei – “Faz apenas uma hora que você deixou as paredes de nossa escola. Eu soube a verdade assim que toquei no papel. Se está arrependido com todo o seu coração, eu o aceito de volta e não comunicarei nada ao seu pai”.

“Sensei, como pode ter se passado apenas uma hora? O céu está quase amanhecendo!”.

“Olhe pela janela” – respondeu Sensei Hayashi-dono.

Niten Shuntoku olhou. Tudo estava escuro e silencioso como no momento em que ele saiu do colégio e caminhou pela floresta. Perplexo, o estudante meditou. E entendeu. Grato ao mestre e ao silêncio da floresta, Niten Shuntoku voltou aos seus aposentos.

Vinte anos depois, Niten Shuntoku deixou o colégio do clã Hayashi como um dos professores mais queridos e sábios e assumiu o lugar de seu pai como samurai do clã Niten, posição que honrou até o dia de sua morte.

*Com coautoria de Rafaela Torres

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