Nesse um ano de biblioo, muito se falou de Biblioteconomia, de Bibliotecas, de educação e de sociedade. Nesta edição tão especial nada disso faltou. Debatendo a área e as mudanças nas quais ela está inserida (e muitas vezes nas quais ela tem ficado à deriva), os professores de cursos de Bacharelado Biblioteconomia, Alberto Calil e André de Araújo nos dão um bom panorama do que tem sido feito em Biblioteconomia hoje e do que ainda precisamos fazer. E mais do que isso, nos mostram que a “Nova Biblioteconomia” nada mais é do que a “Velha Biblioteconomia” encerada, polida e recebida pelos novos estudantes com ares de modernidade, quando, na verdade, ao invés de receber uma nova roupagem, o que ela precisa é do velho e bom pensamento crítico, que nunca sai de moda.
Emília Sandrinelli: Gostaria que vocês começassem se apresentando, dizendo seus nomes e como vocês gostam de serem conhecidos na área da Biblioteconomia?
Alberto Calill: Meu nome é Alberto Calil Junior, atualmente sou professor na Escola de Biblioteconomia e no Programa de Pós Graduação em Biblioteconomia (PPGB) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), bibliotecário formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), meu tema de interesse e estudo são as questões ligadas aos efeitos sociais da tecnologia no cotidiano, me interesso também pelo que poderíamos chamar de aspectos sociais da Biblioteconomia.
André de Araújo: Meu nome é André de Araújo sou bibliotecário, atualmente professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no curso de Biblioteconomia e Gestão de Unidades de Informação. A minha graduação é em Biblioteconomia, e mestrado em História Social, que apontam alguns interesses dentro da área. Na realidade, embora eu seja bibliotecário, no campo profissional, sempre transitei em várias frentes da Biblioteconomia, trabalhando com questões ligadas à automação, mediação e assim por diante. Mas meu interesse de pesquisa é a história das bibliotecas e do livro, sobretudo, a experiência dos bibliógrafos do Séc. XVI e XVII, no período da formação da Europa moderna. Também pesquiso as bibliotecas e os livros no contexto histórico-cultural do monaquismo beneditino). O que eu entendo é que esses estudos podem nos dar uma luz sobre as práticas bibliotecárias contemporâneas. Então meu interesse acaba transitando pelo universo da história, mas dentro da área de Biblioteconomia.
E. S.: Qual a visão geral que vocês têm da área da Biblioteconomia atualmente? O que vocês consideram positivo e negativo?
A. C.: Falar de uma área é extremamente complexo, percebemos que de certa forma a Biblioteconomia como as outras áreas, as disciplinas científicas na verdade, vêm sofrendo um impacto fruto de uma determinada configuração social, que é a penetração das tecnologias no nosso cotidiano. Isso também traz efeitos para as práticas profissionais, efeitos que de certa forma acabam reverberando no que podemos chamar de uma nova postura no cotidiano. Isso faz com que o bibliotecário precise se expor, por exemplo, se pensarmos na presença da internet no nosso cotidiano, mais precisamente do Google no nosso cotidiano. Isso afeta diretamente a postura e o trabalho do bibliotecário perante o mundo, então ele precisa se colocar porque a sociedade está pedindo que ele se coloque.
A. A.: Realmente, como o Alberto comentou, é uma questão bastante complexa. Eu vejo dois focos, tentando fazer uma leitura dessa nova Biblioteconomia, a contemporânea: de um lado toca no que nós conhecemos dentro da universidade, e de outro lado aquilo que nós conhecemos no mercado de trabalho. Em relação à universidade, muitas delas têm se preocupado em rever seus currículos, de modo a tentar acompanhar as mudanças sociais inclusive mercadológicas. Muito embora eu considere que a demanda mercadológica não possa ser a chave principal para mudança de currículos e também para uma mudança de postura profissional. A experiência mercadológica é uma parte da experiência que nós podemos ter enquanto bibliotecários, porque o bibliotecário não é somente profissional, ele é um indivíduo que tem seu papel social, histórico-cultural e que também pode atuar no mercado. Então, de um lado, vejo a experiência das universidades e que algumas delas tentam se adaptar. Dentro delas talvez um ponto negativo que exista é o seguinte: em que medida esse diálogo com o mercado de trabalho tem transformado os próprios fundamentos da Biblioteconomia? Respeito inteiramente e entendo que as tecnologias são importantes para o nosso exercício profissional, mas nós precisamos utilizar essas tecnologias como meio para dar representatividade às práticas bibliotecárias. O que às vezes observo como predominante em alguns currículos é que existe uma abordagem altamente tecnológica para não dizer tecnicista e, também, uma visão extremamente mercadológica e que se esquece do fundamento. Então minha preocupação é: que profissional nós formamos diante deste panorama? E, na outra ponta, como eles levam isso para o mercado de trabalho? São questões importantes mas não resolvidas, porque voltamos aos antigos dilemas que sempre acompanharam a nossa área, mas que em tempos de internet acabam se acentuando muito mais. Agora, um ponto muito positivo que vejo na Biblioteconomia contemporânea são as ”n” possibilidades que nós temos. Eu me formei há 10 anos na graduação e não haviam tantas oportunidades e possibilidades para os jovens de hoje, isso é impressionante. Eu sempre me lembro do trabalho de conclusão de curso que eu realizei e que escrevia cartas para os monges do mundo todo. Hoje em dia mandaria tudo pela internet, e teria mais tempo para traduzir os textos em Latim para o português, já que os monges, na maioria das vezes, me respondiam em Latim, era uma loucura… Então vejo que o universo informacional é muito amplo, portanto precisamos educar os jovens a fazer um bom uso deste universo. Esse é o desafio maior, pelo menos para nós que somos professores, não é Alberto?
A. C.: A questão que o André colocou do diálogo com o mercado para formação, ela precisa ser pensada. Percebo que há uma pressão, de certa forma invisível, como se fosse a mão invisível do mercado tentando impor determinadas práticas e determinados perfis que as universidades precisam responder. Mas a universidade deve pensar se é adequado responder a esses perfis, se nos colocarmos na posição de somente responder as demandas que o mercado está trazendo, estabelecendo uma relação com questão da tecnologia e da técnica, vamos acabar pegando a técnica pela técnica. A técnica vira o ponto principal da nossa formação. Então, por exemplo, claro que todos nós aqui somos bibliotecários e sabemos da importância das técnicas de descrição bibliográfica ou das técnicas de indexação, mas descrever um documento bibliográfico é muito mais do que apenas operar um instrumento, do que saber operar um determinado código que atualmente seja utilizado em nossa sociedade. Em outros momentos uma determinada técnica pode sair do circuito para a entrada de outra, como já vem acontecendo com a adoção dos Requisitos Funcionais para os Registros Bibliográficos (FRBR) e se não tivermos base nos fundamentos, realmente vamos acabar nos perdendo. Porque não é só o instrumento pelo instrumento e isso vale para toda técnica e para toda tecnologia. Achar que a tecnologia ou que as tecnologias da informação de da comunicação irão salvar o mundo é perigoso. Claro que elas facilitam, por exemplo, o André citou aqui o seu trabalho de pesquisa que precisava entrevistar os monges e isso era feito através de cartas, demandava um tempo, hoje isso está muito mais acelerado, mas precisamos saber como o bibliotecário vai se apropriar dessas novas tecnologias para transformar o seu cotidiano.
E. S.: E vocês acham que a Biblioteconomia tem ficado mais tecnicista do que humanista? Uma coisa excluí a outra?
A. C.: Eu não sei se ela tem ficado, Emília. Eu vejo que há bastante tempo o foco está no que estamos chamando aqui de tecnicismo. Vejo que essa dicotomia é falsa, ela não precisa existir, mas de certa forma esse lado humanista tem ficado em segundo plano. Não é apenas na formação do bibliotecário e nas práticas dos profissionais de Biblioteconomia, é uma questão da sociedade como um todo, da formação como um todo. No ensino fundamental e médio atualmente, as disciplinas mais humanistas,têm sido relegadas a segundo plano, isso se reflete na própria configuração do mundo da ciência no Brasil. Quando falamos em ciência é difícil fugirmos a um determinado esteriótipo, soa “estranho” nos apresentarmos como cientistas, mesmo se estamos desenvolvendo pesquisas científicas, porque, em nosso imaginário, cientista é o cara que está no laboratório, é o cara que está desenvolvendo a cura para Aids ou uma tecnologia X para operar melhor os aparelhos de rádio, por exemplo. A ciência ainda está muito colada com as áreas duras, enquanto as áreas humanas sempre ficam a reboque disso, não vejo que seja uma particularidade da Biblioteconomia e sim um reflexo desse contexto que nós vivemos, por isso nós bibliotecários devemos ter atenção para esse lado que não é tão visto.
A. A.: Eu penso que na realidade existe uma prática muito forte dentro das universidades de constituírem seus currículos demarcando os extremos de cunho tecnológico e isto corresponde às demandas do mercado. Como o Alberto bem colocou, não podemos pensar essas questões de uma maneira micro, elas estão entrelaçadas a um contexto mais amplo, mas se nós fizermos uma analise panorâmica da área, do ensino de Biblioteconomia, eu sinto que existe em muitas universidades uma postura que mais observa as disciplinas técnicas do que humanistas. Eu penso que as disciplinas humanistas ou humanísticas foram e têm sido deixadas de lado em importantes universidades do país… Como eu disse, acho que a primeira razão para este panorama é mercadológica e a segunda vai ao encontro daquilo que o jovem que estuda Biblioteconomia acaba entendendo que é o campo da informação e do conhecimento nos dias de hoje: os produtos e serviços da web. Eu penso que essa postura mais técnica dificulta uma abordagem reflexiva sobre as nossas práticas… Um bibliotecário interessado em história não deseja transformar os currículos da universidade em disciplinas estritamente historiográficas. A história, sociologia e filosofia são áreas que nos ajudam tanto arejar algumas práticas engessadas no cotidiano, quanto refletir sobre nossos instrumentos de trabalho. Todo sistema de classificação, de catalogação, ações de representação temática e descritiva, passam por abordagens teórico-metodológica que nos possibilitam refletir sobre as práticas bibliotecárias. Mas em que medida? Na medida em que, por exemplo, a escolha de qualquer sistema, não é imparcial. Então eu penso que nas escolas existe uma tendência fortemente tecnicista, pelo menos na minha leitura. Se estas questões ainda se colocam hoje, precisamos pensar sobre elas. Vejamos que o que havia dentro das práticas bibliotecárias, em determinados momentos históricos, era uma visão ampla dos saberes e do conhecimento, como se as práticas que ocorriam dentro das instituições de informação não estivessem desgarradas do fora. O que eu vejo hoje é que algumas práticas biblioteconômicas se desprendem do “fora”. Então é a prática pela prática somente. Isto me preocupa de certa forma, porque acabamos desenhando uma nova paisagem dentro da nossa. É como eu digo para os meus alunos: sempre vale a pena refletir sobre aquilo que buscamos conhecer. Se você vai ficar no mercado ou escrever um livro, um artigo ou debater, em qualquer contexto social que seja, isso é outra história, mas agora precisamos tentar batalhar pela busca de uma formação mais sólida, e, inevitavelmente, as disciplinas histórias, sociais, culturais, nos dão condições para repensar os instrumentos de representação descritiva e temática. Mas existe outra questão importante, em que medida essa postura mais humanista abriria ou não possibilidades de atuação profissional para o bibliotecário? No final a Biblioteconomia vai virar outra área? Então vamos ficar historizando e filosofando a informação? A questão é atrelar outras frentes de trabalho. E eu penso que algumas das disciplinas humanistas foram deixadas de lado justamente porque se perdeu o interesse. Eu leciono uma disciplina chamada “História do Registro da Informação”. Muitos alunos já a vêem com a ideia da web 2.0 e com as questões ligadas a internet e eu digo: “as práticas de informação são muito antigas, a ideia de rede e de registro também é antiga, então vamos tentar fazer um movimento inverso para vocês verem que as coisas não são dadas da noite para o dia”. Existe uma história e uma constituição sólida por trás. Eu penso que este percurso pode ajudar o jovem estudante de Biblioteconomia a ter uma prática mais sólida e menos tecnicista, dentro da chamada nova Biblioteconomia.
A. C.: Vejo que é importante pensarmos em uma das situações levantada pelo André: um ponto não está descolado de outro. O fato de você dar uma atenção as disciplinas que chamamos aqui de mais humanistas, não implica em um descolamento da faceta tecnológica da profissão. Claro que hoje, de acordo com as demandas da sociedade é impossível pensar em um bibliotecário que não tenha conhecimento de inglês ou de outra língua, é impossível pensar um profissional da informação que não saiba operar minimamente um Office, que não saiba navegar na internet e que não conheça esse mundo que se coloca para todos nós. Ter acesso na sua formação a esse conteúdo não significa que você não vai refletir sobre ele, toda essa tecnologia é datada e apropriada, temos que olhar para ela pensando nos efeitos da tecnologia em nosso cotidiano, caso contrário corremos o risco de tomarmos a técnica pela técnica. Tem outro aspecto nessa dicotomia – que é produzida. Quando vamos para o mundo da produção acadêmica, que chamo aqui de mundo da pesquisa, se fizermos uma análise dos principais periódicos da nossa área, percebemos que os temas cujos objetos estão ligados a esse lado humanista, como por exemplo, reflexões sobre o papel social da biblioteca e do bibliotecário, perdeu espaço. Tais reflexões freqüentam com pouquíssima assiduidade não só as principais revistas da área, mas também as dissertações e teses da nossa área, então é um ponto que precisamos pensar, porque esse lado está sendo esquecido.
E. S.: Uma questão que eu queria saber a opinião de vocês é sobre a imagem do bibliotecári. Quando estava prestando vestibular há sete anos atrás, eu tive acesso a uma revista de carreiras que trazia uma lista sobre as profissões do futuro e o bibliotecário estava nessa lista. Semana passada li uma revista do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e tinha uma lista de profissões do futuro, o bibliotecário ainda está lá. Por outro lado às vezes me apresento para as pessoas como bibliotecária e elas não sabem o que faz um bibliotecário atualmente, para que ele serve. Então o bibliotecário é uma profissão do passado ou é do futuro? E quando ela vai ser uma profissão do presente?
A. C.: Acho que podemos cair na mesma questão de que o Brasil é o “país do futuro”. Desde a minha infância eu escuto que o Brasil é o “país do futuro”. Desde que entrei na universidade na década de 1980 o bibliotecário seria o profissional do futuro, essa afirmativa ganha força com penetração das tecnologias da informação e comunicação no nosso cotidiano, ela ganha força com a internet. Ano passado, durante uma palestra do professor Carlos Alberto Ferreira sobre arquitetura da informação, ele citou que no processo seletivo do Google as habilidades profissionais que o Google estava pedindo para a vaga, todas voltadas a organização do conhecimento, a construção de taxonomias, só que o Google não estava pedindo bibliotecários, estava pedindo o profissional que tivesse tais habilidades. Então o espaço está ai para ser ocupado, mas a questão é se nós temos competência de ocupa-lo. A questão da imagem, vejo ainda que essa narrativa é semelhante a que acontece com o “Brasil é o país do futuro”, porém, como sabemos, muitos de nós brasileiros ainda vivemos em uma situação sócio-econômica complicada. O bibliotecário é a mesma coisa, é a profissão do futuro, mas se formos traçar o perfil e a imagem do bibliotecário na sociedade, o bibliotecário ainda não ocupa politicamente os espaços. Recentemente aqueles que acompanham as redes sociais viram que algumas situações que dizem respeito a nossa identidade profissional vêm reverberando nas redes sociais. Vou pegar apenas um exemplo para discutir a questão da imagem e ocupação política desses espaços. No início do ano ocorreu um debate em âmbito internacional sobre a tentativa do congresso norte-americano em emplacar duas leis, que ficaram conhecidas pelas siglas SOPA e PIPA e que afetam diretamente questões relacionadas ao direito autoral. Na minha percepção, isso é uma questão que nos afeta enquanto bibliotecários, em virtude da minha pesquisa nas redes sociais, eu tive a oportunidade de acompanhar historiadores se pronunciando sobre o tema,, eu vi massivamente os profissionais da comunicação se envolvendo no debate, enquanto vi poucos bibliotecários se pronunciando. Já em outra situação, tivemos nesse mês de maio, a publicação de uma reportagem em uma revista de circulação nacional intitulada “Dê adeus às bibliotecas” em que o jornalista mexia diretamente nessa imagem do bibliotecário e nós vimos massivamente a classe bibliotecária se manifestando nas redes sociais. Não é que a classe não tenha que gritar quando se está mexendo em uma questão relacionada asua identidade, é claro que ela tem que gritar, mas vejo que existem questões tão importantes e que infelizmente não conseguimos ocupar politicamente determinados espaços e tal postura reverbera na construção de nossa imagem. Talvez mais do que brigar com o jornalista afirmando que aquela bibliotecária velhinha de óculos não existe mais, se passássemos a ocupar determinados espaços, o espaço público, a nossa imagem poderia ser modificada.
A. A.: Entendo que essa imagem ainda é nebulosa. Na realidade, existem algumas exceções de profissionais que desde a época de sua graduação já se destacam em sala e depois, no campo profissional, acabam avançando um pouco mais a linha no campo da informação e na transformação social e histórica. Quando esse profissional consegue avançar essa linha, ai sim em momentos muito isolados, a sociedade consegue visualizar que ele é um bibliotecário, ele pode atuar nessa frente também, ele pode participar desse processo também. Claro, estou falando de uma maneira bastante panorâmica, mas entendo isso como exceção e que ainda assim, no micro contexto social, a visão que se tem é essa. A primeira pergunta é o que faz exatamente esse profissional? Está na biblioteca? Atrás do balcão? Dentro de um discurso social, permanentemente a visão ainda é muito restrita. Quando nós saímos da universidade, quando nós saímos dos institutos de pesquisa, porque dentro das universidades, dos estudos de pesquisa e das grandes corporações, (mesmo Petrobrás e outras grandes empresas) temos muito claro qual é o potencial e até onde o bibliotecário pode ir, mas eu não sei se isso é suficiente uma mudança social brusca. Entendo que a postura tem que ser muito mais incisiva. Eu penso que o bibliotecário tem que demarcar mais a sua presença dentro dos contextos sociais, nas esquinas, nos pontos de ônibus, para que depois possa atrelar isso a uma prática profissional. Essa imagem é nebulosa ainda porque de certa forma existe um discurso que uma parte do mercado aceitaria esse profissional da informação, o chamado profissional. Vamos colocar entre aspas o profissional da informação, porque senão vamos entrar em outra discussão, de qual seriam as categorias do profissional da informação, embora muitas vezes sabemos que dentro da nossa área ocorreu uma apropriação desse termo profissional da informação como se fosse uma exclusividade, na verdade sabemos que não é. Eu penso o seguinte, essa imagem ainda é uma imagem parcial justamente por que existem grupos muito específicos que conseguem visualizar o poder da Biblioteconomia, da sua capacidade de transformação social e histórica, mas em contrapartida existe outro grande grupo que não consegue visualizar isso, porque existem muitos bibliotecários profissionais, salvo as exceções, que atuam com certo ressentimento social de algo que não foi atingido na história. Por que, por exemplo, o bibliotecário não pode ter uma posição tão importante quanto um grande empreendedor ou um empresário? Ele pode, mas são exceções. Em grandes instituições de pesquisa, por exemplo, acho que o Alberto tocou em um ponto muito importante. Precisamos em algum momento começar a ocupar instituições e cargos que o bibliotecário possa desenvolver de maneira positiva e tão bem quanto outro profissional, mas porque ele não está presente? Que ressentimento é esse? É o medo? É uma insegurança? Ou questões de ordem curricular que não fornecem conhecimentos suficientes para o bibliotecário avançar? Porque não devemos culpar somente o ensino da graduação, de forma nenhuma desejamos que a graduação resolva todos os problemas, o que nós fazemos no fundo com os alunos é abrir o leque e mostrar as possibilidades. Enfim, vejo que ainda é uma imagem nebulosa porque ela não avança para o seu potencial, entendo que o bibliotecário pode demarcar espaços amplos, mais do que ele demarca nos dias de hoje, mas ainda estamos caminhando, podemos nos aliar a esse panorama das tecnologias. O Alberto tocou em um ponto muito interessante e qualquer bibliotecário pode exercer dentro do Google atividades de organização do conhecimento. Existem algumas práticas que outros profissionais podem desenvolver, mas algumas delas, no que toca ao tratamento da informação, são inerentes à profissão de bibliotecário. Por isto a categoria precisara demarcar muito mais isso e ser um defensor, estimulando novos discursos. Você faz Biblioteconomia? Faço. Não é para falar “Biblioteconomia é isso”, tem que dar uma micro-aula de cinco minutos para a pessoa entender que é uma atuação e profissão importantes, vale a pena conhecer um pouco mais, ou seja, não podemos ter medo de sermos bibliotecários.
E. S.: O Alberto comentou a respeito da matéria do Giron, gostaria que vocês falassem sobre isso, é uma coisa que gerou polêmica. Outro fato foi o direito de resposta que o Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) teve, vocês acham que essa resposta foi suficiente para resolver a situação?
A. A.: É interessante: essa matéria, no primeiro momento, causa uma certa indignação porque toca em questões de identidade da nossa área, mas depois parei para pensar um pouco nas razões e em que veículo o texto foi divulgado. Tudo isso devemos levar em consideração. Então, no primeiro momento, uma breve sensação de indignação, mas depois parei para pensar o porque ele tinha essa imagem, porque essa imagem foi construída, será que no todo ele está errado? Talvez tenha se desenhado uma imagem estereotipada, mas de certa forma em que medida parte dela corresponde a uma realidade? Entendo que sim, parte dela corresponde a uma realidade cotidiana. A de profissionais que ainda tem um certo ressentimento, uma certa dificuldade ou medo de se mostrar. Não estou aqui para dizer se foi certo ou errado, mas a matéria já valeu por esse ponto, por promover o debate sobre a nossa imagem e nos questionarmos, então isse já é um mérito da matéria. Embora em alguns pontos ocorra plena falta de informação, por parte de quem escreveu a material, existe outro elemento: a material estimula elementos positivos e negativos para o debate. Em relação à posição do CFB como um órgão representativo da nossa classe, embora tenha ocorrido nas redes sociais uma discussão muito grande sobre associações e até que ponto devemos rever e reformular as propostas e objetivos, penso que a postura deveria ter sido um pouco mais incisiva, no entanto não digo a vocês com propriedade, porque nunca me envolvi com o conselho, quero dizer nunca tive um envolvimento instituicional, não sei internamente quais são as implicações de determinados posicionamentos sociais. Mas na minha visão de fora, uma postura mais incisiva deveria ter sido feita, algo que de fato aumentasse mais esse debate e não só para as redes sociais, seria o momento de convidar ao debate do que foi montado, vamos ver agora o quanto machucou esse calo e levar isso para as universidades e assim por diante.
E. S.: Eu não sei qual foi o espaço de resposta que o CFB teve, pode ter sido limitado.
A. A.: Sim, eu acompanhei isso pelo Facebook somente, acredito que no site do CFB deve ter saído algo, mas eu visualizei isso dentro do Facebook, mas veja é um contexto também micro na verdade, isso precisaria ser alargado de certa forma e cabe às associações e aos conselhos promoverem esse diálogo amplo. Sua pergunta é muito interessante, não estou aqui para julgar a figura que escreveu a matéria, mas tocou em questões importantes.
A. C.: Iria na mesma direção do André. , É um episódio bom para pensarmos essa imagem da profissão. No que diz respeito à resposta do CFB, devemos levar em consideração esses pontos que o André colocou: primeiro as condições de publicação dessa matéria, o canal que ela está sendo veiculada e que o CFB tem uma posição institucional, é diferente quando eu cidadão respondo alguém em uma rede social na internet ou em um meio de comunicação, tem uma diferença quando sou representante de uma academia, quando sou um professor, carregamos essa imagem, mas vejo como o André que seria uma boa oportunidade para aprofundarmos o debate dessa imagem.
E. S.: Vocês são professores jovens da nova geração de bibliotecários, como vocês enxergam a nova geração, a atuação dela e como ela está sendo formada?
A. A.: Atuei dez anos como bibliotecário, tive a oportunidade de trabalhar com diferentes grupos e projetos. Na atuação profissional percebo um interesse muito grande de jovens que lidam com a questão do tempo de uma maneira muito curiosa. Embora você tenha dito que somos jovens, vejo um abismo entre o perfil do bibliotecário que se formou há dez anos com os bibliotecários de hoje, pelo menos fazendo uma análise comparativa entre as questões de postura e de interesses profissionais. É claro que os jovens – isso em todas as áreas e em todas as profissões – saem da graduação e precisam buscar seu amadurecimento. A universidade possibilita isso de forma brilhante quando o estudante encara os estudos de forma séria, seja na iniciação científica, na pesquisa. O percurso de pesquisa, embora sinalize uma experiência acadêmica para o futuro, pode transformer a atuação professional, inclusive. Em relação ao perfil do estudante de BIblioteconomia eu tenho percebido o seguinte: em São Paulo estava habituado a dar aulas para adultos, predominantemente, que trabalham ao longo do dia e que vão à noite para a sala de aula. Vários não conseguiam ler os textos propostos ou mesmo atingir um nível de debate tão profundo, mas o grande interesse e a vontade de aprender era tão grande, que para mim esse já era o maior mérito. Isto tem a ver com a condição e a urgência de se trabalhar logo para sustentar a família, etc. Não quero dizer que é uma particularidade de SP e não do Rio, o Alberto pode dizer como isso se configura na UNIRIO, mas já na minha experiência atual na UFRJ me deparo com um grupo de alunos tão jovens, que tem uma habilidade com os recursos tecnológicos impressionante. Mas ao mesmo tempo precisamos fazer um trabalho cuidadoso em sala de aula, no sentido de estimular a leitura. Vejo que a leitura é a peça chave mais problemática que nós temos trabalhado hoje em sala de aula. Parece um contra-senso: temos um perfil tão interessado e que articula tão rápido as questões tecnológicas, mas que precisa de estímulo para ler. Não importa se damos bem a disciplina de catalogação, classificação, bibliotecas e sociedade ou história do registro… somente a leitura pode transformer. Há também uma certa ansiedade de já querer resolver questões que não podem ser resolvidas no primeiro ano de graduação, isso me preocupa. E o mais grave: uma certa competitividade. Isso também me assusta. As vezes ela ocorre logo no primeiro ano de graduação. Isto corresponde a uma questão que o Alberto colocou, o mercado é competitivo, então isso vai impactar no modo como o aluno entram no ambiente da universidade. Esses problemas existem e, enquanto professores, precisamos tentar mapear essas questões que são urgentes e estimular uma formação sólida não somente no perfil das disciplinas, mas também no modo como o aluno atua dentro dessas disciplinas. A leitura, a reflexão e o debate que vão permitir isso também. Trocando em miúdos, não quero dizer que exista necessariamente uma superficialidade comparada com a formação anterior, porque há dez anos quando me formei também existiam problemas, mas hoje dada à quantidade de informações que temos o tempo todo, nós precisamos fazer um trabalho de acompanhamento, precisamos estar muito presentes e tentar de uma maneira crítica estimular a visão transformadora da nossa área.
A. C.: Vejo que o André contextualizou esse momento do novo profissional, gostaria de propor e pensar aqui com vocês a partir de dois prismas. O primeiro prisma seria de um profissional que faz parte da geração que nasce sobre a égide da internet, isso tem um reflexo direto no cotidiano, são alunos que tem uma relação muito estreita com a tecnologia e com a convicção que estão conectados o tempo todo, sofrem os efeitos da explosão informacional, porém também são jovens cuja formação educacional deixa a desejar em alguns pontos, principalmente no ponto que o André colocou a leitura e a reflexão. Claro que não dá para falar em efeitos comparativos aqui, somos mais superficiais do que éramos na década de 70 e 80? Mas, é preciso considerar que essa avalanche de informação nos leva a certa superficialidade, se pensarmos na cibercultura, uma de suas características é a velocidade dos processos sociais, velocidade essa que reverbera as práticas de leitura. A leitura em um monitor tem suas particularidades. Não estou aqui fazendo apologia a um suporte ou a outro, mas alguns autores dizem que ler na tela é muito mais rápido do que ler um texto impresso. Em um segundo prisma temos que considerar a questão da participação política do profissional bibliotecário. Hoje com as chamadas ferramentas colaborativas, percebemos que há um movimento para que haja uma participação maior das pessoas no seu cotidiano, essa participação é de certa forma controlada, mas ela ocorre. Por exemplo, se estamos vindo para a universidade e no caminho presenciamos um acidente, podemos tirar uma foto e encaminhar para um portal de comunicação, e essa foto pode ser publicada. Existe hoje um movimento de maior participação da sociedade em determinadas questões e esse novo profissional, sempre colocando entre aspas – porque ele é novo no sentido de que hoje as condições que estão postas são diferentes do que eram alguns anos atrás – precisa pensar não só do ponto de vista desse indivíduo que é conectado, mas também do ponto de vista do individuo que luta pela sua cidadania.
E. S.: Qual a posição de vocês em relação à greve de professores nas Universidades Federais?
A. C.: A greve é justa, hoje nós vivemos na universidade um movimento de expansão universitária com o REUNI, movimento do qual eu sou fruto e provavelmente o André também, pois, tivemos professores contratados através disso, porém isso também implicou em abertura de novas vagas, abertura de novos cursos, no nosso caso da UNIRIO houve uma reformulação do currículo do bacharelado em Biblioteconomia e a abertura do curso de Licenciatura, isso implica em mais turmas, mais salas, ter uma biblioteca melhor equipada, ou seja, isso implica em ter uma estrutura que comporte tudo isso. Vou fazer três anos agora na UNIRIO, atuei como bibliotecário e estudei em universidade pública, então são mais de vinte anos em universidade pública, não tenho a experiência de uma universidade particular para efeitos comparativos, mas vejo que as nossas condições de trabalho deixam muito a desejar, aqui na UNIRIO especificamente no Centro de Ciências Humanas e Sociais, o professor não tem sala para trabalhar, isso tem uma série de implicações, por exemplo, não posso reunir meus bolsistas de pesquisa para fazer reuniões semanais porque não tem espaço, não temos espaços para orientação de alunos. O fato de os professores não terem salas de trabalho dificulta a presença dos professores na universidade, se todos eles ficarem na universidade não tem espaço para todo mundo, não tem computador, não tem mesa. Aqui atualmente nós lutamos por salas de aulas, estou falando da realidade das universidades do país, já fui aluno da UFF e a situação não era diferente, trabalhei durante quinze anos na UERJ, apesar de estar em outra instância a situação não é diferente. A greve é justa, agora é preciso pensar nas formas de reivindicação, me pergunto se a atual forma seria a melhor, mas não sei se existe outra.
A. A.: Essa pergunta é muito interessante porque de certa forma toca diretamente em nossa atuação como professor e também nos obriga diretamente a pensar a própria condição do professor dentro da universidade pública no Brasil, hoje. Considero que a greve é justa por todas as questões que estão sendo debatidas, elas não giram somente em torno do salário, mas também em em torno do plano de carreira. As condições que o Alberto colocou é um ponto chave, porque de certa forma como podemos gerenciar uma atividade de ensino e pesquisa sem espaço físico para que seja realizado. Na UFRJ vivemos essa mesma questão, o nosso curso é bastante novo comparado com o da UNIRIO, embora todo o grupo de professores e a nossa coordenadora (Mariza Russo) trabalhem duramente para o desenvolvimento do curso e tentem ao máximo ocupar os espaços. Percebemos que essa batalha é interminável e necessária, porque não temos salas de aulas, salas para orientar alunos, computadores como um dos instrumentos para desenvolver nossas pesquisas. É como um contra-senso mais uma vez: ao mesmo tempo que existe uma política de expansão da universidade, então a pergunta que se coloca é a seguinte: que expansão é essa? É uma expansão do corpo docente? Mas não basta você expandir o corpo docente, tem que expandir em infra-estrutura também, porque o docente trabalha bem em uma estrutura X para que ele possa produzir e desenvolver suas atividades, então não adianta existir uma preocupação somente em uma ponta e o Governo se esquecer de outra. Acredito que essa greve é fundamental porque, trocando figuras com alguns professores da UFRJ, me parece que há muitos anos dentro da UFRJ não existia uma articulação tão grande e uma adesão também. Participei da assembléia na semana passada, daqui a pouco vamos participar de uma nova assembléia, percebemos que os problemas são muito comuns independente das áreas do conhecimento, mas é o momento também para colocarmos em debate uma série de problemas que foram construídos paulatinamente no campo da educação. Penso que essa greve de certa forma faz parte de uma decisão inevitável porque nós precisávamos dar uma resposta ao Governo em relação a reunião que estava marcada para o dia 28/05/12 e foi desmarcada, diante de um descaso do Governo Federal. Alguma atitude precisa ser tomada, concordo também com o Alberto que existe uma série de pontos que precisamos avaliar, mas tudo ocorre de uma maneira muito rápida. A greve ocorre, mas como os departamentos vão agir diante disso? Por exemplo, no nosso departamento realmente as aulas não estão ocorrendo, mas greve não significa que todos ficam em casa, greve não corresponde a essa atitude, pelo contrário nós estamos dentro da universidade esclarecendo e convidando os alunos, promovendo atividades extras que possam somar esse percurso do aluno, para ele entender que uma greve não é simplesmente uma relação numérica por um salário e um grupo de pessoas que param de trabalhar por conta de um salário, existe uma perspectiva muito mais ampla, mas necessária. Admito que é uma experiência bastante nova para mim, que acabei de chegar na universidade pública e tem sido muito interessante participar desse debate.
E. S.: Os alunos de várias universidades já se manifestaram a favor e estão apoiando a greve. Na opinião de vocês, qual é o papel dos alunos nessa greve de professores?
A. A.: Penso que na realidade o papel dos alunos é muito importante, pois tocamos em questões de infra-estrutura em sala de aula. Obviamente que a experiência que o aluno vai ter dentro da universidade vai diretamente ao encontro das condições que ele tem para estudar. Se as condições não afetam só o professor, mas afetam também o aluno diretamente, então considero que seu posicionamento é fundamental dentro desse processo. Na UFRJ nós contamos com o apoio da comunidade discente, nem todos os cursos estão presente, mas de certa forma existem elementos que são comuns e fortalece o movimento. Entendo que os alunos que estão a favor da greve demonstram uma postura bastante consciente de que estamos lutando por algo coletivo. Ninguém está olhando necessariamente para seu umbigo, estamos em uma luta coletiva. Me chamou atenção um certo momento quando me deparei, na assembléia, com um grupo grande de alunos trocando idéias e debatendo, já é uma ação política deles nesse momento.
A. C.: O que eu iria falar era exatamente isso, é um cenário de uma luta do coletivo, o aluno passa pela universidade e tem um objetivo maior que é ganhar o diploma para atuar na sua área de trabalho, mas essa falta de estrutura nas universidades do Brasil reflete exatamente nessa atuação, nós conversamos bastante hoje sobre os efeitos da tecnologia na sociedade e na nossa profissão, mas nós damos aulas sobre bases de dados sem computadores, isso é uma influência dessa falta de estrutura, a participação do corpo discente no movimento é importante e conta nesse olhar do coletivo.