Por Mariana Filgueiras de O Globo 

Não há investimento público suficiente para a manutenção e digitalização dos acervos, não há espaço físico que dê conta da quantidade de discos, partituras e toda sorte de itens ligados à memória musical brasileira – e o que talvez seja o mais triste: não há interesse suficiente de pesquisadores por alguns arquivos raros. Pela primeira vez, dirigentes das cinco principais discotecas do país – Instituto Moreira Salles (IMS), Museu da Imagem e do Som (MIS), Instituto Cultural Cravo Albin (ICCA), Discoteca Pública do Distrito Federal e Instituto Memória Musical Brasileira (IMMUB), que certamente formam, juntas, a maior coleção do Brasil – reuniram-se na terça-feira, na sede do MIS, para apresentar as pérolas de cada acervo e discutir os problemas que cada um deles enfrenta na missão de preservar a memória musical brasileira.

– Este ano recebemos a doação de um piano que foi do Ary Barroso, onde ele teria composto “Aquarela do Brasil”. Infelizmente não temos como armazenar mais um piano. Não há espaço físico que dê conta. Um piano desses não tem que ficar guardado, tem de ser tocado. Pode ficar num saguão de um hotel – contou a presidente do MIS, Rosa Maria Araujo, à frente de uma coleção de 77 mil discos, sobre um dos principais problemas enfrentados hoje em dia pelas discotecas: a falta de espaço.

Thiago Portella, do Instituto Cultural Cravo Albin (ICCA), que reúne um acervo de cerca de 50 mil discos raros, deu uma sugestão:

– Ocupamos alguns apartamentos de um prédio antigo na Urca, e já não temos mais como receber nenhuma doação, o que fazemos quase chorando. Mas disco pesa mais do que livro. Hoje o que fazemos são parcerias com acervos como o Arquivo Nacional. Acho que uma saída pode ser fazer parcerias com universidades ou outras instituições.

Além de não receber objetos “tridimensionais”, como instrumentos musicais de artistas ou objetos pessoais, a coleção do Instituto Moreira Salles também já não aceita doações de discos de música erudita estrangeira pelo mesmo impasse.

– Precisamos fazer um corte na nossa pesquisa. Hoje o que nos interessa receber são discos de música brasileira de 78 rotações, os mais raros. E o que precisamos fazer é oferecer isso ao público. As novas gerações têm direito a ouvir a música da maneira como ela foi produzida no país, na sua época – opinou Bia Paes Leme, representando o IMS.

Outro problema relatado pelos representantes das coleções foi a falta de interesse tanto do poder público quanto de empresas privadas, mesmo via Lei Rouanet, na manutenção dos acervos. De acordo com João Carino, diretor do IMMUB, que tem um acervo de 120 mil músicas no site da instituição, depois de dez anos tentando, nunca conseguiu patrocínio.

– Acredito que o Fundo Nacional de Cultura pudesse priorizar investimentos em manutenção de acervos, porque não interessa a grandes empresas investir nisso. Se não virar uma política pública, não vai mudar – desabafou o diretor.

Há ainda um problema extra: a falta de interesse para pesquisas específicas. Uma delas é a Coleção Discoteca Pública do Distrito Federal, de 78 rpm, uma das pérolas do MIS.

– Faço um apelo: que os estudiosos venham pesquisar aqui. Temos um acervo sensacional que nunca foi acessado, e que precisa do conhecimento específico para identificar músicos e gravações – declarou o pesquisador Pedro Santos Dias, antes de exibir algumas joias do acervo, como discos-prova com gravações quase desconhecidas de Ataulfo Alves, de Heitor dos Prazeres, jamais lançadas comercialmente, e até de um coro formado para gravar com Cartola.

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