Por Bruno Alfano do Jornal Extra

Paulo César de Paula, de 41 anos, chega a subir o tom de voz quando fala de “O grande mentecapto”, livro de Fernando Sabino. O homem, em situação de rua desde 1998, é pura empolgação quando conta a história do personagem Geraldo Viramundo — que, como ele, é um mineiro andarilho com o sonho de mudar o Brasil. Paulo César é um dos integrantes de um clube de leitura realizado às sextas-feiras na Biblioteca Parque do Centro do Rio, que reúne a população que dorme nas ruas das redondezas.

— Viver na rua não é fácil, não. A gente vem para cá (biblioteca) para ter um espaço de convivência. Aqui, eles tratam a gente igual a lorde — conta o leitor e aspirante a dramaturgo, que trabalha no roteiro de uma peça baseado na obra de Sabino.

Ele conta que nasceu em Belo Horizonte e vive na rua desde 1998. Entre idas e vindas.

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Paulo César está escrevendo uma peça baseada em “O grande mentecapto”, de Fernando Sabino Foto: Fabio Guimaraes / Extra

— A gente faz umas besteiras na vida, né? Mas nunca me envolvi com droga ou bebida. Em 2010, eu desci para São Paulo e estou desde o fim do ano no Rio. Vim ajudar o pessoal de rua aqui. Sou de movimento social. Estou em tudo quanto é reunião para lutar pelos nossos direitos. A situação aqui no Rio está muito difícil. A política social daqui está mais complicada do que nas outras cidades. Mas lutando a gente consegue as coisas. Não é fácil. Mas se Deus quiser esse ano eu consigo alguma coisa no “Minha casa, minha vida” e saio de vez. Estou torcendo, vou tentar — planeja.

Numa sexta-feira deste mês, o grupo de dez moradores em situação de rua discutia “Capitães de areia”, de Jorge Amado. Religiosidade, Bahia, desigualdade social e colonização foram alguns dos temas discutidos. O discurso dos participantes do debate é marcado por um sentimento de injustiça contra Pedro Bala e outros personagens da obra que vivem nas ruas. Até que o olhar se volta para eles mesmos — e a conversa, agora, é sobre as eleições que estão por vir. O tom é de desesperança.

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‘Capitães de Areia, de Jorge Amado, foi debatido no grupo Foto: Fabio Guimaraes / Extra

— Ninguém está nem aí para a gente — reclama Paulo César, um dos mais falantes.

O grupo teve a primeira reunião em maio. A auxiliar de biblioteca Ingrid Santos, de 46 anos, trabalha perto do acervo de gibis, que atrai o pessoal de rua. Com a proximidade, convidou um grupo para discutir músicas. Depois de uma série de encontros, um deles pediu um “texto de verdade”. E nasceu a roda de leitura.

Encontro aberto

O encontro é estrategicamente realizado em áreas abertas. Quem passa se interessa. Só naquela sexta, dois novos integrantes se uniram ao grupo no meio das discussões. Dois exemplares da obra discutida são colocados na roda e amplamente manuseados pelos leitores. Ingrid conduz as discussões.

— Eu abandonei uma visão preconceituosa de que existe leitura menor. Aprendi com eles que toda literatura é importante — conta.

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Alessandro dos Santos, de 40 anos, gosta de ir para a biblioteca ler gibis, mas recomenda obra de Paulo Coelho para leitura Foto: Fabio Guimaraes / Extra

Empréstimo de livros

Fábio Moraes é o mediador social do local. Ele é o responsável por fazer do espaço um local integrado. Além da roda de leitura, a Biblioteca Parque também tem um coral com moradores em situação de rua e um encontro semanal de cinema. Fábio ainda criou um cadastro específico para quem não tem endereço fixo. Assim, eles têm carteirinha como qualquer outro usuário — com direito, inclusive, a empréstimo de livros.

— E a taxa de devolução é mais alta do que entre quem tem comprovante de residências — afirma Moraes.

O conceito de Biblioteca Parque nasceu na Colômbia como um espaço de convivência e promoção de cultura em locais degradados. No Rio, a primeira unidade foi inaugurada em Manguinhos há seis anos. Agora, além do Centro, há na Rocinha e em Niterói.

Alessandro dos Santos, de 40 anos, é um dos que fizeram o cadastro especial. Tem o orgulho de ter trabalhado na obra da Biblioteca Parque de Manguinhos. E se sente em casa na do Centro.

— Gosto de ler os gibis, desde criança — opina: — Mas eu recomendo que as pessoas leiam “O Alquimista”, do Paulo Coelho, porque é muito bonito mesmo.

Fábio Moraes explica que o perfil da população em situação de rua mudou. Antes, problemas de saúde e vício eram as principais causas. Agora, segundo ele, a maior parte dessa população é de gente que vem de longe para trabalhar nas ruas do Rio e acaba não voltando para a família.

— O laço com a família vai se perdendo, mas eles mantém a referência de casa — diz.

Preocupação com o futuro do projeto

A continuidade do trabalho, no entanto, preocupa. É que o estado, falido, não tem dinheiro para custear as bibliotecas. Por isso, a Prefeitura do Rio assumiu os custos. O medo é que a próxima administração não continue com o aporte financeiro.

— Tem que ter continuidade. O modelo que trabalhamos funciona — defende a diretora do local, Adriana Karla.

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