“Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira”, dizia o escritor russo Leon Tolstoi, eterno grande mestre da literatura, autor dos famosos “Guerra e Paz” e “Anna Karenina”. O olhar de espanto diante da grandiosidade da natureza andou e anda lado a lado com a visão utilitária com que a espécie humana dela se serviu e se serve, ainda que a reverencie em versos e prosa. Reverência que, no caso brasileiro, tem na carta de Pero Vaz de Caminha o início do deslumbramento e do sangramento de um dos biomas mais preciosos do mundo, a Mata Atlântica.

Assim escreveu Caminha: 

“Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até a outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos”. 

Deste texto em diante, da cobertura original de 1,3 milhão de quilômetros quadrados, nas áreas litorâneas desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul, restam apenas 7,3%. Assim, o que era o segundo maior bioma do continente, depois da Amazônia, tornou-se a quinta área mais ameaçada do planeta.

Tomo a Mata Atlântica como exemplo para falar de uma relação histórica e universal de crescimento e enriquecimento a qualquer custo, onde a supressão do ambiente natural segue sendo a conta a ser paga em nome de…. bom, qualquer palavra serve, uma vez que a vida de uns não pode custar a vida de outros.

O texto “Piracema” de Paulo Groke, meu grande amigo e parceiro que é engenheiro florestal, faz uma afinada e contemporânea reflexão sobre a relação burocrática que a atual geração tem com o ambiente natural e qual a chance, a partir daí, de nascer uma percepção integradora e afetiva entre ser humano e natureza. Uma percepção que permita existirmos causando o máximo de bem e o mínimo de dano a todas as vidas, porque nos sabemos e nos sentimos parte dela, porque apreciamos, que é algo bem diferente de temer o que deixaremos de “ter”. Ter, esse verbo tão danado que promove apropriação. Apropriação para o marketing, pessoal ou institucional, que não finca raízes geradoras de um novo bom e melhor sustentáveis.

“O que essa lacuna de convívio e carinho poderá representar? O fim do respeito e o início do medo? O fim do contemplar, do se sentir parte integrante? Não sei aonde chegaremos, mas isso não me parece bom. Posso dizer que vivi o melhor dos mundos, mas ainda corro o risco de ver o seu pior”.

A preocupação dele é também a minha e a de Rita Mendonça, bióloga, fundadora do  Instituto Romã, amiga e parceira de longa data: como promover no miudinho do dia a dia uma relação com sentido, coerente e afetiva ao invés de burocrática, funcionária, desvinculada? Como inverter o medo de que “faltará planeta para nos servir” para o medo diante da morte anunciada da divina expressão da VIDA em toda a sua diversidade neste planeta? Menos a manchete sobre o que deixaremos como herança para nossas(os) filhas(os, es) e mais a convicção de que “não somos donos da teia da vida, mas um de seus fios”, como diz o escritor Daniel Munduruku?

A vida, em toda a sua expressão, corria solta neste mundão muito antes de aprendermos a usar as palavras para nomear, expressar e passar adiante nosso espanto, arrebatamento, maravilhamento ou medos diante dela. Nós, a única espécie por aqui dotada de uma tecnologia de extrema potência, a limguagem humana, e de uma consciência perturbadora acerca de nossa finitude. Yes, morremos!  E a natureza, ora!, a natureza nos antecede e precederá, sempre. Daí a pulsão para submetê-la, controlá-la? 

Bem disse o jornalista Daniel Piza: “a pretensão de controlar a natureza é que deveria ser controlada”. É de Daniel também a eloquente afirmação: “o ser humano esqueceu de cuidar do ambiente – e, ao fazer isso, terminou cuidando mal de si mesmo”. Ambas estão em “Leituras da natureza”, uma publicação de poucas páginas e profundas reflexões acerca de como há muito a literatura vem descrevendo como a nossa vida está plasmada no ambiente que nos cerca, que a subjugação de uma está atrelada à subjugação das vidas e que cuidar de uma é cuidar de tudo e do todo.

“Quando os indivíduos não se veem pertencentes à rede que tece todas as relações em uma sociedade, mas apenas a um grupo ao qual atribui direitos singulares, estão prontos para o preconceito, explícito ou velado”.

Educar os sentidos

Educar para os cuidados com a vida pressupõe coerência no miudinho do dia a dia: em casa, na escola, na rua, no chão que a gente pisa. Educação que nos tire da zona de conforto e indique caminhos, que nos livre de aderir às campanhas fáceis, ir além do fechar a torneira quando escovamos os dentes, mas também fechando; repensando nosso modo de vida e de consumo e optando por apoiar iniciativas de economia solidária, bem diferente do “mercado verde” – que tem verniz mas não tem efeito; cuidando de si e do próximo, pois é mais comum ter gente plantando árvores (melhor ainda se for num “clic”, sem jamais saber se crescerão…) do que ter gente sendo generosa e solidária com pessoas. Educação que nos alerte que ativismo de sofá não vale! Que não adianta seguir a recomendação de não imprimir se você é daqueles que trocam de gadget eletrônico toda vez que muda o design

Há muitos projetos bacanas pensados e implementados por educadoras(es) Brasil adentro, onde muitos verbos são conjugados anunciando que o ambiente é inteiro. Afinal, não faz qualquer sentido falar de água ou de florestas enquanto se segue ferindo e descuidando de nossa vizinhança humana. Para tudo que é grave e sério e é importante não há respostas fáceis, mas há caminhos possíveis: amar, acolher, plantar, refletir, cuidar… Na publicação “Saber Cuidar: Rio+20 e eu com isso?” muitas(os) educadoras(es) revelaram o que estavam fazendo para instigar e envolver a comunidade escolar a pensar e provar de novos saberes, para muito além das respostas fáceis e sem compromisso. Vale conferir!

Os ambientes naturais têm muito a dizer sobre as conexões existentes entre nós – seres humanos e natureza –, que precisam ser experimentadas para serem sentidas, compreendias, apreendidas, conscientizadas, desejadas, preservadas. No livro “Atividades em Áreas Naturais”, escrito pela Rita Mendonça, é possível conhecer e/ou reconhecer algumas boas ideias de interações, que também valem para o ambiente urbano, embora em ambientes naturais a aventura seja diferenciada e mais sensorial, pois saltar para além das paredes das salas de aula e ambientes murados em geral, contribui de fato para uma percepção ampliada sobre como vimos desenhando nossa arquitetura de vida no mundo. E como podemos melhorá-la. Ou preservá-la. 

Disso trata o movimento Cidades Educadoras, surgido em 1990, que tem como propósito melhorar a qualidade de vida dos habitantes. Suas ações estão pautadas em: trabalhar a escola como espaço comunitário, trabalhar a cidade como grande espaço educador, aprender na cidade, com a cidade e com as pessoas, valorizar o aprendizado sequencial e priorizar a formação de valores. A ideia básica é que nós nos humanizamos e aprendemos a valorizar e cuidar de todas as vidas por meio do convívio e do contato com outros seres humanos e em situações que nos fazem sentido, coerentes com os valores proferidos.

Em seu livro, Rita diz que “sem encantamento o conhecimento não nos afeta de verdade”. O querido e tão saudoso poeta Bartolomeu Campos de Queiros escreveu: “É preciso aprender a contemplar as sementes e deixar a palavra dizer à árvore que ela protege em seu dentro”. 

A educação precisa estar a serviço de nos “afetar” e preparar para reconhecer e acolher a diversidade, a tratar melhor a nós mesmos e todas as vidas, mínimas e máximas que nos cercam. Nestes tempos pós pandemia Covid 19, ACOLHER é, aliás, o melhor verbo para estar em ação. Há muitas dores em campo. Não é possível seguir em frente sem abraçar a infância, a adolescência, as famílias, as(os) educadoras(es).

Há caminhos e caminhantes. É preciso estar atenta(o), encantada(o) e bem acompanhada(o) para encontrar, fortalecer, estar em rede. O ambiente é inteiro!

Comentários

Comentários