Alto Araguaia fica a pouco mais de 415 km de Cuiabá, na região sul do estado de Mato Grosso. Não chega a ter 20 mil habitantes e é atravessada por uma BR, na qual passam diariamente um sem-número de caminhões. A cidade completou 75 anos no dia 26 de outubro e o que impressiona é o fato de, apesar de ter uma universidade estadual, que inclusive oferece Licenciatura em Letras e Bacharelado em Jornalismo, não há uma política efetiva no campo da leitura. E isso fica evidente pela ausência de uma biblioteca pública.

É cediço que um espaço de leitura público pode ser um instrumento fundamental na formação dos cidadãos, sejam eles araguaienses ou de outra localidade. Uma cidade que abarca dois cursos que trabalham eminentemente com a palavra acabam sendo prejudicados pela falta de uma biblioteca pública. Ainda mais por ser inquestionável o fato de a leitura ser uma ponte para o processo educacional eficiente, proporcionando a formação integral do indivíduo.

Reflexo disso são alunos que avançam pelos semestres com dificuldades de interpretação. É comum se ouvir o famoso refrão “Eu li, mas não entendi”, que acaba por ser reflexo da falta de hábito da leitura, o que não possibilita autonomia intelectual e o pensamento crítico que a profissão jornalística e de professor exige de um profissional. No entanto, não há que se falar nas vivências ou carências de leitura de um indivíduo sem situá-lo dentro das contradições presentes na sociedade em que está inserido.

A leitura não é um ato natural, mas cultural e historicamente demarcado, conforme nos ensina Perroti. E, nesse caso, a falta de uma biblioteca pública em uma cidade universitária é uma grande contradição que precisa ser superada. Tendo em vista, por exemplo, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais no campo jornalístico, o foco central deixa de ser o jornalismo impresso, e levantar a bandeira de uma biblioteca pública se faz necessário para que, aliada a um ensino que saiba aproveitar das novas tecnologias da comunicação, a formação tenha um forte caráter humanístico. É como o ciclo sugerido por Paulo Freire: para ler o mundo é preciso saber ler as palavras, e vice-versa.

Novos desafios diante de novas tecnologias

 A já anunciada “crise de leitura” continua se agravando. De acordo com Wornicov, com as novas tecnologias, o livro vem sendo substituído por outras formas de entretenimento de mais fácil e rápido consumo. Desde o surgimento do rádio e da TV, aliás, houve quem vaticinasse o fim do livro e dos jornais. Projeções erradas. O fato é que a palavra escrita nunca deixou de ser considerada uma herança cultural, aponta Martins, e o livro impresso tem sido ainda o principal instrumento na formação de cidadãos.

É neste cenário atual, de constantes mudanças, que se observa os e-readers, leitores afeitos às publicações que podem ser consumidas em qualquer lugar graças aos dispositivos eletrônicos – kindle, tablets e afins. E se não lêem nos gadgets, o suporte físico – o livro – acaba sendo transportado para o ciberespaço como forma de socialização. Ao invés do silêncio da biblioteca, o rizomático espaço virtual. Nada de tão errado para profissionais em formação, que devem estar atentos às novas mídias e a esse cenário convergente. Mas tendo em vista a contrapartida social do jornalismo e das licenciaturas, a falta de uma biblioteca pública pode deixar lacunas no processo de aprendizagem e numa leitura humanística da sociedade.

A universidade em Alto Araguaia tem uma biblioteca, mas as obras atendem apenas a uma parte da demanda – a dos cursos. Sabe-se da dificuldade para manter e atualizar um acervo considerável e atualizado, e por isso o poder público poderia se interessar – e se esforçar mais – para oferecer à sociedade de Alto Araguaia uma biblioteca pública. Uma cidade universitária que não conta com cinema, teatro ou outros bens culturais precisa, no mínimo, de uma biblioteca pública para que seja possível uma transformação do pensamento de toda a sociedade. Para que o conhecimento seja valorizado no processo de desenvolvimento do homem, a biblioteca pública deve assumir o seu papel de centro de informação e leitura da comunidade.

Mas é evidente que não basta reclamar do poder púbico: essa questão envolve também o interesse dos acadêmicos e da própria sociedade.

É preciso lutar por uma biblioteca pública

 Alto Araguaia ostenta o slogan de “A capital da alegria”, e apesar dos índices que apresenta, parece não acompanhar o fluxo informacional que marca a contemporaneidade. Não se quer aqui denegrir o município ou os acadêmicos dos cursos da universidade, quer-se apenas levantar a bandeira da necessidade de uma biblioteca pública que ofereça maneiras – livros! – para romper com a prática formalista e mecânica de leitura vista apenas como a simples decifração de códigos.

Como bem ressalta o Manifesto da Unesco sobre Bibliotecas Públicas, uma aprendizagem permanente, autonomia de decisão e desenvolvimento cultural dos indivíduos e grupos sociais passam pela porta de uma biblioteca pública. Muito mais do que um patrimônio cultural, a biblioteca pública é um espaço privilegiado que garante igualdade de acesso para todos.

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