Vencer a morte é uma obsessão antiga. A busca por elixires, fórmulas e outros “preparados” que garantem a vida eterna foi experimentada incessantemente por nossos antepassados. A jornada continua entre nossos contemporâneos e, ao que parece, seguirá com nossos sucessores. De poções mágicas a produtos estéticos, cirurgias invasivas e drogas que atrasam o envelhecimento, vale tudo para manter a juventudade – sinônimo de vida longa – acima de qualquer coisa.
Mas o dia D, o momento final, chega para todos. Não adianta fugas, ilusões ou escapismos. O inquietante documentário “A Partida Final” (original End Game – 2018) aborda o “último jogo” de pacientes terminais. Por quarenta longos minutos, acompanhamos, cabisbaixos, a despedida de pessoas que dizem adeus para a vida após enfrentarem doenças em estágio final. Conhecemos o Centro Médico de São Francisco, localizado na Califórnia, especializado em cuidados paliativos. Trata-se de um hospital também direcionado para a pesquisa e o ensino. Entre os cuidados, os pacientes terminais e suas famílias recebem orientação, apoio psicológico e acompanhamento individualizado. O corpo médico e assistencial tem por missão ajudar o paciente a lidar com a morte.
Em paralelo aos cuidados “tradicionais”, conhecemos o trabalho do Zen Hospice, um projeto que busca tratar “não apenas os sintomas, mas sim o paciente como um todo”. O trabalho é capitaneado pelo médico B.J Miller, que viu a morte de perto ainda na juventude ao ser atingido por uma intensa descarga elétrica que o fez amputar as duas pernas, a mão e metade do braço esquerdo. No Zen Hospice, acompanhamos o trabalho da equipe em preparar o paciente para a morte, literalmente. A abordagem é delicada, mas direta. A reação de negação, dor e desespero dos pacientes e de seus familiares não é negligenciada, mas entendida e assistida.
Pessoalmente, achei muito difícil “olhar de perto” os momentos finais daquelas pessoas. Vê o corpo físico de um ser vivo entrando em processo de deterioração e despedida não é fácil em nenhuma cultura. E nunca será.
A história de Mitra, paciente terminal de um câncer rápido e devastador, é angustiante demais. Internada no Centro Médico de São Francisco, Mitra está frágil e sob cuidados paliativos. A família segue em processo de negação e não consegue entrar em consenso sobre nenhuma medida a ser tomada. O ambiente do quarto onde Mitra está é pesado, opressor, de muita dor e sofrimento. É possível até mesmo ao espectador perceber isso. O filho de oito anos de Mitra, sem saber exatamente como lidar com a dor – e sem ser orientado quanto a isso -, fica pelos cantos. A mãe de Mitra está inconsolável e dura como pedra. O marido e a irmã de Mitra seguem desnorteados. Naquele quarto, tudo é dor. O ambiente hospitalar, apesar de necessário, parece tornar tudo ainda pior.
Muito diferente da despedida dos pacientes do Zen Hospice. Apesar de mergulhados na dor e melancolia, é possível notar certa tranquilidade e conforto. A serenidade de Bruce, um senhor asiático em seus últimos dias de vida, é notória. E a abordagem utilizada pela equipe tem um sentido que vai além dos cuidados médicos.
Com direção de Rob Epstein e Jeffrey Friedman, “A Partida Final” não traz calmaria, mas sim reflexão. Senti falta apenas de conhecer outras abordagens sobre como lidar com a morte, como os grupos que se recolhem em ambientes domésticos, por exemplo, e ter um contato mais aprofundado com o dia a dia de mais pacientes em situação de cuidados paliativos, ouvindo seus pensamentos e emoções. Mas, por ser um tema delicado e de difícil abordagem, as limitações são compreensíveis.
Esse documentário é sobre conhecer o lado da humanidade muitas vezes esquecido por nós; o lado que não podemos tocar, até que chegue a nossa hora. É buscar sentido para o que parece completamente sem sentido, nos tornando mais conscientes da existência e da beleza de aproveitarmos bem o tempo que temos, seja ele qual for.