Pare por dois segundos e imagine o mundo inteiro sem internet por um único dia. Transações bancárias por caixas eletrônicos, tráfego aéreo, comércio eletrônico e até mesmo previsões meteorológicas seriam afetadas. E, é claro, e o que faz muita gente logo arregalar os olhos: as redes sociais e a comunicação online no geral seriam drasticamente atingidas. Chame de Era da Informação ou de Era Digital, essa situação hipotética serve para nos mostrar como já estamos mergulhados nesse período que causou e vem trazendo pensamentos e ações completamente novos para a humanidade.
É tudo novidade (mas não necessariamente assustador), e o que não faltam são estudos em quase todas as áreas sobre este novo momento, suas possibilidades, exigências e consequências. É a famosa Sociedade da Informação entrando em cena, e o que Pierre Lévy denominou como Cibercultura, nos definindo – ou seja, uma cultura surgida do fenômeno da internet. Sim, um tremendo momento histórico está acontecendo diante dos nossos olhos. O século XXI está aprendendo a lidar com tamanha mudança, e nunca antes da expressão “too much information” fez tanto sentido.
Provavelmente todos nós já nos sentimos ultrapassados, superficiais, perdidos e até mesmo ansiosos devido a enxurrada de informação que é produzida, compartilhada, discutida (gerando ainda mais informações), reduzida e expandida, modificada. E tem para todos os gostos: texto curto estilo tweet, “textão”, imagem, vídeos… Muito bem, vivemos uma sociedade ao mesmo tempo massificada e hiperpersonalizada. Superamos a carência de informações e agora temos um excesso impossível de acompanhar.
Fala-se em doenças como ansiedade de informação e normose, a doença da normalidade. É frustrante perceber o volume de informação disponível todos os dias o tempo todo, mas e a sensação de que não conseguimos realmente compreender tudo que nos chega? Imaginar a quantidade de informações que não chega a nós? E de não saber onde encontrar uma informação, ou, quando se sabe, ter o acesso negado? A sensação é de que em plena Era da Informação, somos todos uns grandes desinformados.
Além disso, a saturação de informação muitas vezes nos tira sensibilidade e banaliza. A facilidade de criação, de tirar e postar fotos, de ter acesso a tantas coisas em pouco tempo, tira muito da significação e encantamento da comunicação e da arte, por exemplo. E então, mais angústia. Outro perigo muito comum visto atualmente é a sensação de que somos especialistas em tudo, pois tudo se encontra no Google. Mas eis o paradoxo: temos pressa e muitas vezes não filtramos nada, apenas consumimos o que encontramos o mais rápido que podemos.
Mau uso da informação
Segundo Kennedy Anderson Cupertino de Souza (e outros) em Fake News: Ética e credibilidade jornalística em risco, um dos motivos que algumas publicações contém erros é porque “a exigência pela rapidez produção e publicação das matérias jornalísticas faz com que muitos profissionais apurem de uma forma indesejável, se tornando reféns das informações que chegam nas redações”
Assim, todas as matérias e críticas que vemos sobre fake news são, em sua maioria, culpando quem as escreve e as redes sociais que permitem seu compartilhamento, assim como as soluções, porque talvez seja mais fácil criar um algoritmo que avalie tudo o que é publicado do que educar todos os usuários para que possam ler criticamente um texto e avaliarem sozinhos o que pode ser boato. Toda e qualquer outra ação diferente da educação do usuário é paliativa.
Entretanto, obviamente, nem o olhar mais treinado é capaz de encontrar um erro quando não quer encontrá-lo. Nesse farnel podemos encontrar todos aqueles que mesmo intimamente sabendo que aquela informação não pode ser verdadeira, pela falta de precisão dos fatos, ignoram e a divulgam para embasar suas próprias crenças e assim influenciar outros.
Um episódio recente serve bem para ilustrarmos o quanto o ser humano pode ignorar o óbvio. Um estudante de biblioteconomia, militante de causa LGBTQ+, recebeu a informação de que um projeto de lei para criação da semana de orgulho heterossexual seria votado no Distrito Federal, entretanto a imagem era de um projeto de lei também, mas sem qualquer ligação com o que o texto dizia e o link direcionava a Câmara de Vereadores do Município de Santo Ângelo. Ainda assim, o jovem revoltou-se e compartilhou com todos os seus colegas.
Quantos casos como esse acontecem ao longo de um dia em um mundo em que existe, segundo a GSMA, 5 bilhões de smartphones? Em pesquisa realizada pela Kantar com 8 mil pessoas do Brasil, Estados Unidos, Reino Unido e França apurou que notícias on-line são consumidas por 78% dos entrevistados, fatia igual à das TVs (76%), e as redes sociais são fonte de informação para 67% dos que têm de 18 a 24 anos. Mas essas pessoas não têm qualquer preparo além do bom senso para julgar o que lêem.
Competência informacional
Os efeitos aqui descritos causados pelo excessivo fluxo informacional a que somos expostos diariamente comprovam o mau uso da informação. A dificuldade de selecionar e avaliar o que lemos ultrapassa os suportes e sua causa remete a alfabetização e educação básica. A proibição do uso de celulares e tecnologias na maioria das escolas intensifica o problema no meio eletrônico, privando os alunos de aprender a navegar e filtrar informações na web.
Enquanto termo, originalmente “Information Literacy” foi criado pelo bibliotecário americano Paul Zurkowski em 1974, sendo empregado a princípio no contexto empresarial, aplicado a recursos informacionais e capacitação de usuários para utilização da informação. Com o passar dos anos o conceito foi ganhando maior extensão sendo aplicado em outros contextos.
No Brasil existem estudos da aplicação no âmbito escolar, mais frequentemente traduzido como “Competência em Informação” ou “Letramento Informacional”, sendo este um processo no qual o indivíduo aprende a buscar, selecionar e avaliar informações de que necessita para a tomada de decisão e produção de conhecimento, aprende a utilizar as fontes de informação, como livros de referência, enciclopédias, bem como sites e bases de dados.
Competência em informação no atual contexto de Sociedade da Informação é tão essencial quanto a alfabetização e as quatro operações algébricas básicas, a habilidade de explorar a Web, interpretar textos, selecionar informação. Nos próximos anos serão certamente requisitos básicos para a inclusão social.
Existe uma relação evidente entre informação e valor. Saber onde e como buscar já é metade do conhecimento e pessoas competentes em informação possuem estratégias de busca e uso eficaz da informação, desenvolvem um olhar crítico capaz de selecionar e relacionar informações entre si, são valorizadas na sociedade, na vida pessoal e profissional, são autodidatas, possuem autonomia e consequentemente mais oportunidades.
*Colaboraram Lucas Freitas Costa e Amanda de Barros