Muito tem sido falado, discutido e investigado acerca de possíveis aproximações acadêmicas e políticas entre Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia (as chamadas ‘Três Marias’ que represento neste texto como B – A – M).
Com relação à aproximação acadêmica entre B – A – M é possível contextualizar as perspectivas curriculares e de práticas na díade ensino-pesquisa que contemplem o viés da informação. A informação e suas cargas de significados teórico-epistemológicos (conceitos, formação do objeto de estudo e construção de paradigmas) e técnico-pragmáticos (informação ligada aos processos, fluxos, gestão e tecnologias de informação) seriam os frutos suficientemente capazes de aproximar academicamente a informação biblioteconômica, o documento arquivístico e o artefato museístico, pois promoveriam entre si o caráter mediacional e objetal que as três disciplinas em lide possuem, tornando-as interdependentes.
Todavia, este texto está destinado a pensar mais as intercorrências políticas que norteiam possíveis aproximações entre B – A – M, de sorte que considero ser, a partir desse viés, a projeção de uma reflexão mais ampla que integre o pensamento acadêmico, a prática profissional e os processos de construção político-institucional em comum entre B – A – M. Neste caso, elenco dois fatores que incidem sobre uma aproximação política entre B – A – M: o primeiro é de cunho político-institucional que é referente aos órgãos de classe e o segundo está relacionado ao contexto das políticas públicas e privadas que favorece as três disciplinas.
No que toca ao primeiro fator, que pode ser mencionado como pressuposto interno, a ideia era que houvesse uma designação comum entre as três disciplinas que permitissem uma representação político-institucional conjunta sem a perda da autonomia de atuação de cada disciplina. Desse modo, proporia a criação de um Conselho Federal de Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia (CFBAM) e com suas respectivas regionais intituladas de Conselho Regional de Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia (CRBAM). Essa relação seria condição sine qua non para se pensar uma representatividade mais dinâmica e adequada a realidade política da informação na contemporaneidade, pois traria para a B – A – M um significado representacional não somente de profissionais, mas de áreas que estão preocupadas com o ideário de informação na sociedade contemporânea e não simplesmente com um processo específico de atuação profissional, a exemplo do que acontece, por exemplo, no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA e sua institucionalização regional ‘CREA’ (evidentemente que as percepções teleológicas de atuação políticas de ambos são diferentes, mas as perspectivas combativas são semelhantes, pois primam por um lato processo de integração e fortalecimento político).
Os benefícios da união se dão ad infinitum para os representantes das três disciplinas, a saber: traria uma aproximação mais efetiva em termos de ações conjuntas no âmbito da informação; fortaleceria os processos de reivindicação, regulamentação e fiscalização em centros de informação e, de forma mais ampla, em instituições/organizações exigindo, por conseguinte, um olhar mais cauto de órgãos públicos e privados; promoveria um enaltecimento e reconhecimento político-institucional, profissional e social mais efetivo da B – A – M.
Contudo, vejo muitas dificuldades na implementação de um órgão de tal magnitude na área (se fosse tão simples, provavelmente já teria sido implementado, mas sem desconsiderar sua necessidade de reflexão/implementação), visto que seria necessário modificar a cultura político-coletiva da B – A – M com respeito às relações in natura e as pluralidades entre as disciplinas (e também em cada disciplina); a reconstrução de uma concepção mais concreta, definicional e politizada de consciência de classe; a formação de perspectivas mais amplas de senso de progressão que não estejam limitadas apenas a atuação profissional, mas especialmente a uma atuação combativamente política; a conveniência e resignação de uma soberba política que recai sob um isolacionismo das disciplinas considerando que a representação individual é mais pertinente por não perder a autonomia e promover mais espaços acadêmicos e políticos para pesquisadores e profissionais.
No que tange ao segundo fator, que poderia ser mencionado como pressuposto externo, as condições são muito mais complexas e polêmicas, haja vista que além de estarem situadas em esferas concentradas pela ideologia dominante (Estado e propriedade privada) necessitaria da ação emergente do primeiro caso, visando envidar esforços para políticas integradas de bibliotecas, arquivos e museus e, principalmente, a constituição de políticas fundantes de inclusão informacional que contemplem as três disciplinas.
Essas políticas de informação que aproximam B – A – M estão condicionadas, de forma mais ampla, nos seguintes setores: cultura e educação (políticas de incentivo à leitura e pesquisa, alfabetização/letramento e qualificação de centros de informação conjuntos – biblioteca – arquivos – museus em instituições de ensino básico e superior, inclusão social e digital em comunidades carentes…); saúde (uso de práticas de organização e tratamento da informação com prontuários físicos e eletrônicos e outros documentos, assim como a formação de centros de informação em instituições de saúde públicas e privadas e ainda o incentivo as práticas biblioterápicas); meio ambiente (informação ambiental e incentivo a construção de uma nova cultura ambiental por meio de práticas mediacionais de centros de informação especializados) e outros que o espaço deste artigo não permite uma abordagem mais ampla e, de forma mais específica, nos seguintes setores: dinamização das práticas de gestão da informação e documental; tecnologias de informação e de comunicação e práticas mediacionais de informação em caráter físico e virtual.
Evidentemente que a leitura deste texto pode engendrar questionamentos do tipo: mas a proposição ora referida é utópica (que, de fato, não posso discordar), mas para justificar este texto (fiz questão de fazê-lo no final a fim de despertar os mais diversos questionamentos nos leitores) apresento três fatores: já passou da hora de pensar uma nova perspectiva político-institucional entre B – A – M que busque um fortalecimento político e que dê azo a uma pretensa abertura informacional; é pertinente a elaboração de novos estudos nas disciplinas supramencionadas e, especialmente, nas pós-graduações em Ciência da Informação sobre a temática da representação político-institucional, visando subsidiar novos pensamentos e resultados de ação e conduta entre B – A – M (isso justifica que este texto serve muito mais como um ensaio de incentivo para novos estudos do que como pressuposto para elucidações mais precisas); comungo a ideia de Paulo Freire (2005) quando fala que a utopia não é simplesmente um prospecto imaginário ou fantasioso, mas a denúncia de uma realidade e a proposição de uma nova perspectiva de pensar e agir concebendo um inédito-viável que se nutre a partir da limitação humana e que não está pronto ou acabado, mas em permanente processo de construção (logo a formação de um pensamento coletivo e plural entre B – A – M pode ser utópico na perspectiva freireana como maneira de apresentar uma nova perspectiva de ação político-institucional).
Enfim, espero, em breve, desenvolver um estudo mais detalhado sobre a temática e compartilhar com os leitores a fim de que possamos ampliar o debate e desenvolver novas percepções.