Por Leonardo Cazes de O Globo

O escritor e jornalista Girma Fantaye, nascido em 1980 na Etiópia, será o primeiro autor a ser acolhido pela Casa Brasileira de Refúgio (Cabra), fruto de uma parceria entre a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e a Rede Internacional de Cidades de Refúgio (Icorn, na sigla em inglês). O anúncio será feito oficialmente na 11ª edição do Fórum das Letras, organizado pela Ufop, que acontece entre os dias 4 e 8 de novembro na cidade histórica mineira com o tema “Diversidade cultural e liberdade de expressão”. O escritor ficará quatro meses em Ouro Preto, com moradia e apoio financeiro garantidos pela universidade, onde integrará o Programa de Pós-Graduação em História, participará de pesquisas e de atividades acadêmicas, como cursos e palestras.

Em 2007, Fantaye fundou com outros cinco jornalistas um jornal em Adis Abeba, capital da Etiópia. Uma empreitada arriscada em um país onde quase não existe imprensa independente e que é comandado pelo mesmo grupo político desde 1991. Em 2010, ao saber que seria acusado com base na lei antiterrorismo local junto com os outros fundadores da publicação, ele deixou o país e se exilou em Uganda. Entre 2011 e 2012, foi bolsista na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Desde 2013 o escritor vive em Ljubljana, na Eslovênia, acolhido pela Icorn, uma organização fundada em 2006 e baseada na Noruega. Ouro Preto é a primeira parceria da rede na América do Sul.

O exílio obrigou Fantaye a se afastar do jornalismo e abraçar a literatura. Nos últimos três anos, ele publicou um livro de poesia e seu primeiro romance, ambos escritos em amárico, o idioma oficial da Etiópia. Em entrevista ao GLOBO, por e-mail, o autor conta que a decisão foi difícil, mas inevitável.

Não considero o jornalismo no exílio uma causa perdida, mas é difícil ser um jornalista exilado, apesar de alguns conseguirem fazer ótimos trabalhos. Longe do seu país, você passa a depender de outras pessoas para conseguir informações. Esse é o começo da sua morte enquanto jornalista — diz Fantaye, lembrando que o acesso à internet é controlado na Etiópia e quase não há empresas de mídia privada no país. — Em compensação, o exílio parece fazer bem aos poetas. O turco Nâzim Hikmet construiu uma grande obra, só para citar um. O mesmo vale para a prosa. Pense em Roberto Bolaño e outros que viveram fora dos seus países.

O escritor admite ter um conhecimento muito superficial sobre o Brasil, restrito ao futebol e à música, mas está ansioso para aprender mais.

Eu li um pouco sobre a história de grandes jogadores como Leônidas, Didi, Pelé, Garrincha. Mas eu não acredito que essa seja a melhor maneira de compreender o Brasil. Quero aprender sobre política, história, cultura e, é claro, a ligação histórica e contemporânea do país com a África.

Inicialmente, o plano era que a estadia em Ouro Preto fosse de dois anos, o período mínimo para que uma cidade integre oficialmente à rede da Icorn. Contudo, a Ufop só tinha como oferecer o auxílio necessário para quatro meses. Optou-se então por um piloto de curta duração. Segundo Carlos Magno de Souza Paiva, coordenador de Assuntos Internacionais da Ufop, novas parcerias são necessárias para manter os escritores por mais tempo.

Queremos ser a primeira cidade na América do Sul a fazer parte da rede da Icorn, mas para isso precisamos de apoios do setor privado e da prefeitura para dar conta de todas exigências da rede, como apoio para a família do autor acolhido. Estamos muito animados com a presença do Girma aqui, será uma grande oportunidade de troca para toda a universidade — diz Paiva.

PERCALÇOS PARA CHEGAR A MINAS

Para Sylvie Debs, representante da Icorn no Brasil e à frente da Cabra, a presença do autor etíope no Brasil durante esses meses vai permitir que o trabalho da organização se torne conhecido e acelere o surgimento de novas parceiras. A Cabra e a Icorn estão em conversas adiantadas com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para que Belo Horizonte receba um escritor perseguido a partir do ano que vem. Este ano, a rede viu uma ex-acolhida ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. A bielorussa Svetlana Alexievich viveu em Gotemburgo, na Suécia, entre 2006 e 2008 com apoio da Icorn.

Como um embaixador da Icorn no Brasil, Girma poderá dar seu testemunho, participar de eventos em outras cidades e universidades — diz Sylvie. — Por serem quatro meses, optamos por um escritor já acolhido pela rede e não alguém que necessite deixar o seu país imediatamente.

O caminho de Fantaye até Ouro Preto é cheio de percalços. Exilado, o escritor não tem passaporte etíope, só um documento do governo de Uganda que o autoriza a viver e trabalhar no país africano. Isso atrasou o processo de obtenção do visto brasileiro, mas a expectativa dos organizadores é que ele chegue a tempo da abertura, na quarta-feira.

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