A descentralização de investimentos em cursos superiores das áreas de ciências humanas, anunciada recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro e o seu ministro da Educação Abraham Weintraub, demonstra o caráter autoritário e o distanciamento das ações do governo dos interesses da sociedade brasileira.

A avaliação é da Associações Brasileira de Educação em Ciência da Informação (ABECIN), de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB), do Fórum de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ), do Conselho Federal de Museologia (COFEM) e da Rede de Professores e Pesquisadores em Museologia (REDE).

As críticas das instituições foram apresentadas em nota de repúdio publicada no último dia 29 de abril. De acordo com o documento, todas as áreas e campos do conhecimento humano possuem o mesmo grau de importância, sendo que nenhuma pode ser considerada superior ou inferior a outras.

Bolsonaro disse no final de abril que o ministro da Educação estudava descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas), pois o objetivo, segundo ele, “é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte”. O presidente disse também que “a função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”.

“As contribuições, embora diferentes, são realizadas por todas e atendem as distintas demandas, necessidades e desejos da sociedade”, dizem as instituições para as quais “as áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas devem ser respeitadas do mesmo modo que as outras áreas do conhecimento”.

As entidades consideram que com as medidas o governo brasileiro seguirá na contramão do que determina a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), mais especificamente em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para as áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.

A UNESCO estabelece que por meio de pesquisa, prevenção e gestão das transformações sociais, a e entidade reforçará a relação entre conhecimento, política e prática, baseando-se nas competências das Ciências Sociais para promover o pensamento inovador que tem o potencial de transformar as sociedades.

A nota foi publicada um dia antes do anúncio do governo sobre os cortes nos recursos das universidades federais. Weintraub disse em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo” no dia 30 de abril que “universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia terão verbas reduzidas”. As Universidade de Brasília (UnB), Federal da Bahia (UFBA) e Federal Fluminense (UFF) foram as primeiras atingidas, mas depois os cortes foram estendidos às demais universidades federais.

Depois do anúncio dos cortes, reitores de 40 universidades federais de todo país se manifestaram contra o ataque de Bolsonaro à Educação, ao pensamento crítico e ao conhecimento. Prestes a completar 100 anos, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) condenou o bloqueio de 41% das verbas destinadas ao pagamento de suas despesas como limpeza e manutenção ou contas de água e luz.

O ministro da Educação disse nesta terça-feira (7) em uma audiência na Comissão de Educação no Senado que não haverá corte no orçamento das universidades e instituições de ensino federais, mas sim um “contingenciamento”. O ministro afirmou que o recurso poderá voltar a ser liberado se a reforma da Previdência for aprovada e se a economia do país melhorar no segundo semestre.

A fala de Weintraub foi duramente criticada por alguns senadores que consideram a troca da palavra “corte” por “contingenciamento” como mera retórica. “Não me parece adequado o senhor colocar a reforma de Previdência como chantagem pros estudantes universitários e pras comunidades universitárias. Isso é chantagem, não tem outro nome”, protestou o senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP).

Confira abaixo a nota completa:

Nota de repúdio à descentralização de investimentos em cursos superiores das áreas de ciências humanas e sociais aplicadas

Todas as áreas e campos do conhecimento humano possuem o mesmo grau de importância: nenhuma pode ser considerada superior ou inferior a outras. As contribuições, embora diferentes, são realizadas por todas e atendem as distintas demandas, necessidades e desejos da sociedade. As associações abaixo assinadas repudiam as afirmações do atual Presidente da República sobre mensagem divulgada no dia 26 de abril 2019 em seu Twitter pessoal, em que afirma:

“O Ministro da Educação […] estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas). Alunos já matriculados não serão afetados. O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina”.

Repudiamos e não compactuamos com as intenções do atual Ministro da Educação – que embasa suas políticas, se existem, a partir de um olhar que considera apenas o mercado, o lucro e o retorno imediato de investimentos, confundindo o poder público com o setor privado – sobre o não investimento da educação em áreas fundamentais como a Filosofia, a Sociologia e Humanas em geral. Esta atitude só demonstra o caráter autoritário e o distanciamento das ações do governo dos interesses da sociedade brasileira.

O atual Governo brasileiro com estas ações seguirá na contramão do que determina a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), mais especificamente em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para as áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, que visam a:

“[…] consolidar princípios e valores universais, como solidariedade global, inclusão, não discriminação, equidade de gênero e responsabilização na implementação da agenda de desenvolvimento pós-2015. Para isso, é importante fortalecer as iniciativas interdisciplinares e orientadas para resultados já existentes, além de desenvolver novas, e, assim, promover a ampliação da participação e da colaboração internacional, com a devida consideração de sua dinâmica em transformação […]. A fase de implementação dos ODS apresenta uma oportunidade para a UNESCO promover a pesquisa e atividades de padronização, assim como para disseminar o conhecimento sobre direitos humanos relacionado às áreas de atuação da organização. Por meio de pesquisa, prevenção e gestão das transformações sociais, a UNESCO reforçará a relação entre conhecimento, política e prática, baseando-se nas competências das Ciências Sociais para promover o pensamento inovador que tem o potencial de transformar as sociedades, nas diferentes facetas dos ODS […]. A alfabetizacão cultural precisa ser fortalecida em larga escala e devem ser criadas novas oportunidades e novos espaços para o diálogo e a cooperação, com base no desenvolvimento de competências interculturais pautadas em valores compartilhados, entendimento e respeito mútuos, assim como empatia, reconciliação e confiança. A cultura de paz deve ser promovida como um elemento essencial de capacitação para o desenvolvimento sustentável, tendo em mente que valores e práticas de respeito mútuo e tolerância – reforçados pelo diálogo intercultural e inter-religioso, bem como por um compromisso com a não violência e a reconciliação – são essenciais para tornar real a paz todos os dias, para todos os membros da sociedade” (UNESCO, 2017, grifo do autor).

As áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas devem ser respeitadas do mesmo modo que as outras áreas do conhecimento, assim, conclamamos toda a comunidade acadêmico-científica a se mobilizar em defesa das referidas áreas tão importantes para a humanidade.

29 de abril de 2019

Associação Brasileira de Educação em Ciência da Informação (ABECIN)

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB)

Fórum de Ensino e Pesquisa em Arquivologia (FEPARQ)

Conselho Federal de Museologia (COFEM) / Sistema COFEM/COREMS’s)

Rede de Professores e Pesquisadores em Museologia (REDE)

Comentários

Comentários