As filas de desemprego não param de crescer. Nos supermercados e lojas, os produtos aumentam desproporcionalmente e esmagam a expectativa de recomeço que muitas famílias alimentam. Pessoas que dedicaram suas vidas inteiras ao serviço público agora precisam se acotovelar para ter acesso a uma cesta básica; outras foram sumariamente demitidas depois de trabalharem por décadas no setor privado. Jovens terminam a universidade e não sabem para onde correr, pois não há vagas. Adolescentes desistem de ter um diploma, pois precisam ajudar no sustento da casa. O sonho dourado da casa própria virou apenas utopia e a voz de John Lennon cantando “Imagine”, outrora reconfortante e esperançosa, agora traz impaciência e sono.
A sociedade brasileira atravessa um intenso momento de desilusão, desencanto, desgosto e outros adjetivos – alguns impronunciáveis. Enquanto o cenário político chafurda mais e mais na lama – as alegações de desconhecimento da ilegalidade de atos sórdidos ou declarações de inocência feitas por bandidos engravatados fazem o estômago de qualquer um revirar -, o povo segue preso no olho do furacão, observando, apático e estupefato, o declínio de um lugar que ainda não chegou nem perto do pico da ascensão. Lugar que apresenta um campo de conflitos sociais de alta envergadura, com índices de violência, miséria e descaso, só para citar alguns, muito acima do imaginável.
Como sobreviver a esse pântano, já que estamos mergulhados da cabeça aos pés? Essa pergunta tem respostas práticas, objetivas, afirmativas e amparadas em dispositivos legais. Mas até mesmo o Judiciário – Até tu, Brutus?! – esqueceu o seu papel e o seu dever, usando o poder conferido pela toga para proteger interesses pessoais. Diante disso, o que fazer para não enlouquecer de vez e andar por aí, desencantado e amargo, fazendo da sua vida e da vida dos outros um inferno digno de Dante Alighieri?
O que você vai ler aqui não nasceu das entranhas de um nobre arcabouço científico, baseado em teses e mais teses, vozes de autoridade, especialistas, números, gráficos e pesquisas encomendadas. As opiniões descritas neste texto são fruto da observação silenciosa do vai e vem de pessoas, de horas em transportes públicos ouvindo e anotando imperceptivelmente, da atenção integral dada às conversas de ambulantes, transeuntes e conhecidos. E, principalmente, da experiência pessoal de uma brasileira que, assim como você ou alguém que você conhece, já está exausta de caminhar pela cidade e se sentir protagonista do poema “A Terra Devastada” (The Waste Land), do inglês T.S. Eliot. Trocando em miúdos: aqui você vai caminhar entre a realidade e a ficção e subir no bote que julgar mais adequado. Lembre-se: o objetivo final é resguardar um pouco de si mesmo em meio ao caos.
Pois bem: em minhas andanças pelas ruas do Rio de Janeiro, algumas por motivos profissionais e outras pela captação da alma viva da cidade, tenho escutado a conversa de pessoas sobre como não sucumbir à crise. Entre uma e outra dica financeira – investir em negócio próprio, vender alguma coisa nas ruas, empreender (essa é a palavra do momento) ou procurar “bicos mais prósperos” -, há um ou outro sujeito que vai além e diz: “Não se desespera”, “Tudo vai melhorar”, “Fica com a mente sossegada”, “Fica com Deus”, “Tem fé” e outras frases de efeito do gênero.
Claro, essas mensagens são capazes de trazer conforto – minhas convicções religiosas me aproximam desse pensamento -, mas nem só de belos autos de fé devem viver as nossas esperanças (para desespero de certos dirigentes de instituições religiosas). Há outros caminhos para evitar a ruína de nosso encantamento pelo mundo. Decidi, portanto, experimentar alguns e chamei esse processo de “Templo Interior”. Trata-se da tentativa de resgaste diário de quem nós somos, da mudança pela transformação e da busca por um refúgio, mesmo que frugal, contra a bola de ferro que esmaga o país.
Vamos às técnicas (lembrando que elas brotaram de experiências pessoais e do bate papo despretensioso das ruas, estão em fase de teste e podem, evidentemente, funcionar ou não para você):
Reservar algum tempo durante o dia para fazer atividades que proporcionam prazer
É importante manter a mente oxigenada, viva e ativa. Produzir ou simplesmente contemplar a beleza e o prazer são formas de renovar as esperanças. Ler aquele livro que está há muito tempo na fila ou ter acesso a alguma obra recente que caiu do céu diretamente em suas mãos, ouvir a música que te acalma ou te faz sonhar, assistir filmes e/ou séries que te dão ideias ou ainda escrever seu próprio livro, compor sua música, produzir seu curta-metragem, tricotar, cozinhar, pintar… O leque é imenso! O importante é descobrir do que você gosta, o que te entretém. Pode servir como uma recompensa para os momentos de cansaço ou, quem sabe, como a descoberta de uma grande, revolucionária e fenomenal ideia. Nunca se sabe.
Aproveitar a companhia de outras pessoas
Em uma época cada vez mais solitária, partilhar momentos agradáveis ao lado de quem gostamos é um bálsamo para o coração. Para isso, não é preciso andar em ambientes que vão te arrancar as últimas economias, comprar coisas das quais você não precisa ou ainda pagar por prazeres que não valem o seu sacrificado salário. Por que não reunir os amigos em casa para uma pipoca? E que tal aquele almoço com a turma, onde cada um leva o que pode? Ou ainda participar de um clube de leitura, fazer uma caminhada em conjunto, compartilhar as músicas preferidas? O importante é estar próximo, dando atenção integral e presencial a quem amamos.
Não perder os preciosos momentos de sua vida com vitrinismo ou conversas desnecessárias (fofocas, vida alheia, passar o tempo observando a rotina do outro em redes sociais, etc)
Lembre-se que o seu foco é sair um pouco do vendaval de problemas e procurar, de alguma forma, manter seu templo interior calmo e sereno. Você vai precisar de tranquilidade e ação para planejar estratégias financeiras e pessoais, além de resolver suas pendências. Focar na rotina do outro ou no estilo de vida ilusório que nos empurram goela abaixo através de novelas risíveis ou com a divulgação de produtos inacessíveis não vai te ajudar a manter a sua mente equilibrada. Não perca tempo com situações que não irão acrescentar nada à sua vida. Caminhe em direção ao aprendizado, ao descanso mental, à troca sincera de experiências e à mudança de vida – sempre para melhor.
Entender que o mundo não é um paraíso cujo lema é “eu só faço o que eu quero”, mas sim um lugar onde, muitas vezes, você precisa fazer “o que tem que fazer”
A frase acima poderia ter saído da boca de um coaching de carreira ou mentor de concurseiros, mas, na verdade, saiu da boca de um vendedor de amendoim torrado que aconselhava um adolescente. Na ocasião, o vendedor falava sobre a importância dos estudos, de ter disciplina, de ser “forte, rapaz, muito forte para aguentar as pancadas da vida”, já que no mundo “ninguém faz só o que quer, mas o que tem que fazer”. Por que não fazer da disciplina, da organização e da capacidade de traçar planos e metas verdadeiras aliadas, ao invés de inimigas capitais?
Desenvolver a empatia
Quando ouvimos mais do que falamos, com atenção e sinceridade, aprendemos a desenvolver a empatia. Em um planeta destroçado por altos índices de miséria humana, colaborar com o esquecimento do outro, com sua invisibilidade, não nos tornará mais visíveis. Em um momento de fragilidade, nosso templo interior se fortalece com a ajuda, a união, a solidariedade e o amor. Não se trata de papo catequista, mas de uma conversa feita de humanos para humanos. As pessoas e suas emoções não são pedaços de cartolina ou algo a ser “tolerado”. Quando atingimos esse entendimento, percebemos que nenhum homem é uma ilha. Somos todos um.
Ficar em paz consigo mesmo
Fé, religião, espiritualidade, meditação, convicção ou, simplesmente, bondade. Acima de orientações doutrinárias, nossa consciência deve nos guiar para um local de paz e tranquilidade em meio ao turbilhão da vida. Essa ação é praticada, dia após dia, como um hábito que precisa ser construído e reconstruído. Não é algo que cai do céu, mas uma prática. Ter um templo interior é ter um espaço dentro de si mesmo, inviolável, onde você possa recuperar as energias e continuar acreditando que o sol nasce para todos, mesmo que de forma diferente para cada um.
Essas são algumas dicas coletadas através das vozes das ruas e da minha própria voz. Cabe a você, se sentir necessidade, buscar formas de erguer, tijolo por tijolo, um abrigo interno. E não deixe o desencanto tomar conta porque, como nos lembrou o jornalista Daniel Piza (1970 – 2011) antes de partir:
“Não deixar o desencanto tomar conta é o melhor presente”.