A Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) é considerada o mais importante evento deste segmento no Brasil. Durante os seus 15 anos de existência, a Flip se tornou um termômetro de tendências na área de literatura e um modelo de evento de mediação cultural que inspirou a criação de diversas festas, feiras e festivais em outras cidades brasileiras. Pioneira em seu modelo, já em 2003 inaugurou uma proposta que coloca em primeiro plano o autor e a literatura que ele produz, em detrimento dos modelos desgastados de feiras focadas apenas na venda de livros.

A repercussão nacional e a visibilidade midiática do evento serviram até mesmo para inspirar modificações nas tradicionais feiras de livros, que passaram a incrementar suas programações com cafés literários, encontros com autores e debates. Justamente por ser um espaço privilegiado de divulgação literária e fomento da leitura, com o decorrer das suas edições, discussões começaram a surgir sobre o quanto o evento, por muitas vezes, se isentava de ter na sua programação uma representação mais igualitária das diversas vozes que compõem a literatura brasileira: as mulheres, os negros, os gays, os índios e os pobres. Aumentava-se o coro que questionava o quanto, ao espelhar o mercado editorial, que ainda privilegia escritores homens brancos pertencentes às classes média e alta, a Flip poderia estar perdendo as possibilidades de enriquecimento estético da sua programação e ético dos seus debates.

A edição de 2016 foi marcada por essas vozes insubmissas, que a partir de um movimento denominado “Vista nossa palavra FLIP 2016”, liderado por Giovana Xavier, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Intelectuais Negras (UFRJ), questionou a ausência de escritores negros e escritoras negras na programação principal do evento, denunciando em carta aberta o evento como o “Arraiá da branquidade”. Este movimento teve como grande porta voz, durante a Flip, a escritora Conceição Evaristo. “Na medida em que as outras formas não são consideradas, não são lidas, não são divulgadas e não são incorporadas ao sistema literário brasileiro, fica uma lacuna, porque a literatura tem essa possibilidade de ler a nação. Se não lemos todos os passos criativos da nação, estamos lendo uma nação em pedaços, estamos lendo uma nação incompleta”, afirmou na época em entrevista às rádios da EBC.

Este ano, mudanças na programação do evento sugerem que os discursos reivindicativos penetraram pelas brechas e foram ouvidos. Com a curadoria de Josélia Aguiar, a programação principal apresenta uma paridade entre os gêneros e o aumento da presença da autoria negra, o que levou também a maior diversidade das editoras presentes no evento. “Acabei procurando nomes que estavam fora do centro, ou que não tinham sido traduzidos ainda, ou de pequenas editoras, por serem nomes inesperados, que fogem do padrão. Estamos propondo uma representação nova, um recorte diferente, para que a experiência seja muito interessante”, afirmou a curadora ao programa Bondelê.

Se ainda não é o modelo ideal, que contemple toda diversidade da literatura brasileira, já não espelha o mercado editorial, ao contrário, anuncia, propõe e sugere que podemos pensar e revelar a literatura brasileira a partir da inclusão de vozes, subjetividades, perspectivas e discursos tradicionalmente excluídos e de autores tradicionalmente apartados. Neste sentido, A homenagem ao escritor Lima Barreto não poderia ser mais representativa e, junto com a presença dos escritores citados nesta lista, torna a Festa Literária Internacional de Paraty um programa imperdível para os interessados na Literatura negra.

Lima Barreto é o grande homenageado da Flip 2017. Foto: divulgação

  1. Lima Barreto

Vida e obra de Lima Barreto são indissociáveis. Os dissabores pelos quais o autor passou em sua vida pessoal estão fortemente presentes na sua ficção. A bibliografia do autor é marcada pela forma como reagiu às adversidades de uma sociedade racista, moldando uma linguagem crítica, direta e objetiva, que contrastava com o estilo literário vigente da época. Isso fez da sua obra o retrato de um tempo, emanado por um olhar de quem vê a vida pelas margens da sociedade, uma sociedade que teima em se manter injusta socialmente. Seu projeto e estilo literário e sua visão aguçada de uma realidade de injustiças, que ainda se mantém, tornam sua obra, ainda, um dos textos literários mais importantes para se entender o Brasil.

Programação:

26 jul. | 19h15 | Mesa 1 — Sessão de abertura Lima Barreto: triste visionário

Vida e obra de Lima Barreto são apresentadas nesta aula ilustrada, comparando o Brasil que viu em sua época e o futuro que previa, com leituras e imagens inéditas de uma nova biografia. Direção de cena de Felipe Hirsch. Com Felipe Hirsch, Lazaro Ramos e Lilia Moritz Schwarcz.

27 jul. | 12h | Mesa 2 — Arqueologia de um autor

Entre a paixão e a minúcia, recupera-se a obra dispersa de um autor à margem e se define o lugar de Lima Barreto entre os clássicos e no cânone afro-brasileiro, nesta conversa que soma história e crítica literária. Com Beatriz Resende, Edmilson Almeida Pereira e Felipe Botelho Correa.

29 jul. | 12h | Mesa 12 — Foras de série

Personagens singulares da história e da literatura brasileira, como ex-escravos que triunfaram e mulheres revolucionárias no Brasil do século 19, permeiam este debate sobre vozes dissonantes e as técnicas de pesquisa e escrita que reúne uma romancista e um historiador da escravidão — a invenção da liberdade até chegar ao período do pós-abolição de Lima Barreto. Com Ana Miranda e João José Reis.

A escritora Conceição Evaristo participa da programação principal do evento. Foto: Gustavo Miranda

  1. Conceição Evaristo

Nascida em Belo Horizonte, Conceição Evaristo migrou para o Rio de Janeiro para prestar concurso para professora do Ensino Fundamental. Neste período já havia escrito seu primeiro romance, Becos da Memória, mas que ainda não havia conseguido publicar. No Rio de Janeiro, começou a participar dos encontros de literatura negra. Publicou seus primeiros textos no periódico do coletivo Quilombhoje, chamado Cadernos Negros. Em 2003, publicou com recursos próprios seu primeiro romance, Ponciá Vicêncio. Deste período até o atual, vem conciliando pesquisa acadêmica (é doutora em literatura comparada pela UFF) com produção literária, tendo publicado dois romances, três livros de contos e um de poesia, além de ter participado de coletâneas e ver suas obras traduzidas para outras línguas. Uma das principais representantes da literatura negra brasileira, Conceição Evaristo, com talento literário inquestionável, discurso afiado e atuação incansável no meio cultural, vem se tornando a principal voz a denunciar as discriminações ainda presentes na sociedade brasileira.

27 jul. | 14h00 |Roda de Conversa no lançamento do livro Rupi Kaur, Casa Santa Rita de Cássia

29 jul. | 17h00 | Lançamento das novas edições de Becos da Memória e Ponciá Vicêncio, Casa Libre/Nuvem de Livros.

30 jul. | 12h00 | Mesa 17 — Amadas

Ao refazer sua trajetória com imagens e leituras, Conceição Evaristo, em conversa com Ana Maria Gonçalves, presta um tributo a outras vozes femininas africanas e da diáspora negra, como Ângela Davis, Audre Lorde, Carolina de Jesus, Josefina Herrera, Nina Simone, Noêmia de Sousa, Odete Semedo, Paulina Chiziane e Toni Morrison. Com Ana Maria Gonçalves e Conceição Evaristo.

Marlon James. Foto: divulgação

  1. Marlon James

Marlon James nasceu na Jamaica e mora nos Estados Unidos onde leciona literatura. O autor deixou seu país aos 37 anos devido a tabus culturais que cercam a homossexualidade. É o vencedor do Man Booker Prize de 2015 com o livro Breve história de sete assassinatos, seu terceiro romance. “Estou cansado de todos falarem da Jamaica como um país de favelas, guetos e violência. Mas então, eu estava falando sobre Jamaica como favelas, guetos e violência. A solução, percebi, não era ignorar tudo, mas complicá-lo, tornar meus personagens tridimensionais e dar-lhes a capacidade de mudança, mesmo que essa mudança, no final do dia, seja pior”, explicou em entrevista ao The Independent. Em Breve história de sete assassinatos, o autor conta a história de jovens viciados em cocaína e que munidos de armas automáticas, tentam matar Bob Marley em Kingston, capital da Jamaica, em 1976, antes de um espetáculo em prol da paz.

29 jul. | 21h30 | Mesa 16 — O grande romance americano

Dois autores de uma mesma editora independente venceram, em anos sucessivos, o mais prestigioso prêmio de língua inglesa, o Man Booker Prize (2015 e 2016). Esta conversa revelará em que medida eles renovam a tradição a partir dos seus pontos de vista particulares, a de um americano negro e a de um jamaicano que migrou para os EUA, onde ambos lecionam escrita criativa. Com Marlon James e Paul Beatty.

Lázaro Ramos. Foto: Bob Wolfeson

  1. Lázaro Ramos

Ator, diretor e escritor, Lázaro Ramos vem se destacando como um dos mais interessantes criadores da sua geração. O ator utiliza de diversos meios e linguagens para traduzir em arte sua visão de mundo. À frente do programa Espelho, realiza entrevistas sobre identidade, representação e cultura. Como escritor publicou livros infantis. Como ator, iniciou a carreira no emblemático Bando de Teatro Olodum e, atualmente, apresenta o espetáculo O topo da montanha, em que interpreta Martin Luther King. Ainda se destacam em sua carreira, personagens fortes interpretados no cinema, como a icônica Madame Satã. Todas estas experiências artísticas, somadas às vivências de ser homem negro no Brasil, serviram de base para a criação de Na minha pele, livro testemunho e porta de diálogo e reflexão de diversas vozes sobre as relações raciais no Brasil.

26 jul. | 19h15 | Mesa 1 — Sessão de abertura Lima Barreto: triste visionário

28 jul. | 10h | Flipinha — A pele que habito

Cristiane Sobral. Foto: Thaís Mallon

  1. Cristiane Sobral

Cristiane Sobral iniciou a carreira como escritora em 2000 publicando textos no periódico do Coletivo Quilombhoje, Cadernos Negros. Conciliou a carreira de escritora com a de atriz e dramaturga. Em 2010 lançou seu livro mais popular, a coletânea de poesias, Não vou mais lavar os pratos. Já publicou dois livros de contos e dois de poemas e vem se tornando uma das vozes mais representativas na literatura sobre as questões relacionadas à mulher negra. Lança na programação paralela da Flip o livro Negro Amor: poemas, em que aborda as diversas dimensões das relações afetivas e suas interseções com as questões relacionadas à negritude.

27 jul. | 19h00 | Sessão de autógrafos e bate-papo sobre o livro O tapete voador: contos. Livraria Timbre

28 jul. | 14h00 | Lançamento de Negro Amor: poemas. Casa Libre & Nuvem de livros

Scholastique Mukasonga. Foto: divulgação

  1. Scholastique Mukasonga

A escritora Scholastique Mukasonga, conhecida pela obra que reflete sobre o genocídio de Ruanda, nasceu em 1956 e viveu em Bugeresa, uma das áreas mais pobres e inóspitas de Ruanda. Conheceu ainda na infância a violência e as humilhações dos conflitos étnicos que ocorreram em Ruanda. Em 1992, se estabeleceu na França. Publicou Inyenzi ou les Cafards, conto autobiográfico, marcando a sua entrada no mundo literário que, para ela, consiste em um território de exposição das suas memórias. No seu terceiro livro, L’Iguifou, publicado em 2010, recebeu o prêmio Renaissance de la Nouvelles e o Prix de l’Académie des Sciences d’Outre-Mer. Lançará na Flip os livros Nossa senhora do Nilo e A mulher de pés descalços.

27 jul. | 21h30 | Mesa 6 — Em nome da mãe

29 jul. | 16h30 | Casa Paratodos (lançamento)

30 jul | 15h00 | Mesa 18 — Livro de cabeceira

Em nome da mãe: histórias de guerras e de sobrevivência, de invenções e reconstruções artísticas a partir do ponto de vista feminino, no encontro entre uma brasileira filha de uma sobrevivente de Auschwitz e de uma ruandesa tutsi. Com Noemi Jaffe e Scholastique Mukasonga.

Allan da Rosa. Foto: divulgação

  1. Allan da Rosa

Allan da Rosa é escritor, editor e educador. Integra desde o princípio o movimento de Literatura Periférica de SP e foi editor do clássico selo Edições Toró. Historiador, mestre e doutorando na Faculdade de Educação da USP, pesquisa ancestralidade, imaginário e cotidiano negro. É autor de Da Cabula (Prêmio Nacional de Dramaturgia Negra, 2014), Zagaia (juvenil), dos livros-CD A Calimba e a Flauta (Poesia Erótica, com Priscila Preta) e Mukondo Lírico (Prêmio Funarte de Arte Negra, em 2014), além do ensaio Pedagoginga, Autonomia e Mocambagem e outras obras. Allan lançou em 2016 o elogiado livro de contos Reza de mãe, em que periferias, prosa e poesia se entrecruzam em histórias envolventes de grande força narrativa.

28 jul. | 21h00 | Allan da Rosa e Rodrigo Ciríaco — Casa Paratodos

Djaimilia Pereira Almeida. Foto: divulgação

  1. Djaimilia Pereira de Almeida

Djaimilia Pereira de Almeida nasceu em Luanda em 1982 e cresceu nos arredores de Lisboa. É doutorada em Teoria da Literatura pela Universidade de Lisboa. Em 2013 foi uma das vencedoras do Prêmio de Ensaísmo Serrote atribuído no Brasil pela revista Serrote, do Instituto Moreira Salles. Fundou e dirige a revista de literatura Forma de Vida. Seu livro Esse cabelo relaciona memória, ensaio e ficção a partir da relação de uma jovem com o seu cabelo crespo.

27 jul. | 15h | Mesa 3 — Pontos de fuga

29 jul. | 18h | Casa da Música

Pontos de fuga: três premiadas vozes da novíssima literatura em língua portuguesa falam de suas influências, técnicas e experiências: como lidam com a tradição e a renovam, seus modelos e perspectivas. Com Djaimilia Pereira de Almeida, Josely Vianna Baptista e Natalia Borges Polesso.

Ricardo Aleixo. Foto: divulgação

  1. Ricardo Aleixo

Ricardo Aleixo é poeta, músico, produtor cultural, artista plástico e editor. Fez sua estreia na poesia em 1992 com o livro Festim. Com visão crítica da realidade, Aleixo faz poesia social, mordaz e irônica. Junta-se a isso seu trabalho de agitador cultural que leva a poesia à integração com outras formas de arte como o teatro, a música e a dança. Destaca-se em sua carreira os diálogos que promove entre sua atuação como poeta, artista visual e sonoro, compositor, performador, ensaísta e curador.

26 jul. | 21h30 | Mesa móvel — Fruto estranho

28 jul. | 13h | Com Esther Maciel e António Cortez. Casa de Cultura

28 jul. | 19h15 | Mesa 10 — A contrapelo: Ricardo Aleixo fará intervenções poéticas por meio de formas híbridas com duração de 10 a 15 minutos

Fruto estranho: seis autores realizam, independentemente, intervenções poéticas por meio de formas híbridas — poesia, fotografia, vídeo, performance, teatro — com duração de 10 a 15 minutos, distribuídas pela programação.

Giovana Xavier. Foto: Robson Maia

  1. Intelectuais negras

O catálogo Intelectuais Negras Visíveis, organizado pela professora e pesquisadora Giovana Xavier, com colaboração das pesquisadoras Amanda Sanches, Conceição Seixas, Janete Ribeiro e Núbia Oliveira é uma obra pioneira que confere visibilidade ao trabalho de cento e vinte profissionais negras em diversas áreas de atuação no Brasil. Em formato digital e acesso gratuito, o material servirá de obra de referência para pesquisadores e de visibilidade para as profissionais perfiladas. “Com tantas Intelectuais Negras Visíveis, é tempo de evidenciar os problemas e limites da meritocracia e do excepcionalismo como únicas chaves para interpretar as histórias que escrevemos. Uma das principais formas de nos mantermos visíveis caminha em sentido oposto: o de sempre lembrar que ascensões individuais se forjam através de projetos coletivos de educação e liberdade desde antes da travessia do Atlântico. Nossa tradição de cooperar e empreender faz parte das muitas histórias e vidas que nossos corpos carregam, portanto precisam estar no centro das narrativas que produzimos e dos espaços que ocupamos”, afirma a organizadora da obra.

29 jul. | 15h00 | O que se vê e o que se sente. Joana Gorjão Henriques, Ana Kiffer e Giovana Xavier conversam sobre racismo e empoderamento. Casa Amado e Saramago

29 jul. | 16h00 | Invisível centena. Lançamento do catálogo “Intelectuais Negras Visíveis” — Giovana Xavier, Amanda Sanches, Janete Santos Ribeiro, Núbia de Oliveira Santos — Apresentadora: Djamila Ribeiro. Casa Amado e Saramago

  1. Ruth Guimarães

Homenageada pelo Instituto Silo Cultural, a escritora Ruth Guimarães, que faleceu em 2014, com 93 anos, deixou uma obra em que se incluíam poesias, crônicas, romances, contos e ensaios. Foi a primeira escritora negra a ocupar espaço significativo na literatura, ao trazer tanto em sua ficção como em seus ensaios, as vozes dos deserdados da terra, vozes raramente escutadas. Formada em Letras e em Arte Dramática pela Universidade de São Paulo (USP), Ruth foi titular de colunas nos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.

27 jul.| Abertura da “Casa Ruth Guimarães” com exposição da coleção completa dos 45 livros publicados pela autora, exibição de vídeos, áudios, fotos e trechos de alguns de seus trabalhos

28 jul. | 16h | Ilhas Literárias — Roda de conversa com escritores de Ubatuba, com a participação de Maria Botelho, crítico de literatura e filho da escritora homenageada

Paul Beatty. Foto: divulgação.

  1. Paul Beatty

Paul Beatty nasceu em Los Angeles em 1962. Estudou psicologia na Universidade de Boston e recebeu um MFA na escrita criativa do Brooklyn College. Começou sua carreira de escritor como poeta com Hokum, antologia de humor afro-americano. Em 2016, venceu o prêmio Booker com sua quarta novela The Sellout, que aborda as relações raciais na América.

29 jul. | 21h30 | Mesa 16 — O grande romance americano

Informações sobre o evento:

Site oficial da Flip: flip.org.br

Onde ficar em Paraty

Como chegar

10 livros para ler antes, durante e depois da Flip

Capa de “Triste visionário” de Lilia Moritz Schwarcz. Imagem reprodução.

Durante mais de dez anos, Lilia Moritz Schwarcz mergulhou na obra de Afonso Henriques de Lima Barreto, com seu afiado olhar de antropóloga e historiadora, para realizar um perfil biográfico que abrangesse o corpo, a alma e os livros do escritor de Todos os Santos. Esta, que é a mais completa biografia de Lima Barreto desde o trabalho pioneiro de Francisco de Assis Barbosa, lançado em 1952, resulta da apaixonada intimidade de Schwarcz com o criador de Policarpo Quaresma e de um olhar aguçado que busca compreender a trajetória do biografado a partir da questão racial, ainda pouco discutida nos trabalhos sobre sua vida.

Capa de “Poemas da recordação e outros movimentos. Imagem reprodução.

Fazendo uso de variados recursos: uma rica visão poética emotiva e a tematização sentimental, social, familiar e religiosa; com coragem, experiência, estilo bem definido e uso de intertextualidades, são enunciadas pela autora a pobreza, a fome, a dor e “a enganosa-esperança de laçar o tempo”; assim como há espaço para a paixão, o amor e o desejo. Nada, porém, é superficial, gratuito ou excessivo em Poemas da recordação e outros movimentos, que se sustenta em crítica social e no profundo de cada experiência, a partir da produção de um conjunto de poesias fortes e criativas, de belo senso rítmico, cuja leitura desperta emoções, graças à empatia que se estabelece entre os que lêem os poemas e a expressividade emotiva e literária de Conceição Evaristo, quando faz despontar os “mundos submersos, que só o silêncio da poesia penetra”.

 

Capa de “Breve história de sete assassinatos” de Marlon James. Imagem reprodução

Breve história de sete assassinatos é uma obra de ficção que explora esse período instável na história da Jamaica e vai muito além. Marlon James cria com magistralidade personagens — assassinos, traficantes, jornalistas e até mesmo fantasmas — que andaram pelas ruas de Kingston nos anos 1970, dominaram o submundo das drogas de Nova York na década de 1980 e ressurgiram em uma Jamaica radicalmente transformada nos anos 1990. Um romance épico, brilhante e arrebatador, vencedor do Man Booker Prize de 2015.

 

Capa de “Reza de mão” de Allan da Rosa. Imagem reprodução

Reza de Mãe, livro de contos de Allan da Rosa, é uma promissora estreia, em mais de uma acepção da palavra. Além de ser a primeira reunião impressa da produção do autor em contos, inaugura também uma abordagem linguística e literária que contempla a dura vivência na periferia sob o prisma afro-brasileiro, dos movimentos negros que germinam nas franjas da metrópole, que já estabeleceram uma produção cultural de inédito colorido poético. Como todo escritor que faz jus ao ofício, o projeto artístico de Allan é ambicioso. Não se trata apenas de dar voz ao excruciante cotidiano daqueles que vivem à margem do sistema. Ele o faz através de uma revolução estética que perpassa vários níveis, desde um trabalho de fixação de sonoros vocábulos e nomes de origem africana (malunga, requenguela, Mutalambô e outros) até uma sintaxe original na fatura das narrativas, que possuem grande poder de encantamento graças tanto ao lirismo pungente do destino dos personagens quanto ao entrelaçamento de algumas estórias. Reza de Mãe representa uma nova e benfazeja vertente da literatura brasileira contemporânea que não pode mais ser ignorada.

 

Capa de “Esse cabelo” de Djaimilia Pereira de Almeida. Imagem reprodução

Um romance surpreendente que mistura memória, imaginação e crítica social com humor e leveza na medida certa. Mas que fala também de racismo, feminismo e identidade. A história de uma menina que chegou em Lisboa, aos três anos de idade, saída de Luanda, na África, e das suas memórias ao longo do tempo — porque não somos sempre iguais aos nossos retratos de infância –, mas é também a história das origens do seu cabelo crespo.

 

As obras de Scholastique Mukasonga são uma mortalha de papel para aqueles que não têm sepultura. O romance A mulher de pés descalços foi escrito em memória de Stefania, a mãe da escritora Scholastique Mukasonga, assassinada pelos hutus, durante a guerra civil de Ruanda. As lembranças de um paraíso perdido, onde Stefania era uma senhora alegre e casamenteira, que dava conselhos às moças em torno do amor e da vida matrimonial, se mesclam imagens terríveis, como o medo constante e busca de esconderijos seguros para salvar seus filhos do extermínio.

Capa de “A mulher de pés descalços” de Scholastique Mukasonga. Imagem reprodução

Os poemas reunidos em Mundo palavreado trazem à cena um outro Ricardo Aleixo, ao mesmo tempo similar e diferente do Aleixo vanguardista, adepto das tecnologias da voz e da escrita. Esse outro Aleixo — gestado nas entrelinhas dos debates críticos e das performances provocadoras do autor — preenche o rigor da palavra e da imagem com uma ternura juvenil, não de todo destituída de humor e fina acidez. Vê-se, neste momento, que o poeta maduro segue de mãos dadas com o menino, ambos nutridos pelas perguntas que lançam ao mundo.

Capa de “Mundo palavreado” de Ricardo Aleixo. Imagem reprodução

O tapete voador é uma coletânea de contos em que Cristiane Sobral aborda temas como empoderamento negro, discriminação racial e colorismo. O livro apresenta diversas personagens femininas que lutam por superar as barreiras sociais para alcançar seus objetivos. A tessitura dos contos que Cristiane Sobral nos apresenta no inspirado O tapete voador, quando observadas com atenção para as tentativas de categorização, não consensuais, de uma “Literatura negra brasileira contemporânea de autoria feminina”, fornece, para nós leitores, alguns elementos importantes de análise do universo ficcional por ela bravamente erguido. Na perspectiva desta literatura, encontramos nas narrativas deste livro a valorização de diversos aspectos constituintes da identidade negra, e em especial, a inserção da mulher negra autora e personagem da vida e de seus abismos, o que não é pouco, tratando-se de uma literatura brasileira que tradicionalmente privilegia, como autores e personagens, homens brancos e seus discursos.

Capa de “O tapete voador” de Cristiane Sobral

Movido pelo desejo de viver num mundo em que a pluralidade cultural, racial, étnica e social seja vista como um valor positivo, e não uma ameaça, Lázaro Ramos divide com o leitor suas reflexões sobre temas como ações afirmativas, gênero, família, empoderamento, afetividade e discriminação. Ainda que não seja uma biografia, em Na minha pele Lázaro compartilha episódios íntimos de sua vida e também suas dúvidas, descobertas e conquistas. Ao rejeitar qualquer tipo de segregação ou radicalismos, Lázaro nos fala da importância do diálogo. Não se pode abraçar a diferença pela diferença, mas lutar pela sua aceitação num mundo ainda tão cheio de preconceitos.

Capa de “Na minha pele” de Lazaro Ramos. Imagem reprodução

Romance de estreia de Ruth Guimarães, Água Funda teve sua primeira edição em 1946, recebendo imediata acolhida pela crítica literária, os personagens do livro, que compõem o típico painel da vida no interior do Brasil da época retratada, apresenta um tempo em que o negro ainda era escravo. Um mundo por onde desfilam sinhôs e sinhás, contadores de casos e no qual a superstição e o sobrenatural muitas vezes orientam a vida cotidiana.

Capa de “Água funda” de Ruth Guimarães. Imagem reprodução

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