Lembro-me que nos anos de 2005 e 2006 fiz algumas pesquisas em comunidades de Fortaleza referente à elaboração/execução de bibliotecas comunitárias para municiar informacionalmente aqueles usuários em potencial (ou seria não-usuários?). Utilizei técnicas como observação, realização de entrevistas e aplicação de questionários, além de diálogos informais constantes com os moradores das comunidades, visando constituir confiança e respeito no grupo que estava inserido.

As perguntas das entrevistas/questionários foram feitas com base nas necessidades informacionais dos usuários. Vale ressaltar que a ideia de necessidade de informação contida nas perguntas/questões da entrevista estão baseadas nas categorias concebidas contidas em artigo de minha autoria publicado na Revista InCID da USP (páginas 106 a 108). As categorias são as seguintes: processos históricos e cronológicos; processos humanos; processos psicossociais; processos institucionais e pedagógicos.

Uma pergunta em especial me tocou e creio que deva ter suscitado muitas reflexões tanto para a comunidade quando para mim enquanto profissional e pesquisador: a biblioteca satisfaz suas necessidades do dia-a-dia? Não lembro o número exato, mas acredito ter realizado a entrevista com mais de 100 pessoas das comunidades envolvidas.

As respostas foram avassaladora e realisticamente negativas. Salvo engano, aproximadamente 95% das pessoas afirmaram NÃO como resposta. Algumas justificaram que a biblioteca nunca havia chegado até elas e quando tiveram a oportunidade de visitar uma biblioteca foi de forma esporádica por meio de “passeios escolares” (no caso dos estudantes), passagens rápidas pela biblioteca pública (em Fortaleza a biblioteca pública estadual fica localizada próximo a praia e vizinho ao Centro Cultural Dragão do Mar que é um dos principais pontos turísticos culturais e de entretenimento da cidade) ou simplesmente afirmaram que a biblioteca não fazia parte de seus cotidianos.
As poucas pessoas que responderam afirmativamente justificaram que tiveram experiências em bibliotecas escolares através dos filhos (pais que participavam em projetos escolares) ou que participaram de projetos de incentivo à leitura e capacitação profissional que envolvia a biblioteca.

Diante das respostas afirmativas e principalmente negativas fiquei me perguntando: como a biblioteca pode chegar a maior parte da sociedade, especialmente aquela considerada mais carente de recursos básicos de subsistência? Uma das respostas que melhor consegui elaborar foi: é preciso uma política pública de bibliotecas que esteja voltada para as comunidades mais carentes aplicando o que chamamos de serviço de informação utilitária (tenho algumas discordâncias pelo termo que explicitarei no texto da próxima edição, mas concordo com a proposta de ação do serviço).

O serviço de informação utilitária surge para suprir uma grande lacuna de ação das bibliotecas: as ações voltadas para as necessidades do dia-a-dia dos usuários. Muitos usuários vão às bibliotecas para empréstimo de livros, leituras individuais ou em grupo. Porém, é muito difícil um usuário visitar uma biblioteca buscando informações sobre questões do dia-a-dia, como saúde (informações sobre saúde pública, higiene, prevenção de doenças, exercícios físicos, além de informações sobre hospitais públicos, particulares, postos de saúde, ambulâncias, farmácia popular, farmácias particulares, laboratórios, SUS, clínicas, unidades sanitárias, academias populares, academias particulares, etc.); Cultura e lazer (agenda cultural, calendário de eventos, cinemas, teatros, museus, centros e espaços culturais, salas de exposições, galerias de arte, estádios, órgãos ligados ao esporte); utilidade pública (assistência social ao menor, à mulher, ao idoso etc., associações, assistência legal, juizados, tribunais, prisões, serviço de assistência gratuita, projetos públicos, serviços públicos de pagamento como gás, luz, água, telefone, etc., sindicatos, como tirar documentos de identidade, CPF, título de eleitor e outros, segurança, telefones úteis como bombeiros, emergências, polícia, imprensa local); Trabalho (agências de emprego e estágios, oportunidades de empregos, cursos e eventos de qualificação profissional, etc.), além de outros assuntos referentes a realidade cotidiana dos usuários.

Destarte, o serviço de informação utilitária insurge como uma efetiva proposta de mediação para a biblioteca que pode contemplar várias questões do cotidiano. Além das questões já mencionadas no parágrafo anterior a biblioteca escolar pode conceber sua mediação como serviço de informação utilitária a partir da educação (informações sobre vestibular, cursos de qualificação, concursos, dicas de leituras, oferta de materiais bibliográficos em promoção nas livrarias e sebos etc.); desenvolvimento sustentável (uso de materiais recicláveis, além do uso equilibrado dos recursos energéticos e naturais); etnicorraciais (cotidiano da cultura negra); entre outras.

Todavia, é evidente que essas sugestões são gerais, de modo que a biblioteca necessita de interagir com seus usuários, visando reconhecer as necessidades cotidianas latentes entre seus usuários. Mas é inegável que o Brasil precisa popularizar mais suas bibliotecas e torná-la pública no sentido de promover acesso irrestrito à população. A biblioteca não pode ser o lugar do castigo, da monotonia, mas o espaço do cotidiano social concebido na satisfação das necessidades do dia-a-dia.

Por isso, respondendo de forma objetiva a pergunta do texto, penso que o serviço de informação utilitária é uma efetiva estratégia de aproximação entre sociedade e biblioteca (e vice-versa), assim como é um procedimento político (no sentido de envolver questões de análise, decisão e implementação coletiva), pedagógico (no sentido de estratégia de contribuir com a aprendizagem dos usuários) e multiterritorial (no sentido de estender o acesso à informação, já que as bibliotecas ainda são gestadas de forma muito isolada e comumente são fixadas nos grandes centros urbanos se constituindo como espaços esquecidos ou de admiração imagética, mas esquecendo das necessidades da maior parte da população).

Portanto, o serviço de informação utilitária é uma prática coletiva desenvolvida não somente PARA a comunidade, mas COM a comunidade, ou seja, a comunidade se torna parte viva da biblioteca e pode crescer em termos humanos, intelectivos e profissionais a depender da política de serviços de informação utilitária instituída pela biblioteca.

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