Os advogados de Roberto Carlos já analisam o livro “O réu e o rei”, lançado nesta terça-feira (21), que fala sobre a proibição da biografia do cantor em 2007. O empresário do cantor, Dody Sirena, disse ao G1 que foi encomendado um parecer jurídico sobre o novo texto.
A nova obra chegou às livrarias sem qualquer campanha de divulgação feita pela editora. O próprio autor de “Roberto Carlos em detalhes” – a biografia do cantor que foi tirada de circulação em abril 2007, após disputa judicial –, Paulo Cesar de Araújo, escreveu o livro “O réu e o rei” (Companhia das Letras).
“O doutor Marco Antônio [Campos, advogado] está no circuito e vai nos dar parecer jurídico para nossa apreciação, e também do Kakay [Antônio Carlos de Almeida Castro, outro advogado]”, disse Dody Sirena. A reação de Roberto ao novo livro será definida a partir deste parecer.
“A Companhia decidiu avisar a imprensa e os leitores só com o livro pronto. Sabemos dos riscos que corremos, apesar de não ser uma biografia sobre o cantor – e sim um relato, uma reportagem sobre a relação do PCA e RC”, afirmou ao G1, por e-mail, nesta quarta-feira (21), a assessoria de imprensa da editora.
De acordo com a assessoria, jamais houve um caso semelhante, em que uma obra da Companhia das Letras, fundada em 1986, não teve campanha publicitária. A tiragem de “O réu e o rei” (30 mil exemplares), no entanto, é superior à média. Com 528 páginas, o livro tem um título complementar que faz referência à biografia banida: “Minha história com Roberto Carlos, em detalhes”.
O livro sai duas semanas depois de a Câmara dos Deputados ter aprovado o projeto de lei que libera a venda de biografias não autorizadas pelos biografados ou por suas famílias, em caso de morte. O texto ainda precisa passar pelo Senado antes de ir à sanção presidencial.
O Supremo Tribunal Federal também deve analisar a ação que pede a liberação da publicação. O caso será decidido pelo Supremo durante o julgamento de ação proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel).
No processo, a associação afirma que a atual restrição imposta aos editores é incompatível com a liberdade de expressão e de informação. Os autores da ação pedem que o Supremo declare que não é necessário o consentimento do biografado para que o livro seja publicado.
Editor escreve em blog
O texto de apresentação de “O rei e réu” descreve o conteúdo citando a controvérsia do livro anterior. “Objeto de verdadeira polêmica pública, a batalha em torno da proibição de ‘Roberto Carlos em detalhes’ é o cerne de ‘O réu e o rei’”, informa o material promocional.
“Paulo Cesar de Araújo conta a história da sua intensa relação com a música de Roberto Carlos, os 16 anos de pesquisa que embasaram a redação da biografia, e por fim os meandros de uma das mais comentadas e controversas guerras judiciais travadas recentemente no Brasil.”
No mesmo dia em que “O réu e o rei” chegou às livrarias, o editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, fez no blog da editora um post a favor da liberdade da publicação de biografias não autorizadas.
“Com essa publicação, procuramos relembrar um período de injustiças na qual outros escritores e editores – é importante não deixar de citar Ruy Castro, que conosco pelejou na justiça por muitos anos para ter sua biografia de Garrincha circulando livremente – foram cerceados”, escreve Schwarcz.
“Serve como testemunho das dificuldades para escrever biografias independentes no Brasil. Com ele [‘O réu e o rei’] a Companhia das Letras procura contribuir ativamente para a consolidação do direito do cidadão brasileiro ao conhecimento de fatos relevantes da vida das suas figuras públicas.”
O editor afirma ser “coincidência” o fato de a obra ter saído logo depois da aprovação do projeto pela Câmara. Também diz que aprovou a proposta de “O réu e o rei” porque o “livro atendia bem às minhas duas intenções iniciais: trazer Paulo Cesar para a Companhia das Letras e marcar posição na luta pela liberdade das biografias”.
Procure Saber
A liberdade de publicação de biografias ganhou mais destaque a partir do início de 2013, quando o grupo Procure Saber – então integrado por Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Djavan, entre outros artistas, e presidido pela ex-mulher de Caetano Paula Lavigne – passou a defender a proibição de obras não autorizadas.
Os artistas diziam defender o direito à privacidade e destacavam as dificuldades em conseguir reparar, através de ações judiciais, os danos posteriores à publicação.
Os biógrafos, contudo, avaliam que a necessidade de autorização é censura prévia e fere a liberdade de expressão. Dizem que a necessidade de autorização defendida pelos artistas impediria a publicação de obras sobre personagens históricos, citando como exemplo a impossibilidade de se escrever sem interferências um texto sobre generais da ditadura ou sobre políticos.
O Código Civil brasileiro, em vigor desde 2003, diz que “a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.
Foi justamente essa regra permitiu que Roberto Carlos banisse, em abril de 2007, a biografia escrita por Paulo César de Araújo. “Roberto Carlos em detalhes” havia sido publicado pela Planeta em dezembro de 2006. A obra teve a produção e comercialização interrompidas após acordo judicial entre a editora e o cantor.
O Artigo 5º da Constituição Federal, entretanto, diz que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e atesta que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Publicado originalmente no G1