Ainda quando crianças fomos ensinados na escola que a história do Brasil tem início com a chegada dos portugueses em 1500 através da expedição de Pedro Álvares Cabral. Pensando nisso, me pergunto: não existe outra história além da contada pela visão do colonizador? Também me pergunto: como seria nossa história se ela fosse contada a partir do ponto de vista de quem já estava na terra, o povo indígena?
De acordo com o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a palavra “terra” tem alguns significados como: “planeta habitado pelo homem; solo ou então camada superficial do solo onde nascem e crescem os vegetais”, entre outros. No dicionário do capital, dos fazendeiros e do agronegócio a palavra “terra” significa: “dinheiro; mercadoria e até mesmo poder”. Já no dicionário indígena “terra” significa: “vida; história e memória”. A grande diferença na interpretação desses significados é que a terra para o povo indígena não é uma mercadoria, não é um produto de compra e venda. Para os índios a terra é vida, história. É onde foram enterrados seus ancestrais.
A grande sacada dos portugueses quando chegaram aqui foi em um primeiro momento apresentar aos índios as iguarias através do escambo. Começou-se uma relação que logo descambaria para o roubo das terras, roubo da dignidade indígena, já que em um primeiro momento tentaram escravizá-los e catequizá-los.
Com o avançar da história e a chegada da “modernidade”, a história do povo indígena parece não ter mudado nem mesmo com a descoberta do pau-brasil. Por outro lado, dizem que o Brasil evoluiu, mudou de nome, deixou de ser uma colônia, tornou-se independente, hospedou a família real, acabou com a escravidão, virou uma República, foi uma ditadura e finalmente proclamou a Constituição de 1988, que garantiria os direitos dos índios à terra. Mas até hoje a dívida com o povo indígena está longe de ser sanada. Para fazer essa conclusão, basta fazer uma breve recapitulação sobre alguns fatos.
Lembrar para não esquecer
Há quinze anos o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, de 44 anos, foi queimado vivo em Brasília. Os jovens que cometeram essa atrocidade foram condenados a quatorze anos de prisão, mas foram soltos após cumprirem apenas oito anos de pena.
Segundo o jornalista Bob Fernandes, da TV Gazeta, entre os anos de 1986 e setembro de 1999, 308 índios se suicidaram na reserva Kaiowá/Guarani, em Dourado, Mato Grosso do Sul. Atualmente esse número já chega a impressionante marca de 863 suicídios. Bob ainda informa uma proporção assustadora: de acordo com o Conselho Indigenista Missionário, o índice de assassinatos na Reserva de Dourados é de 145 habitantes para cada 100 mil, índice de morte maior que no Iraque, onde a proporção é de 93 pessoas em cada 100 mil.
Recentemente tivemos um exemplo de como os governantes brasileiros tratam a questão indígena no Brasil. O então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, chegou a mentir dizendo que a demolição do Museu do Índio, no Maracanã, era uma exigência da FIFA. Ele voltou atrás após a entidade máxima do futebol declarar em nota que não exigiu a demolição do museu. Segundo Cabral, a demolição faz parte de uma concepção de segurança e que os cerca de vinte índios que vivem no local não é um problema seu.
No dia 08 de outubro, os 170 índios que vivem no município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, receberam uma ordem de despejo. Eles afirmaram que não vão sair mesmo que essa decisão lhe custe suas próprias vidas. Um dos grandes defensores da causa indígena no Brasil, Darcy Ribeiro se estivesse vivo completaria 90 anos de idade também no mês de outubro, mais precisamente no dia 26. Essa coincidência nas datas parece uma crônica de mortes anunciada.
O silêncio da mídia
Um provérbio que já caiu no gosto popular é o quem cala consente. Essa expressão é a mais adequada para o silêncio da mídia brasileira em relação aos suicídios coletivos dos índios. Poucos foram os jornalistas que deram atenção para esse fato. Bob Fernandes, comentarista da TV Gazeta e a jornalista Eliane Brum, que escreveu o texto Decretem nossa extinção e nos enterrem aqui, em sua coluna na Revista Época, foram um dos poucos jornalistas que procuraram abordar essa problemática, enquanto a outra grande parte da mídia estava preocupada com um assassinato que chamou mais a atenção do país, o do personagem Max da novela Avenida Brasil.
No meio político, um dos poucos parlamentares que tratou desse tema foi o Deputado Estadual do Psol Marcelo Freixo, em um discurso no plenário da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), no dia 24 de outubro de 2012. Freixo ressaltou que “a concepção de poder público foi privatizada pelos interesses econômicos. E nesse sentido, não há espaço para a cultura, principalmente para cultura indígena”.
Uma outra história indígena
A grande verdade é que a história do povo indígena é marcada por luta, até chegar ao ponto em que talvez a morte ou o suicídio seja a prova mais clara de resistência de um povo que continua sendo massacrado e oprimido na terra que é sua de direito.
Se a nossa história fosse contada sobre o prisma indígena, talvez hoje vivêssemos em uma sociedade com mais respeito ao próximo, com mais respeito aos idosos e, principalmente, com menos danos ambientais e mais respeito à natureza.
Em 1986, quando supostamente começaram os suicídios indígenas, o poeta Renato Russo parece que já denunciava e previa as injustiças contra o povo indígena na canção Índios, que é a letra mais indicada para uma reflexão final:
”Quem me dera, ao menos uma vez,
Ter de volta todo o ouro que entreguei
A quem conseguiu me convencer
Que era prova de amizade.
Quem me dera, ao menos uma vez,
Como a mais bela tribo, dos mais belos índios,
Não ser atacado, por ser inocente”.