Com a abordagem proposta sobre percepções de infância e suas relações com o nascimento do leitor, seguimos com a sugestão de categorias para análise e escolha de livros para compor bibliotecas que bebês, crianças pequenas e suas famílias tenham acesso. As categorias foram construídas como resultado de pesquisa acadêmica (Serra, 2015), que contou com entrevista com profissionais de livros premiados pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ / IBBY Brasil.

1) “Se focalizar nesse 0 a 3 anos talvez seja sair do 0 a 3”

“Eu nem sabia que existia essa categoria de 0 a 3 anos. Parece-me que a criança pode ver um livro de fotos do Sebastião Salgado, ver um livro do Guimarães Rosa, em que ele veja algumas ilustrações, sei lá, do Poti, Santa Rosa. Por mais que não seja um livro de 0 a 3 anos. Eu não acredito que existam especificidades, mas por que você me faz essa pergunta? O que seria? Cores básicas? O exercício de chegar a cores, mas não simplesmente cores, mas não simplesmente aquela cor. Por exemplo, aquele azul Klein, que é um azul muito impregnante, é uma cor básica e poética, e tem um exercício poético, uma função poética, que também existe no texto, como a simplicidade de [Mário] Quintana de chegar à palavra pela beleza e pela função plástica da palavra. Se focalizar nesse 0 a 3 é sair. Talvez seja sair do 0 a 3 anos”. (Roger Mello, IN: SERRA,2015).

“Então, porque uma criança gosta ou não gosta de ver é tão relativo, eu acho que a gente tem que incentivar a arte de um modo geral, quanto mais cedo você mostra essa gama de possibilidades, melhor. Você deixa a pergunta, você deixa o espaço do vazio, se ele tem qualidade, ele tem idade ou devia para começar, mas ele não tem idade para acabar, o livro que serve para uma creche, ele também serve para o menino mais velho. Por que não?” (Anna Claudia Ramos, IN: SERRA,2015)

A ideia de um livro específico para as crianças de 0 a 3 anos é questionada. O escritor e ilustrador Roger Mello chama atenção para a desconstrução de um olhar para a criança somente pela faixa etária. Sair do foco etário para chegar à criança a partir de outras referências, evidencia que é neste deslocamento para o sujeito criança, que se chega a ela.

Ao questionar o limite de faixa etária somos brindados com a ideia de exercício poético nas produções literárias para as crianças, seja pela escolha da cor, seja para se “chegar às palavras pela beleza, pela função plástica da palavra”. Somos levados a pensar na função plástica de cores e palavras como resultado de um exercício poético no qual a simplicidade dá o tom. Mas o que apresenta como simples é complexo, porque não se trata de uma simplificação, mas de se chegar à leveza, ao poético e dissonante.

A simplicidade poética seria, assim, um elemento de constituição de um livro literário sem endereço etário fixo. Pensar em um livro que aproxima a criança da arte desde cedo e que, nesta experimentação, possa preencher um espaço vazio. Estes autores tratam o encontro da criança com o livro e a arte, sem adjetivações ou reduções.

“Então a criança precisa logo começar a fazer sentido. Ela está entendendo? Ela não está entendendo? Algumas coisas são do universo sonoro, outras são do universo tátil, visual, e mesmo a compreensão pode não vir inteira, mas ela se faz de pedaços. A poesia é assim e ela não quer fazer sentido muitas vezes, então essa busca do entendimento é uma necessidade de tirar a criança logo daquela região não pratica da região não produtiva”. (Roger Mello, IN: SERRA,2015).

Muitas vezes o adulto tem suas certezas frustradas quando um livro que selecionou não encanta a criança e se surpreende com escolhas das crianças fora dos parâmetros instituídos. Isto porque, como sinalizam Roger Mello, Yolanda Reyes e Bonnafé, o encontro das crianças com os livros de histórias costuma ser limitados pela busca de informação/formação ligado a um entendimento linear, utilitário e de produtividade. A observação, a escuta, a interlocução com as crianças é o que vai permitir aprender com elas, conhecer um pouco mais sobre seus critérios de escolha e preferências.

2) Público alvo / Faixa etária

“Eu cheguei a essa conclusão ao longo de anos, tem que respeitar. Então tem uma criança que chega e escolhe um livro que a gente pensa que está completamente fora da faixa etária, mas é o livro que está funcionando para ela naquele momento, que está sendo bom pra ela”. (Bia Hetzel, IN: SERRA,2015).

“Lembro de quando eu era pequena, adorava ver o livro de anatomia que meu pai tinha. Ficava em cima do armário e tinha as partes em transparência que uma encaixava na outra, uma coisa! Era uma coisa que laboratório farmacêutico dava, tinha livros de cobras porque tinham soros antiofídicos. Então eu adorava ver aquilo”. (Graça Lima, IN: SERRA,2015)

O encantamento da autora ajuda a observar o quanto as crianças subvertem as regras. Como aponta Benjamin, no fragmento “Criança desordeira” (2002), “ela [a criança] não conhece nada de permanente, tudo lhe acontece (…). Suas gavetas têm de tornar-se casa de armas e zoológico, museu criminal e cripta. ‘Arrumar’ significa aniquilar uma construção”.

As crianças invertem a ordem das coisas, dão novos significados aos objetos pelo gesto, pela brincadeira. Como relata Graça Lima, com os livros não é diferente, o livro de anatomia encantava a menina pelas transparências.

“Mas não acredito que existam tamanhos, especificidades. Talvez essas coisas de não ter pontas para não machucar a criança, para que ela mesma possa manusear o livro… A relação dela vai ser muito com livro no que ele tem de sonoro, uma relação muito física porque uma das coisas que o livro é físico, nesse sentido ele é mais físico. Mais 4G, 3D do que o livro digital, esse livro conhecido, livro, livro que na história se formou codex, mesmo que fosse outra estrutura de livro, não existe só estrutura do codex. Ele que é um objeto que interessa muita a criança de 0 a 3. Ele é autoportante, você pode colocar ele em pé e ele fica em pé, passe as páginas ele é todo um mundo de surpresas, uma página após a outra é surpresa, é susto”. (Roger Mello, IN: SERRA, 2014).

Com a ideia de “auto portante” sugerida por Roger Mello, somos provocados a olhar para a dimensão de materialidade do objeto livro que muitas vezes é um desafio para os adultos envolvidos com a leitura para e com bebês. Isto inclusive porque o livro, como objeto de cultura, possui aspectos de sacralidade e adoração que crianças pequenas subvertem quando tentam experimentar com a boca, transformam em chapéu ou ainda entram fisicamente dentro da história, sentando no livro.

Um desafio que não deve ser deixado de lado. A experiência com livros e os pequenos confirmam nosso aspecto cultural de nossa humanidade. Crianças aprendem desde bebês a não destruir os livros, e isto exige a presença de um adulto.

O olhar dos autores sobre suas infâncias anuncia que este momento da vida não pode ser entendido como um bloco homogêneo, no qual se distinguem apenas as mudanças de habilidades mais visíveis, como as motoras. A faixa etária dos 0 a 3 anos é marcada por grandes saltos e conquistas que precisam ser observados e considerados, pois de fato existem diferenças entre as crianças de um e as de três anos, entre as crianças de oito meses e as de um ano e meio, mas existem também muitas diferenças em relação à expressão, aos costumes, à autonomia, às diferentes manifestações culturais que ultrapassam a ideia de faixa etária.

Assim, ao pensarmos em livros para bebês e crianças pequenos estamos tratando de um universo amplo. O que identificamos como um bebê e o que ele pode ou não fazer são questões que passam também pelos aspectos socioculturais. Mas quanto à relação das crianças com os livros cabem indagações, como: Quais os livros que elas podem manipular sozinhas e quais os livros que a presença do adulto se faz necessária? A ideia de que a criança precisa ter acesso direto ao livro tem trazido um investimento do projeto gráfico-editorial na materialidade do livro: resistência, tintas atóxicas, bordas arredondadas que facilitam o folhear são algumas características do livro para os pequenos que têm predominado.

No lugar de pensar no livro certo para certa idade, considerar a qualidade da relação, a possibilidade do vínculo, que o encontro das crianças com livros de histórias pode proporcionar, como nos aponta Reyes (2012).

“O fato de compartilhar tantas horas ao lado desses terríveis adolescentes de dois anos, que deixam de ser bebê para serem crianças e querem fazer tudo ”sozinhos”, me levou a desconfiar do que chamamos de temas juvenis – ou adultos ou infantis – e me ensinou que repetimos com um lugar–comum, embora não deixe de ser verdade: que todos nós viemos da infância; que a infância é a primeira pátria das mesmas perguntas essenciais, dos porquês – por que você vai, por que me deixa só, em meio a tanta escuridão, com tantos monstros, bruxas e dragões e coisas que não entendo? Talvez o tempo de crescer – porque sempre crescemos, inclusive quando começamos a encolher – seja um leitmotiv, não da literatura juvenil, senão da própria literatura. Porém, permita-me um matiz: crescer não é avançar em linha reta – como os gráficos de peso e altura que fazem os pediatras -, mas acolher saltos, continuidades, avanços e retrocessos. Pois, segundo Sandra Cisneros, cresce-se como a cebola… ou como essas pequenas bonecas de madeira que se encaixam umas dentro das outras: um ano se encaixa no seguinte e ambos se acumulam no vivido. E assim, todos os tempos, ao mesmo tempo, e somos adultos e crianças ao mesmo tempo, e prestes a mudar, sempre e mil vezes”. (REYES, 2012, p. 37).

Nas falas destacadas estão presentes referências ao desenvolvimento cognitivo das crianças e a preocupação com a restrição de acesso aos livros, pois não é “público-alvo”. Esta limitação também se dá quando pensamos em uma infância pré-determinada por idades e etapas, com uma mesma medida da norma que esvazia o potencial das crianças.

“Porque na verdade quando eu faço um livro eu penso em mim”

“Eu não penso, porque eu acho que o ilustrador pensa nele, e não porque é egoísta. A gente pensa no desenho, não pensa na criança. Porque se for pensar só nesse ponto de vista perdemos o aspecto do desenho. Acho que a gente também conserva muito desse lúdico inicial, eu conservo muito as minhas sensações dessa época”. (Graça Lima, IN: SERRA,2015).

“Não tem como eu falar disso e não me lembrar da minha infância, como eu interagia com os livros. Exemplo, ‘Patinho feio’, eu queria levar ele pra casa, cuidar dele, então eu interagia com ele. E eu não acho que a criança pequena não possa escutar histórias tristes”. (Anna Cláudia Ramos, IN: SERRA,2015).

“Quando eu faço um livro eu não penso no público-alvo. A palavra já fala: ‘público-alvo’ dá um tiro no leitor. Porque na verdade quando eu faço um livro eu penso em mim. Eu vou fazer um livro de 0 a 3, pra mim já está errado, eu vou fazer um livro depois eu vou ver quem gostou desse livro. Isso não quer dizer que não seja importante, é muito importante conhecer esse leitor, analisar do ponto vista poético, para ver como você pode trabalhar, mas eu acho que vem da observação de um leitor não preconcebido, mas um leitor de 0 a 3 anos, que já é leitor… A partir da observação, mas sabendo que sempre alguém vai mudar essa regra, as pessoas são diferentes, elas não se enquadram dentro de faixas etárias em blocos”. (Roger Mello, IN: SERRA,2015).

Diante do desafio em definir o que seriam livros para crianças desde bebês ou ainda a pertinência desta classificação por idade, com os fragmentos acima, incluímos mais um aspecto:  o processo de criação dos autores (escritores e ilustradores) e editores. Sentimentos e sensações revisitadas a partir de suas memórias afetivas, essas lembranças surgem com mais intensidade do que a ideia de um interlocutor objetivo. A interlocução se dá com a criança que permanece em cada um.

O leitor presumido, que participa da obra desde dentro, parece ser a criança que ele foi e que todos eles foram e com as quais entram hoje em diálogo. Roger Mello, juntamente com Bakhtin, instiga a problematizar a ideia de “público-alvo”, de um leitor que está fora da relação e que precisa ser atingido – já que é um alvo. Ideia muitas vezes presente na orientação de autores e editores que estão fora da esfera dos premiados.

Em geral, o público leitor se associa a um “público-alvo” e se transforma em “um tiro no leitor”, como define este autor. O alvo, a ser “acertado”/morto é a criança mesmo, ajustada, definida pelo autor previamente. Se o fato de levar conscientemente em conta o público leitor que vem ocupar uma posição de alguma importância na criatividade do poeta, esta criatividade inevitavelmente perde sua pureza artística e se degrada a um nível social mais baixo, como observa Bakhyin (citado por Corsino, 2014).

O leitor presumido que participa da obra, como já foi abordado, não pode ser confundido com público alvo porque são endereçamentos diferentes, que se encontram em níveis de abstração também diferentes. A ideia de público-alvo se afasta da arte porque apresenta uma intencionalidade de uso da obra direcionada a uma finalidade específica. Neste caso, encontramos toda sorte de livros infantis. Muitos até se aproximam de uma narrativa ficcional, mas sua proposta interlocutiva de base é a informação, o convencimento, a autoajuda etc.

Não há como falar de literatura infantil sem se remeter à infância. “A infância está lá” e participa do traço do ilustrador e das palavras do escritor, porque habita cada um deles, enquanto experiência. Histórias, personagens e palavras os constituíram em leitores e atuam em suas obras, pela permanência em cada um. O ouvinte/leitor imanente está lá, determinando intrinsecamente suas formas artísticas.

3) “Uma história que fale para ela – que ela se reconheça ali”

“Então, o que é uma boa história para as crianças? Uma história onde ela possa entrar, onde ela possa mergulhar dentro dela e brincar com aquela história”. (Anna Cláudia Ramos, IN: SERRA,2015).

Um livro para criança, de que idade for, precisa “falar para ela”, uma “história onde ela possa entrar” e habitar por alguns momentos. É um encontro íntimo. O encontro com o aspecto sensível do humano, reconhecimento de si e do outro. Uma alteridade constitutiva. Espaço também da fantasia, da imaginação que tem papel importante nas relações com si mesmo e com o outro.

Silvia Castrillon (Fantástico, mas nem tanto…A colonização da Fantasia., 2014), ao tratar do tema da fantasia nos livros de literatura infantil, sem identificar a faixa etária do leitor, convida a pensar o quanto o argumento de que a criança pequena não deve ter acesso a algumas histórias fantásticas possa estar atendendo a uma necessidade de controle do adulto. Isso porque a fantasia supõe transgressão e soluções desconhecidas. Como educar sem que o adulto possa ter o controle do resultado final?

Ao problematizar o controle, a censura à autonomia da criança, Castrillon, além de tratar desses temas na relação do adulto com a criança, em espaços como a escola e a biblioteca, também chama a atenção para a influência que se torna mais presente a cada dia, em diferentes espaços, físicos e simbólicos, de uma sociedade em que os meios de comunicação criam e ditam as concepções de fantasia.

São muitas as histórias nas quais as crianças podem morar. Como diz Castrillon, não podemos desconsiderar que somos levados a definir muitas vezes nossos gostos constrangidos e limitados ao que temos acesso, e os meios de comunicação contribuem para isso, já que brinquedos, filmes, desenhos animados, jogos e livros formam uma rede de uma indústria cultural na qual se enredam as mesmas histórias e personagens. Esta rede torna-se muitas vezes perversa porque para grande parte da população é basicamente a única fonte de acesso às histórias. Oferece muito do mesmo, do já conhecido, sem a força criadora e desestabilizadora do surpreendente.

Para Castrillon (2015), “é uma contradição do mundo global onde se tende a dar mais voz ao que já tem e de descuidar do que não tem, quando isso poderia abrir novos caminhos de conhecimento”. Neste sentido, entra a função social da escola e da biblioteca: dar acesso a livros que possam trazer novas inquietações e outras possibilidades de arrebatar as crianças.

Na relação entre a criança e o livro, há o adulto que lê e que escolhe. Portanto, novas inquietações também precisam arrebatar o adulto, uma ponta importante do triângulo para que vá além de suas experiências infantis e/ou do controle pelo já conhecido. Neste encontro entre a criança, o adulto e o livro, criam-se movimentos e pontes. É também preciso que a criança desde bebê seja reconhecida em sua capacidade crítica em sua “claridade que cintila dentro de sua ignorância” (MEIRELES, 1984, p.30).

4) Livro para crianças e literatura infantil “A arte é anti-faixa etária”

Os primeiros contatos da criança com a palavra ocorrem ainda no ventre materno, quando o bebê percebe os sons externos, as modulações das vozes, os ritmos das músicas. Depois do nascimento, é por meio da palavra do adulto que o embala, o alimenta e que brinca com ele, que tem início a relação com o outro, com o mundo. Assim começa também seu processo de constituição, de significação do mundo pelos gestos e palavras que interpretam suas sensações.

Grande parte da palavra e da sonoridade, que constituem os sujeitos desde o nascimento, estão presentes na literatura oral em forma de cantigas, brincos e parlendas que compõem os momentos de vínculo entre adultos e crianças. Esta linguagem que cria elos vai tomando seus primeiros contornos na infância e, ao longo da vida, remontam nossa memória afetiva.

Câmara Cascudo (Literatura Oral no Brasil., 2006) denomina literatura oral as brincadeiras com as palavras presentes na cultura popular e que fazem parte das brincadeiras infantis: “As parlendas, ou lengalengas, como dizem os portugueses, são fórmulas literárias tradicionais, rimadas também pelos toantes, conservando-se na lembrança infantil pelo ritmo fácil e corrente. São incontáveis e se prestam para os embalos, cadenciam movimentos do acalanto infantil no intuito de entreter e instruir.”

Todo este repertório lúdico sonoro da literatura oral nos constitui e esta memória é também fonte que tem alimentado a literatura infantil. Assim, a “plasticidade da palavra” anunciada por Roger Mello é trabalhada a partir desta memória, numa materialidade que acolhe e fortalece o vínculo entre adultos e a geração que acaba de chegar.

Chegando ao final desta conversa

A intenção neste texto é propor reflexões que auxiliem a análise/escolha de livros para bebês e crianças pequenas. O que seria um livro destinado às crianças que têm entre quatro meses e três anos e 11 meses? O que seria literatura? Existe literatura infantil para bebês e crianças pequenas? Tomamos como pressuposto o que afirma Eagleton (Teoria da Literatura: uma introdução, 2006):

Portanto, o que descobrimos até agora não é apenas que a literatura não existe da mesma maneira que os insetos e que os juízos de valor que a constituem são historicamente variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais. Eles se referem, em última análise, não apenas ao gosto particular, mas aos pressupostos pelos quais certos grupos sociais exercem e mantêm o poder sobre outros.  (EAGLETON, 2006, p. 24).

Uma questão que certamente repercute em toda cadeia produtiva envolvendo autores, ilustradores, programadores visuais, editores, entre outros. Interessante observar que os livros que têm como interlocutores privilegiados as crianças bem pequenas, que inclui os bebês, também segue a lógica escolar.

Este artigo contou com levantamento de autores e editores premiados nos últimos 40 anos pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) nas categorias “O melhor livro para crianças”, “O melhor livro de imagem”, a lista do “Selo Altamente Recomendável FNLIJ” e presentes na seleção do PNBE para as creches dos anos de 2010, 2012 e 2014. Vale registrar que a categoria “Livro – Brinquedo” não foi considerada, por apresentar, em sua maioria, livros estrangeiros.

Este levantamento teve como objetivo identificar as obras comuns às duas seleções. Sendo assim, os juízos de valor que julgaram tais obras trazem pressupostos que os definem como sendo de qualidade. São obras que passaram tanto por julgamento dos votantes da FNLIJ, que são especialistas em literatura infantil, quanto pelos professores que participaram da seleção dos livros do PNBE e seguem critérios que definem qualidade.

Ao problematizar o processo de produção do livro para crianças desde bebês, por meio de uma pesquisa acadêmica, documentando e analisando o ponto de vista de escritores, ilustradores e editores premiados, pretendo contribuir para que o encontro entre a criança, o livro e o adulto proporcione aos envolvidos momentos de satisfação, além de colaborar com novos caminhos para a fantasia e o conhecimento, elementos que constituem o humano e suas relações.

Ao buscar na palavra de autores e editores suas ideias sobre a presença de seus livros na vida de crianças pequenas, me posiciono, na dimensão polifônica da linguagem, composta de sujeitos em suas diversas dimensões e lugares sociais.

Durante os últimos 25 anos, o convívio entre a produção editorial e a leitura de livros de literatura infantil e juvenil, com autores, editores, professores, bibliotecários, adultos, crianças e jovens, em escolas, bibliotecas – nas experiências profissionais como colaboradora da FNLIJ – e de outras instituições, constituiu um desafio. Do lugar de pesquisadora, a intenção é colaborar com o encontro entre dois polos, fazer pontes. Pontes que possibilitem passagens para viabilizar encontros ou ampliar destinos. Nesta perspectiva, Bakhtin, ao trazer a palavra como ponte entre o outro e eu, ajuda a entender a dinâmica do espaço de interlocução.

Diz Bakhtin (2014) que “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do interlocutor”.

E ficamos por aqui com um convite para o diálogo:

“(…) ‘Encosta, já falei’, e fazia a marca. Uma marquinha tão pequena – porque ela queria guardar a altura de Gul, mas não queria estragar a parede – que frequentemente, procurando a do mês anterior para comparar, não a achava, e ficava então com o pescoço esticado, o nariz junto a superfície branca, subindo e descendo, movendo-se de leve como se cheirasse o reboco. Às vezes, cansada da pesquisa, desistia, decretando com seu absoluto poder de mãe: ‘Cresceu o bastante’. E dava o assunto por encerrado. O que ela não sabia é que a verdadeira medida de crescimento de Gul não era dada pela sua fita amarela. Era dada pelas conquistas de Gul.

‘Mãe! Estou vendo dentro da pia!’ Aquela sim havia sido uma vitória!” (Marina Colasanti, 2005 p.12-14).

Fica o convite para a busca de novos pontos de onde possam incidir outras luzes sobre nossos olhares, outras alturas que possam convidar novos sons, outros espaços para que os movimentos sejam mais leves e intensos. Os bebês, as crianças e os adultos envolvidos merecem!

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