O Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca de São Paulo (PMLLLB/SP), conjunto de conceitos, diretrizes, objetivos e metas que balizam as políticas públicas do livro e leitura na cidade, possui um nome longo e isso não foi à toa.

Sua construção, no período de 2012 a 2016, abrangeu os diversos setores atuantes do livro e leitura. Seria simples apontar o plano apenas como o do “livro e leitura” e desejar que isso contemplasse todos os segmentos, mas a afirmação desses nomes na sigla não foi apenas uma questão formal.

Na composição o PMLLLB/SP fica clara e está incluída a presença, a disputa e a afirmação dos mediadores de leitura e informação, editores, gestores, profissionais e militantes e, em especial, dos leitores da cidade.

O objeto livro e a leitura como ação interdependem desses profissionais, militantes e de todas as pessoas que fazem valer o direito à escrita, à leitura e ao acesso à informação. Nunca é demais reafirmar que a novidade trazida pelo PMLLLB no seu processo de construção foi a participação popular, participação essa que se configurou complexa e diversa.

O Plano, que se transformou em lei em dezembro de 2015 (Lei nº 16.333/2015), nasceu marcado pela legitimidade do diálogo, da descentralização e sob a marca das contradições históricas, das reivindicações, dos pontos de intersecção e das relações entre os segmentos que atuaram em seu processo de construção.

As demandas das bibliotecas comunitárias e públicas; os parâmetros para a composição de uma política de formação de acervo público; a integração das unidades de informação públicas e privadas; o estímulo para o setor produtivo (editores e livreiros); a ação e a formação de mediadores; o estímulo à escrita e produção literária; a dinâmica contra- hegemônica da literatura periférica e dos saraus; o leitor comum e a valorização do livro e da leitura para além dos seus fetiches consumistas estão expressos na lei aprovada.

Porém, há uma face pragmática que deve ser contemplada: uma lei deve ser cumprida. Para tanto, com as devidas mediações e adaptações, a lei do Plano deve ser a norteadora das ações, projetos e programas das Secretarias (Educação e Cultura) relacionadas aos princípios, objetivos, diretrizes e metas do PMLLLB/SP.

Para deixar claro porque, como e onde estamos em relação ao PMLLLB/SP, é preciso entender o que aconteceu no seu período histórico mais recente, a partir de sua aprovação, no mês de novembro de 2015, em votação unânime na Câmara Municipal e com a sanção pelo então prefeito Fernando Haddad, de dezembro do mesmo ano até o presente momento.

No ano de 2016 foi eleito um conselho tripartite (Executivo, Legislativo e Sociedade Civil) para monitorar e tentar garantir o cumprimento dos objetivos, diretrizes e metas contidas no PMLLLB/SP.

Aqui, a dimensão da participação está novamente explicitada. Por parte do Executivo e do Legislativo, os representantes desse Conselho foram nomeados pelas Secretarias afetas e pela Presidência da Câmara. Os componentes da sociedade foram eleitos de forma direta, em um pleito realizado no dia 04/12/2016, na histórica Biblioteca Monteiro Lobato da Vila Buarque.

A eleição direta dos representantes da sociedade civil para o Conselho do PMLLLB não foi um mero detalhe, um penduricalho, um adereço democratista da lei aprovada. Eleição direta representa a continuidade da participação popular e uma maior possibilidade de pressão da sociedade para um cumprimento de leis e pactos.

A representação da sociedade no referido Conselho nada mais é do que a continuidade do papel que a participação popular cumpriu no processo de construção do PMLLLB/SP.

No ano de 2017, João Dória assumiu a prefeitura de São Paulo, após vencer Fernando Haddad. Eleito, Dória indica o cineasta e produtor cultural André Sturm para a Secretaria de Cultura. Logo no começo da gestão Dória/Sturm tive a oportunidade de participar de uma reunião solicitada pelo vereador Antonio Donato (PT), que envolveu membros do Conselho do PMLLLB/SP e o secretário Sturm.

Nessa reunião, o secretário fez questão de frisar que o PMLLLB/SP não seria o parâmetro de orientação de seu programa para o livro e leitura e que o Conselho eleito não seria considerado como instância legítima de monitoramento e fiscalização de sua gestão.

Para mostrar coerência e o tom do seu perfil autoritário, o Sturm ignorou completamente o Plano, que é uma lei, e o Conselho, que é a consubstanciação da face popular dessa lei.

Através de um decreto, a Gestão Dória/Sturm extinguiu o Conselho do PMLLLB, que apesar de eleito em voto aberto, foi chamado de “conluio de amigos” pelo secretário. Foi então nomeado um “Conselho de Notáveis”, escolhido monocraticamente pelo próprio Sturm. No vernáculo sturmiano ficou demasiadamente sutil a diferença entre conluio e notável.

Em São Paulo, a extinção do Conselho extirpou da lei a sua essência. Em ambientes democráticos, a relação Plano/Conselho é fundamental.  Em ambientes autoritários, transforma-se em detalhe insignificante, motivo de galhofa ou empecilho.

É preciso insistir na equação que junta o PMLLLB/SP (ou qualquer plano voltado às políticas públicas) a um Conselho, sobretudo se a construção desse plano teve a participação popular como norte.

A propalada pós-política ou nova política, que defende coisas como democracia sem povo, voto sem lastro, partidos fracos e, por que não, planos sem conselho é, na verdade, um eufemismo para negação da política, se valendo do pior que a política pode trazer.

Trata-se de uma armadilha na qual as palavras antipolítica, neutralidade e isenção são a pá de cal na democracia representativa e o mote de entrada para os diversos autoritarismos.

Seguindo na história, em janeiro de 2019, já com o sucessor de João Dória – seu vice Bruno Covas – no comando da Prefeitura, André Sturm foi demitido e quem assumiu a Secretaria de Cultura do Município de São Paulo foi o produtor cultural Alexandre Youssef.

O novo secretário começou sua gestão tentando reconstituir as pontes, derrubadas pelo seu antecessor, com os diversos segmentos artísticos e com os coletivos culturais da sociedade.

No setor do livro e leitura, o secretário realizou encontros com os coletivos de saraus de escritores e, em maio último, houve uma breve reunião na Biblioteca Mário de Andrade, da qual participei como membro do Conselho extinto.

A principal reivindicação dos participantes foi a devida reconstituição do Conselho, tal como consta na Lei do PMLLLB/SP que foi, ao menos verbalmente, acatada por Youssef.

Às vésperas do quarto aniversario do PMLLLB/SP, em dezembro próximo, São Paulo segue aguardando a restauração do Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca e a eleição aberta e direta do Conselho.

Uma boa oportunidade para reafirmarmos os valores democráticos como um importante contraponto a esse período de destruição e ameaças à legalidade. Seguimos…

Comentários

Comentários