Engana-se quem acredita que à biblioteconomia é uma área neutra, sem inclinação política, e altamente passiva. A crença nessas coisas elencadas anteriormente, vai de encontro com a própria existência social, isso posto que, uma vez reunidos numa organização que chamamos de sociedade, somos, até mesmo coercitivamente, agentes políticos, e como não poderia deixar de ser, não há neutralidade entre os agentes políticos.
Bibliotecárias e bibliotecários, são agentes políticos que trabalham com a informação. Ao longo dos séculos, a informação foi o insumo básico para a consolidação de vários intentos. Em todos os setores da vida em sociedade, faz-se necessário ter informação. Nos tempos atuais, em que se investe volumosas quantias monetárias para se ter segurança no campo informacional, há de se ter a dimensão e importância da informação.
O país que abdica de ter um projeto que passe pelo campo educacional, e tem a informação como carro-chefe, está fadado a estagnação. Quer dizer, quando não se investe em educação, cultura, ciência e tecnologia, é fácil perceber qual o rumo que esse país escolheu percorrer no futuro. Sem educação, ciência, tecnologia, cultura, etc., não se desenvolve o setor produtivo, ficando dependente das tecnologias criadas e vendidas por outros países, cria-se sujeição científicas até mesmo de insumos básicos, como pudemos perceber pela ocasião da pandemia, além de se dar um salta para o passado, pois às referências culturais evocadas em um país desse, são sempre referências pretéritas.
As bibliotecas sempre deram um ar de sabedoria e erudição ao local que são instaladas. É curioso o magnetismo e o fascínio que às bibliotecas exercem sobras as pessoas, pelo simples fato de estarem em um determinado local. As bibliotecas ajudam a criar um universo leve, de alegria e troca de conhecimento, além de revelar uma parte, mesmo que diminuta, da cultura e dos costumes do local em que ela está instalada.
Quando eu conheço uma cidade ou um lugarejo novo, procuro alguns aparelhos culturais que me ajudarão a entender um pouco da cultura do lugar. Dentre os aparelhos culturais que logo procuro, estão as bibliotecas, os museus, além de prédios antigos. Ao passar dos anos, nas poucas viagens que fiz na vida, percebi que as bibliotecas e os museus, quando não estavam fechados, eram malconservados, com mobiliário antigo e insuficiente, e funcionários desmotivados. Entretanto, eu fazia (e faço) questão de sempre conhecer esses aparelhos culturais em cada lugar novo que eu conheço.
O que acabei constatando ao longo do tempo, se confirma pelos números que foram divulgados ainda neste mês, no Brasil. Em 5 anos (de 2015 a 2020), o número de bibliotecas públicas no país caiu de 6.057, para 5.293 unidades. São 764 bibliotecas a menos em um país que já acumula um histórico negativo no hábito da leitura. Atualmente em nosso país, temos 5.568 municípios. Comparando com o número de bibliotecas públicas que resistiram ao fechamento, tem-se menos de uma biblioteca pública por município no Brasil.
Embora haja uma política do governo federal, visando ampliar o número de bibliotecas públicas até 2024, na prática, isso não poderá acontecer. O fato é que as bibliotecas são consideradas aparelhos culturais, neste caso, recebem incentivos através de políticas públicas, do ministério de cultura. Ora, o governo diuturno acabou com o ministério da cultura, transformando-o em uma secretaria especial. Com o volumoso corte nas pastas da educação, tecnologia, saúde, dentre outros, o setor cultural, já não muito contemplado neste governo, passou a receber ainda menos recursos.
Para além dos atos burocráticos do governo que retira investimento nesta área, há também as falas de pessoas que têm importância na vida da república, e, como representantes do país, têm influência direta em alguns pensamentos. No afã de atacar a pessoa do ex-presidente, ou a campanha do ex-presidente, o atual presidente, além de se referir ao primeiro como “o nove dedos”, disse que se o ex-presidente voltar, ele vai fechar os clubes de tiros, e abrir bibliotecas no lugar. Além do mais, continuou o presidente, que no início do seu governo, havia cerca de 1.650 clubes de tiro no Brasil, e que agora este número supera a casa de 2.850 clubes espelhados por todo o país. O número de lojas que comercializam armamento no país teve um crescimento de 70%, isso pegando dados de 2019 em diante.
Em qualquer país minimamente sério, ao ser confrontada com estas informações, a população se mobilizaria em favor das bibliotecas, em detrimentos dos clubes de tiros. Sabemos os resultados em se ter bibliotecas abertas, como elas contribuem para o crescimento social, para a educação, incentiva à cultura, a empatia entre as pessoas, dentre outras benesses. Também não ignoramos o que ocorre (e o que está acorrendo no Brasil), quando se abre quase um (1) clube de tiro por dia, nos últimos tempos.
É preciso sabermos, enquanto sociedade, o que vamos querer para esta e as futuras gerações. Como uma boa parte da população abriu mão de pensar de forma crítica, governantes se acham no direito de nos ameaçar dia sim, e dia também, com um golpe descabido, criminoso, com gente cafona e violenta, provando que a crise também é estética. Sorrateiramente aparecem, usufruindo das benesses do poder, os militares (se não todos, pelo menos uma parcela barulhenta), que deveriam estar cuidando das coisas estabelecidas pela constituição (como por exemplo, nossas fronteiras que estão arreganhadas ao narcotráfico). Eles que acreditam ter um poder de tutela da sociedade… ai, que canseira isso me dá!
Ou lutamos pela democracia, e as bibliotecas precisam ter um destaque importante nisso, ou sucumbiremos todos; os democratas com suas inúmeras divergências, mas, e ainda bem, dentro do campo da democracia, os que se acham imparciais e neutros, e aqueles que fazem vista grossa para os desmandos e as ameaças que infelizmente ouvidos amiúde nestes últimos e tenebrosos tempos.