Dá para escrever a história de nossa infância todinha com os refrões das músicas que grudaram na nossa alma como chiclete. Seria linda, a história por refrões. Posso lembrar de várias que tocaram a história da minha história.

E lá vão “Luciana seus olhos de menina”, “vira vira homem, vira, vira”, “chove chuva, chove sem parar”, “debaixo dos caracóis do seu cabelo” e “preta, preta, pretinha”. A história que tem cheiro, cor de paredes da casa, pessoas que passavam, entravam, saiam e voltavam na vida da gente.

A voz de Moraes Moreira entrou na minha vida sem eu saber ao menos quem ele era. Eram os Novos Baianos, era 1973, as rádios tocavam sem parar Preta Pretinha, e eu só podia amar aquele refrão contagiante, aquela música para cantar junto, a música que gruda na vida de gente. Se tivesse que escolher o refrão da música, feita só por refrões de músicas que preencheram a minha infância, Preta Pretinha seria esse refrão.

A vida foi me mostrando aos poucos que os Novos Baianos eram muito mais que o refrão inaugural, que havia um “antes”, que havia muito “durante” e que haveria bem mais “depois”. Foi assim que eu cresci ouvindo, tramando e descobrindo que a novidade dos baianos, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Pepeu Gomes e Moraes Moreira, que se completavam com dois que não eram todos exatamente baianos – Baby, fluminense e Dadi, carioca -, seria para a vida toda.

Quando comecei a colecionar discos, no final dos anos 70, os Novos Baianos já haviam se separado, eram a banda que o povo da MPB cultuava e os roqueiros não conseguiam ignorar. A mistura de samba, choro, rock e outras brasilidades faziam dos Novos Baianos um conforto para o mundo de gostos divididos.

A Preta Pretinha, nos versos de Galvão, continuou fazendo pontos na minha vida, com o gosto tenro da infância e a aprovação do ouvido que amadureceu ouvindo de tudo, ela sempre voltava.

Os baianos seguiram. Paulinho Boca do Cantor “pirou para lá de Lou Reed” e aprimorou cada vez mais seu jeito de cantar samba e tudo que lhe caia nos lábios. Baby e Pepeu seguiram com sucessos telúricos baseados no pop. Dadi integrou a Cor do Som. Galvão voltou para Salvador. Moraes foi o cara dos hits, da presença constante. Com o perdão do clichê, ficou em sintonia.

A vida seguiu. A música sempre companheira convicta, indelével, acompanha os amores, as dores, os humores, os regozijos, as perdas.

Em 2012, se não me engano, vi um show de Moraes Moreira e de seu filho, o  guitarrista Davi Moraes, no Centro Cultural São Paulo. Estava eu lá naquelas chances de ouro da vida, em frente ao palco, ouvindo o estalar dos dedos nas cordas da guitarra de Davi e no violão de Moraes. Um menu de tudo o que havia de bom dos Novos Baianos e da carreira solo de Moraes, que começou em 1975, primeiro fim dos Novos Baianos.

Não vi nenhuma apresentação do retorno dos Novos Baianos, assisti o DVD no youtube, ouço, reouço todos os álbuns, discos solos de Baby, Pepeu, Paulinho e Dadi. Posso dizer que Novos Baianos possuem um apêndice amoroso na minha vida.

Nós teimamos em achar que os caras que foram heróis na nossa infância são imortais, como o Batman e o Cebolinha. Mas não, o Dragão da Maldade, na sua face da morte, é implacável e frustra todo o nosso desejo de imortalidade e permanência.

O cara que cantou a Preta Pretinha lá no ano de 1973, o responsável por um dos refrões que não irão morrer enquanto eu respirar, não conseguiu vencer a última madrugada.

De preta pretinha, besta é tu, tinindo ticando, lá vem o brasil descendo a ladeira, meninas do brasil, pombo correio, coisa acesa, sintonia, das meninas do brasil, Moraes Moreira foi o primeiro dos Novos Baianos a nos fazer chorar o choro do adeus. Acabou chorare, como a pequena Bebel Gilberto, docemente, um dia quis dizer.

Boa viagem, Mestrão!

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