RIO – Diretor do MetaLab da Universidade de Harvard e autor de vários artigos sobre a dimensão cultural da tecnologia e do livro “A conturbada história das Bibliotecas”, Matthew Battles esteve no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio para participar do evento “Múltiplos e contemporâneos: A literatura.com” com uma palestra sobre a biblioteca do futura, apresentando vários projetos inovadores dos quais faz parte. Antes disso, no entanto, o autor conversou com a equipe da Revista Biblioo contando um pouco de como está a área da biblioteconomia nos Estados Unidos e dando sua opinião sobre os impactos das mudanças tecnológicas nas bibliotecas e como estas podem lidar com isso.

Matthew Battles - imagem2Emilia Sandrinelli: Como surgiu o seu interesse pelas bibliotecas?

Matthew Battles: Eu sempre gostei de bibliotecas e de ir a bibliotecas. Quando eu era criança eu gostava de passar o meu tempo livre na biblioteca, então elas sempre foram muito importantes para mim. Eu estudei na Universidade de Chicago onde havia uma biblioteca muito maior do que qualquer biblioteca que eu já tivesse ido antes e eu não conseguia sair dela, eu adorava estar ali. Então eu comecei a fazer pós-graduação e consegui um emprego de meio-período na biblioteca de Harvard que eu achei que era um bom lugar para se estar nesse momento em que eu estava começando a escrever. Mas a biblioteca Widener, que é ainda maior do que a biblioteca de onde eu me formei, começou a me chamar atenção e eu comecei a escrever sobre ela. Isso foi no fim dos anos noventa, quando os catálogos estavam sendo substituídos por catálogos online. Havia muita discussão sobre isso nos Estados Unidos e então um autor, um romancista, escreveu vários artigos sobre como ele pensava que essa era uma decisão ruim e que os computadores iriam destruir as bibliotecas. Eu estava trabalhando na Widener e pude ver certa arqueologia disso e pensei: “eu acho que as bibliotecas vão ficar bem” e eu queria contar a história de como se fortaleceram com as mudanças ao longo dos anos com o pensamento de que elas vão sobreviver às mudanças de agora também.  Então foi assim que o meu interesse em bibliotecas surgiu e eu passei a prestar muita atenção nelas.

E. S.: Como foi o seu percurso acadêmico? No Brasil nós temos graduação em Biblioteconomia, mas acho que nos Estados Unidos é um pouco diferente.

M. B.: Bem, existe uma graduação em Biblioteconomia, Ciência da Informação. Eu não tenho formação formal como bibliotecário. Eu me formei como antropologista. Então quando eu comecei a trabalhar em bibliotecas, eu me via como um antropologista cujo objeto de estudos eram os bibliotecários. Eu trabalhei na biblioteca como um editor na maior parte do tempo. Eu era editor do periódico publicado pelas bibliotecas de Harvard. Eu trabalhei como bibliotecário sem a formação formal e por isso eu estava meio dentro e fora de certa maneira. Eu gosto de pensar que isso me deu uma vantagem de olhar para as bibliotecas como um escritor e estudante assim como alguém que as administra. Muitos bibliotecários tem essa perspectiva também, mas essa é a maneira que me ocorre. A maior parte das pessoas que trabalham em bibliotecas nos Estados Unidos têm a graduação em Biblioteconomia.

E. S.: Seria possível o senhor traçar um panorama das bibliotecas nos EUA? Existe uma preocupação do poder público com essas instituições?

M. B.: Sim, em diferentes níveis. A maneira como as bibliotecas e os bibliotecários são vistas nos Estados Unidos está muito ligada a como as pessoas tem vivido as tecnologias e a internet em particular. Muitas pessoas sentem que as bibliotecas deveriam acabar agora que existe a internet, enquanto muitas outras sentem que a biblioteca é o lugar ideal para compartilhar a internet com o grande publico e torná-la acessível para pessoas que não teriam acesso a ela de outra maneira. E as pessoas notaram algumas cosias nos últimos tempos: depois do 11 de setembro, dos ataques ao World trade Center, o governo tentou cercear as liberdades das pessoas nas bibliotecas. O governo queria ser informado quando as pessoas pegassem livros que ele considera perigosos. Os bibliotecários sempre tiveram uma ética de privacidade: você pode ir à biblioteca, pegar livros e ninguém tem que saber. Os bibliotecários, nos Estados Unidos e em muitos outros lugares evitam comentar com os usuários sobre os livros que eles estão pegando emprestado porque eles não querem que as pessoas se sintam vigiadas. Então quando o governo disse: “nós queremos saber o que as pessoas tem procurado”, os bibliotecários foram muito contra e as pessoas notaram e ficaram gratas pelos bibliotecários estarem zelando pela sua liberdade intelectual. Mais recentemente houve uma série de desastres: o furacão que atingiu Nova Orleans [também chamado Katrina] alguns anos atrás e os mais recentes que atingiram Nova Iorque e outros lugares. Depois desses desastres, as bibliotecas se tornaram lugares vitais aonde as pessoas iam para se informar, procurar notícias de seus entes queridos, buscar abrigo. E as pessoas reconheceram o serviço comunitário que essas bibliotecas prestaram.

Matthew Battles - imagem1E. S.: Como você define o papel das bibliotecas públicas na conjuntura da internet e da cultura do conhecimento compartilhado?

M. B.: Bem, eu acho que é muito complicado.  A primeira pergunta que temos que nos fazer é que tipo de biblioteca nós estamos falando, porque existem muitas: bibliotecas públicas para pequenas comunidades; bibliotecas grandes e até nacionais que documentam a herança cultural, os arquivos de manuscritos raros e livros raros; as bibliotecas universitárias, onde as pesquisas são conduzidas… Todos esses tipos tem papéis diferentes em suas comunidades e eles mudaram de maneiras diferentes diante da internet. Eu acho que a internet nos dá a oportunidade de repensar a maneira com que as pessoas se relacionam com as bibliotecas. Não só a internet, mas todas as ferramentas digitais, tecnologias que nos permitem criar novas mídias, que nos permitem usar os computadores para criar coisas, projetos, construções, fazer arte. Essas ferramentas são de difícil acesso sem ajuda e eu acho que as bibliotecas podem servir como um estúdio de mídias, um tipo de loja de ideias, loja de design, um lugar onde as pessoas podem vir para compartilhar experiências, aprender em conjunto e usar essas novas ferramentas. A internet, como surgiu nas nossas vidas, tende a nos fazer usá-la como indivíduos, quando alguém senta em frente ao computador ou olha para a tela do seu device. Mas ela pode ser compartilhada e eu acho que as bibliotecas podem ser o espaço onde a internet vai se tornar uma experiência pública. Isso significa uma mudança como nós equipamos as bibliotecas, como nós as projetamos e as maneiras que nós esperamos que as pessoas as usem. Mas essas mudanças já aconteceram muitas vezes com as bibliotecas. O livro nem sempre foi uma coisa fixa, ele mudou muito desde a Antiga mesopotâmia quando era uma tábua de argila, até os dias de hoje quando até o livro impresso é, de muitas maneiras, um livro eletrônico também, pois ele está conectado ao amazon.com, nos catálogos das bibliotecas e também foi projetado em um computador. Então existem livros muito diferentes de uma geração para a outra e as bibliotecas precisam descobrir como lidar com essas mudanças. Eu acho que é a oportunidade de fazer a internet uma experiência pública e compartilhada, fazer as pessoas trabalharem juntas e pensarem sobre como usar essa tecnologia e o que ela significa para a vida civil, social e cultural. Eu acho que as bibliotecas podem nos ajudar a fazer isso.

E.S.: As bibliotecas vão ou estão mudando. Isso muda também o papel do bibliotecário?

M. B.: Eu espero que sim. Eu acho que as bibliotecas tem, por muito tempo, sido o primeiro lugar onde as pessoas se encontram pela primeira vez com a tecnologia e os bibliotecários tem lidado em como fazer essa tecnologia funcionar para as pessoas por bastante tempo. Quando o computador começou a ser utilizado, muitas pessoas tiveram sua primeira experiência com eles nas bibliotecas. Os catálogos das bibliotecas e a maneira como as coleções eram organizadas foram passadas muito cedo para os computadores. As bibliotecas são inovadoras.

E. S.: Você acredita que as bibliotecas precisam se reinventar para serem mais dinâmicas e atraentes atualmente?

M. B.: Essa é uma pergunta muito difícil porque eu realmente acho que as bibliotecas precisam se reinventar e eu acho que ao longo da história as bibliotecas têm sido melhor nisso do que nós geralmente achamos. Mas nós também queremos que elas sejam conservadoras em alguns pontos; nós queremos que elas persistam porque elas são responsáveis por preservar as fontes de informação para garantir que elas estejam lá nas gerações futuras e essa é uma função conservadora. Para fazer isso, para garantir que livros e fontes de informação estarão disponíveis para as próximas gerações, os bibliotecários tem que ser inovadores. Então precisa ser balanceado. É a dialética entre escolher quando mudar, reinventar, experimentar e quando esperar e dizer: “nós vamos continuar como nós somos”. Eu acho que uma coisa muito interessante que as bibliotecas podem fazer é dedicar um espaço, quando possível, a experimentação. Um dos projetos sobre os quais eu vou falar na minha palestra criou um estúdio de experimentos para desenvolver ideias de como as bibliotecas do futuro podem ser: envolvendo designers, bibliotecários, pessoas que trabalham com tecnologia e brincando com ideias do que a biblioteca pode ser ou vir a se tornar. Se nós pudermos disponibilizar um pouco de espaço para esse tipo de atividade, eu acho que nós começaremos a ficar menos assustados com as mudanças que podem vir.

E. S.: No Brasil, e acredito que em muitas outras partes do mundo também, bibliotecários e estudantes de Biblioteconomia leem o seu livro durante a graduação. Então eu queria pedir para você deixar uma mensagem para esses estudantes!

M. B.: É ótimo ouvir que as pessoas estão lendo o livro e usando para formar bibliotecários. É muito gratificante! Eu gostaria de encorajar os bibliotecários que estão chegando na profissão a serem experimentadores a aprenderem um pouquinho sobre as tecnologias, não só as que os ajudarão a encontrar livros e informação online, mas também um pouco de programação, de design de softwares e do design da experiência de uso, para que eles possam começar a entender como essas ferramentas funcionam e como elas podem ser utilizadas para servir aos objetivos das bibliotecas ao invés de ameaçá-los. Então experimentar e brincar com as tecnologias é algo que eu encorajo os bibliotecários a fazer.

 Veja a entrevista original em inglês.

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