Por Lalo Leal, da Revista do Brasil
O diário britânico The Guardian realizou, em 1994, um exercício de futurologia. Ofereceu aos leitores, em uma de suas edições, pequenos encartes do que poderia ser o jornal no ano 2004. Nele estariam selecionadas as notícias de forma personalizada e sintetizada, segundo o interesse de cada leitor. O acesso seria feito através de máquinas, semelhantes aos caixas eletrônicos, onde o interessado, de posse de um cartão magnético, imprimiria o seu exemplar exclusivo. Com uma sofisticação bem inglesa: a impressão seria feita sobre uma resina sintética à prova d’água para permitir a leitura na banheira.
Ainda estávamos longe da popularização da internet com suas novas formas de acesso à informação, e elucubrações como essas faziam algum sentido. A previsão, como constatamos hoje, furou, mas não totalmente. Se na forma ela foi atropelada por tablets e smarthphones, a ideia do conteúdo personalizado segue firme, rondando todos nós.
Pesquisa do Instituto Reuters realizada com 20 mil pessoas em 12 países, Brasil incluído, mostra que aos poucos as redes sociais vão se consolidando como intermediárias entre os meios tradicionais de comunicação e o público, com todas as consequências que isso possa ter, positivas ou negativas.
Em uma semana do mês de junho deste ano, “41% dos entrevistados usaram o Facebook para encontrar, ler, compartilhar ou comentar as informações, um aumento de seis pontos percentuais” em relação ao mesmo período no ano passado, ressalta o jornal francês Le Monde ao comentar a pesquisa, acrescentando que outras plataformas estão crescendo no mesmo sentido: 18% usam o YouTube e 9%, o WhatsApp. No Brasil urbano, onde os dados foram coletados, 34% dos entrevistados usam o WhatsApp para obter informações.
Esse movimento vem sendo acompanhado de perto pelos líderes do mercado mundial, Facebook e Apple, que começam a firmar acordos com as grandes corporações mundiais de mídia para veicular conteúdos informativos em suas plataformas. A Apple já divulgou uma lista inicial de parceiros que inclui os jornais The Guardian e The New York Times e os canais de TV CNN e ESPN.
Apple e Facebook oferecem para os meios de comunicação a possibilidade de publicar textos e vídeos diretamente nas suas plataformas em troca de um possível aumento de audiência e publicidade. Garantem também um formato atraente para as publicações, adequado a celulares e tablets, além de um carregamento mais rápido nesses dispositivos do que aquele oferecido hoje pelos sites dos jornais e emissoras de TV. As empresas jornalísticas esperam, com isso, aumentar o alcance de suas mensagens, podendo, segundo o acordo firmado, auferir 100% da receita por elas obtida com a publicidade vendida através das redes sociais. Se a vendedora for a Apple, as empresas de comunicação ficarão com 70% do faturamento.
Se para as gigantes da internet e do jornalismo parece ser um bom negócio, para o público os resultados não são muito promissores. No dia 13 de junho, a Apple publicou um anúncio procurando jornalistas para “identificar e transmitir os melhores itens de notícias internacionais, nacionais e locais”. Segundo apurou o Le Monde, o papel desses jornalistas “será de trazer um toque humano ao News, o novo aplicativo móvel anunciado pela Apple que promete uma seleção personalizada de artigos fornecidos pelos parceiros da mídia”, a ser oferecido gratuitamente ao público a partir do próximo outono europeu.
Realiza-se com a internet a previsão feita pelo The Guardian, 21 anos atrás. À primeira vista pode parecer confortável ao leitor receber em seus receptores apenas notícias relacionadas com o seu perfil, quando na verdade o que irá ocorrer é uma limitação do acesso a novos interesses e descobertas, tornando medíocre o mundo da informação. Dessa forma, o pluralismo e a diversidade informativa correrão um risco maior do que já correm hoje. Pulverizada na ponta sob o rótulo da personalização, a informação estará cada vez mais concentrada, na medida em que sua embalagem ficará nas mãos dos gigantes da internet.