Por Mariana Melo, da CartaCapital
Passada a comemoração pela aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela presidenta Dilma Rousseff no dia 26 de junho depois de longos quatro anos de tramitação, é hora de pensar na viabilidade do programa nos âmbitos estaduais e municipais. Aqui, a ação do governo federal é uma peça-chave e, por tratar-se de ano eleitoral, traz preocupações aos principais articuladores e movimentos ligados à causa da educação.
Segundo Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em nenhum dos planos de governos apresentados por Dilma Rousseff, Aécio Neves e Eduardo Campos existe uma priorização da implementação do PNE. “Eu fiz uma análise dos três principais candidatos à presidência e o PNE já é citado quase como uma coisa secundária”, afirma.
A desconsideração com o Plano Nacional de Educação, de acordo com Cara, pode prejudicar a boa execução da etapa inicial de sua implantação, vista como essencial para o cumprimento das metas. “Na prática, os futuros governadores e o futuro presidente serão responsáveis pela implementação oficial do plano. Isso significa plantar o PNE dentro do novo ciclo orçamentário, que começa em 2015, e significa também um tratamento estratégico de como cada mandato pretende cumprir as metas, naquilo que é possível cumprir em quatro anos. Claro que não dá pra implantar um plano previsto pra dez anos em quatro anos, mas o início será determinante para seu sucesso.”
Previsto na Constituição, o novo PNE sucede o documento implantado de 2001 a 2010, que teve menos de um terço das metas alcançadas. Com o novo plano, o Brasil almeja erradicar o analfabetismo e aumentar a taxa de escolaridade da população. Atualmente, segundo a última medição do Ministério da Educação (MEC), o brasileiro passa 7,4 anos na escola, uma das menores taxas da América do Sul.
No atual plano, enviado ao Congresso em dezembro de 2010, a principal vitória é o comprometimento de 10% do PIB para investimentos em educação, em oposição aos 5%, aproximadamente, que são destinados hoje. O documento enviado ao Congresso ainda no último governo Lula, segundo Cara, era bem mais frágil e não determinava onde deveriam estar os esforços para cumprimento das estratégias. “Seria um PNE mais fácil de ser cumprido, mas sem lançar os desafios centrais da educação. As alterações que foram feitas trazem desafios que têm de ser cumpridos em dez anos caso o País não queira ser completamente atrasado em termos de direito à educação.” afirma.
O desafio do governo federal em ajudar a estruturar os planos locais também preocupa o professor da Universidade Federal de Goiás Nelson Cardoso Amaral, especialista em educação. Segundo ele, a construção destes projetos, que deve ser feita em um ano a partir de 2015, viabilizará, ou não, o uso correto do dinheiro. “Se não for possível articular esse processo todo em volta do financiamento, a União pode até repassar o dinheiro, mas não haverá grandes melhorias”, afirma.
Ainda há, segundo ele, uma questão delicada que diz respeito à autonomia dos estados. “O que o Fundeb já faz é obrigar com que o estado gaste aquele dinheiro em determinada ação. E, na época, foi apresentada a alegação de que isso feria a Constituição. Foi levada ao Supremo, que decidiu que não. O Brasil vai ter que se preparar pra fazer essa articulação melhor.”
O deputado federal Angelo Vanhoni (PT-PR), relator do plano, também enxerga como uma questão importante a estruturação para a execução do PNE. “O plano é audacioso e prevê uma estratégia de 10 anos. Precisamos trazer a luta junto ao Congresso Nacional e aos poderes executivos municipais e estaduais para que ocorram as votações orçamentárias para o cumprimento das metas”.
Segundo o deputado, alguns estados têm mais dificuldade do que outros para garantir essa ação. “As realidades dos estados são muito distintas. De alguma forma, o Plano Nacional de Educação é uma forma política de colaboração entre municípios e estadosjunto ao governo federal” afirma, o que reforça a alegação de Cara sobre a necessidade de um posicionamento dos candidatos à presidência em relação à educação.
Para fazer essa articulação funcionar, Cara não tem dúvidas de que será necessária, ainda, a atuação da sociedade civil, que tanto ajudou a construir o plano. “A ‘sorte’ é que ninguém respeita plano de governo. Teremos que fazer com que os futuros governantes tenham clareza de que é preciso cumprir uma lei. Se não funcionar, iremos procurar o Ministério Público e as Controladorias Gerais.”
Bônus demográfico e universalização das matrículas
A tramitação do PNE levou quatro anos, um tempo que, segundo Cara, pode ter custo alto para o País. Isso porque o Brasil se aproxima do final do seu período de bônus demográfico, no qual a população ainda tem a população ativa muito maior do que a população dependente. Cara explica que, neste período economicamente mais aquecido, países como os EUA e a Finlândia aproveitaram para investir fortemente em educação e, assim, tornaram mais sólidas as bases do seu crescimento econômico. “Em uma análise bastante fria das metas, nós não avançamos nada em quatro anos. Nós deixamos de aproveitar o último bônus demográfico que o País tem.”
Enquanto discute-se a construção dos planos locais de educação, o Brasil tem até 2016, graças a compromissos firmados pelo governo Dilma em programas como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e à determinação da Constituição, para garantir a universalização das matrículas de pré-escola e também de jovens entre 15 e 17, faixa etária na qual são grandes os índices de evasão escolar. “Nós ainda estamos distantes disso e essa é a demanda mais absoluta. Perceba que o Brasil ainda tem um esforço enorme de expansão de matrícula, não se trata apenas da busca de qualidade. Qualidade e acesso são duas coisas indissociáveis no direito à educação. Mas o Brasil não tem tido capacidade de expandir educação com garantia de qualidade.” finaliza Cara.