Por Regis Mesquita, do Carta Campinas
Os livros são caros no Brasil; esta é a principal crítica dos brasileiros que gostam de ler livros. Isto faz com que mais da metade dos livros lidos não tenham sido comprados pelas pessoas que os leram (pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”).
Livros presenteados ou emprestados por algum amigo correspondem a 44% das pessoas que leram algum livro. Este número é maior do que a percentagem de pessoas que compraram livros: 43%.
Livros retirados em bibliotecas escolares ou públicas atingem 25% dos leitores. Leitores que leram livros baixados na internet correspondem a 18%. Os que leram livros distribuídos por governos ou escolas: 9%.
Livros precisam ser tão caros?
É importante você saber que livros não pagam nenhum imposto. Não paga ICMS, IPI e outros impostos. Inclusive o papel usado para imprimir livros é isento de impostos.
Os editores reclamam que os livros vendem poucas unidades, o que torna os outros custos altos (por unidade). O preço para produzir uma capa é o mesmo, quer o livro venda mil exemplares ou cem mil exemplares.
A verdade é que, qualquer que seja o motivo, preços caros são o maior entrave para a leitura no Brasil.
Demanda por livros reprimida, bons exemplos destruídos
No edifício em que trabalho havia uma funcionária que adorava ler. Mas, ela lia muito poucos livros. Livros caros não cabiam em seu orçamento. Não podia comprar, quase nunca lia.
Quando conseguia um livro para ler, ela o lia duas vezes. Aproveitava o tempo do ônibus para lê-los. Nestes momentos algumas pessoas conversavam com ela sobre o livro. Várias diziam que gostariam de ler (mas a vontade acabava por falta de acesso).
Na verdade, forma-se novos leitores através de leitores que se expõem publicamente. Ler em casa, no trabalho, no ônibus, etc. Tudo isto gera vontade em algumas pessoas de lerem também.
O exemplo é o melhor divulgador de comportamentos. Sem livros, não é apenas uma leitora que é frustrada. É uma cadeia de pessoas que deixa de ser positivamente influenciada.
Porque a funcionária não vai até uma biblioteca pública pegar um livro para ler?
Fiz uma pesquisa informal com pessoas que gostavam de ler e não tinham muito acesso aos livros. Pesquisa sobre quais eram os principais entraves ao uso de biblioteca pública. O resultado foi:
Custo do ônibus para ir buscar, depois levar (quatro viagens – ida e volta -, preço em Campinas – 4 x R$3,80 = R$ 15,20).
Falta de costume de usar a biblioteca pública. Simplesmente, estas pessoas não conhecem ninguém que as usa. Ficam inibidas e sem referencial.
Falta de informação sobre quais livros retirar para ler. Todas estas pessoas estão acostumadas a ler livros por indicação. Quando foram (as que foram) na biblioteca pública não encontraram um ambiente de acolhimento e pessoas que as orientassem.
O modelo das bibliotecas públicas no Brasil está falido (e não é apenas por falta de investimento), pois não serve para acolher e orientar os novos leitores. O resultado pode ser visto no fato de apenas 7% deles pegarem livros em bibliotecas públicas e comunitárias somadas. Ou seja, o número de pessoas que são atendidas por bibliotecas públicas é menor do que estes 7%.
Quem realmente cria novos leitores?
Além das escolas e da família, quem cria novos leitores é quem lê livros. Eles fazem o serviço de estimular constantemente outras pessoas a lerem.
Quando pessoas que têm maior interesse são bloqueadas em seus comportamentos, deixa-se de ter a melhor forma de propaganda: o “boca a boca”.
Estas pessoas também poderiam oferecer livros emprestados para aqueles que ainda não firmaram o hábito da leitura. São eles que dão dicas e vão mostrar para as pessoas que ler pode ser uma grande fonte de prazer.
É um trabalho de “formiguinha” extremamente eficiente e necessário. Ou seja, leitores geram novos leitores. Grande quantidade de leitores torna a leitura de livros muito presente na vida das pessoas, mesmo dos mais resistentes (afinal, sempre terão um amigo, irmão ou conhecido interessados em um livro e conversando sobre este assunto).
Identificar pessoas e favorecê-las na perpetuação do hábito de leitura
Para aumentar o hábito de leitura deve-se:
-identificar pessoas que possuem grande vontade de ler livros.
– identificar os interesses literários destas pessoas.
– fazer os livros e as informações sobre os livros chegarem até elas.
Estas pessoas devem ser favorecidas, para terem acesso a livros bem mais baratos. Elas devem ser vistas como formadores de novos leitores, líderes, que podem e devem ser incentivados.
Uma das formas de incentivo possível é o acesso ao transporte: o passe mensal pode favorecer a ida “gratuita” à bibliotecas públicas (porque não agrega custo extra ao ato de buscar o livro). Falta organizar a recepção e orientação à estas pessoas dentro das bibliotecas.
Favorecer bibliotecas temáticas. Elas são ótimas para organizarem as informações. Uma biblioteca comunitária de ficção científica, por exemplo, pode agregar interessados no tema que são capazes de sistematizar informações sobre os livros (que pelo efeito multiplicador da internet pode estar disponível para todos).
Para incentivar e motivar o ato de ler livros: pode-se criar peças de marketing que associam ler à prazer, paz e menos stress. Afinal, a leitura de livros é uma das melhores formas de combater o stress e o cansaço mental (1). Associar ambientes e situações saudáveis, à oportunidade de criar amigos, etc.
Com a propaganda maciça pró-meditação, todas as semanas surgem pesquisas científicas associando meditação com qualidade de vida (é bom que existam estas pesquisas) (2). Mas, porque não existem pesquisas sobre os efeitos positivos da leitura para, por exemplo, diminuir a pressão arterial (será que existe esta relação? Não sei, mas não duvido que exista).
As possibilidades são infinitas. Mas, todas elas estão fadadas ao fracasso se as pessoas que já possuem um interesse natural pela leitura não forem amparadas e ajudadas na transformação do interesse em HÁBITO de leitura de livros. Porque, tenha certeza, hoje existem condições fortíssimas levando “à morte” o interesse destas pessoas pela leitura. Mata-se um hábito, mantando o propagador da leitura.