Despejada do imóvel que ocupava no Centro do Rio, a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (SECEC) do Rio de Janeiro foi alojar-se às pressas na Biblioteca-Parque do Estado (BPE), também localizada no Centro da cidade. A consequência direta e imediata disso é que parte do acervo e dos locais de estudo teve de abrir espaço para a equipe da Secretaria, composta por cerca de 250 pessoas.
Quem visitou a BPE nos últimos dias viu no segundo andar do prédio um amontoado de caixas, pessoas estranhas ao quadro, livros jogados e muita desorganização. Uma pessoa que esteve na Biblioteca, na semana passada, e que pediu para não ser identificada, disse que no local pelo menos metade do acervo do andar de cima está largado e que a internet não estava funcionando. “Ajustes em internet ainda estão sendo feitos, mas banheiros, auditório e o funcionamento dos aparelhos de ar condicionado estão dentro dos padrões de normalidade”, disse a SECEC à Biblioo.
Nossa equipe foi até o local na última semana e se certificou que de fato o segundo andar do prédio está inacessível ao público. Mesmo assim, como mostram as fotos abaixo, dá para observar que mesas de trabalho e muitas caixas ocupam o espaço onde antes se via estantes cheias de livros, além de mesas e baias para os usuários. Apesar das constatações, a Secretaria nos informou que foi feito um planejamento para acomodar sua equipe, sem que isso tenha afetado o atendimento normal dos usuários.
Sobre os livros e outros materiais que estavam no espaço agora ocupado pela SECEC, onde estes serão colocados? “Algumas estantes de livros ficarão no próprio segundo andar e outras serão realocadas no primeiro. Nosso objetivo principal é manter livre e gratuito o acesso do público a todo o acervo. Nenhum livro ficará inacessível ao leitor por causa dessa mudança”, respondeu a Secretaria ao nosso questionamento.
No último mês de junho, os 54 funcionários das biblioteca-parque (sendo 30 da Estadual, 12 de Manguinhos e 12 da Rocinha), que eram terceirizados, dentre os quais estavam bibliotecários e auxiliares, foram dispensados porque o contrato com a empresa responsável venceu e a Secretaria não realizou nova licitação. Essa situação teria prejudicado alguns serviços como, por exemplo, os empréstimos de livros e o uso da biblioteca infantil que estaria sendo acessada apenas com agendamento.
O atendimento está sendo feito por uma equipe de cerca de 10 pessoas, dentre as quais algumas estariam trabalhando de forma voluntária, embora a Secretaria não tenha confirmado essa informação. “A SECEC mantém um plano de ocupação das três bibliotecas, utilizando os funcionários da Secretaria, de modo a garantir o mesmo padrão de antes da mudança”, respondeu a Secretaria à Biblioo.
Sobre o rompimento com a empresa terceirizada, a SECEC diz que optou pela realização de um novo processo licitatório, em andamento neste momento, em função do que chamou de “fragilidade jurídica” do contrato, além de visar uma “maior economia operacional”. Segundo o órgão, nenhum serviço foi interrompido, sendo que toda a programação de palestras e cursos também estariam igualmente mantidas. “A Secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa reitera o seu compromisso com as bibliotecas-parque e a democratização da leitura”, garantiu.
Fechada desde o final de 2016, a Biblioteca-Parque do Estado tinha reaberto em maio do ano passado para receber a segunda edição da “LER – Salão Carioca do Livro”, que chegou a cogitar a possibilidade de manter uma programação permanente, expectativa que acabou não se realizando. Em seguida os serviços de atendimento foram terceirizados, ocasião na qual foram contratados por meio de uma empresa bibliotecários e auxiliares, além de equipe de limpeza e segurança.
As três bibliotecárias que atuavam na BPE, das quais duas eram concursadas e uma era contratada, não fazem mais parte dos quadros da instituição. Segundo apurou a Biblioo, as três profissionais resolveram se desligar depois de desentendimentos com Pedro Gerolimich, superintendente de Leitura e Conhecimento da SECEC, responsável pelas Bibliotecas. Uma destas bibliotecária também respondia pelo Sistema Estadual de Bibliotecas (SEB), que agora está sem coordenação.
Sobre a transferência da SECEC para a Biblioteca-Parque do Estado, perguntamos se a medida é provisória ou a intensão é estabelecer o órgão de forma definitiva no prédio. Em resposta a entidade disse que a ideia é utilizar equipamentos culturais da própria rede do governo do estado para economizar com aluguel e taxas de condomínio e IPTU.
“Devido às más gestões anteriores da pasta, o Secretário Ruan Lira herdou uma dívida de quase R$ 20 milhões relativa à ocupação do endereço em imóvel privado, no Centro da cidade. A injustificável despesa mensal em torno de R$ 500 mil, apenas pelo uso de instalações físicas, tornou-se uma fonte constante de inquietação para o Secretário”, diz a entidade que deve economizar meio milhão de reais por mês a partir de agora.
A secretaria informou que atualmente os recursos alocados para manutenção das Bibliotecas-Parque advêm da ação própria (Operacionalização de Bibliotecas), cujo orçamento atualizado é de R$ 2.075.000,00 (dois milhões e setenta e cinco mil reais), dos quais restam R$ 984.530,00 (novecentos e oitenta e quatro mil, quinhentos e trinta reais) que é total atualizado, menos as despejas já empenhadas.
“Gastos indiretos, porém necessários, como limpeza, segurança e concessionárias correm por conta de Programas de Trabalhos específicos, direcionados a atender tais tipologias de despesas. Atualmente, a dotação orçamentária da ação específica das BPs está suportando a despesa de fornecimento de serviços técnicos e administrativos para a finalidade desses equipamentos” explica a entidade.
Fiscalização
Procurado pela Biblioo, o Conselho Regional de Biblioteconomia da Sétima Região (CRB7) respondeu que no último mês de junho se reuniu com o superintendente de Leitura e Conhecimento da SECEC, Pedro Gerolimich, para se inteirar do término do contrato dos bibliotecários, bem como da sua renovação ou substituição, “além de compreender o trabalho atualmente desenvolvido pelas Bibliotecas Parque”.
“No referido encontro houve a sinalização do fortalecimento das Bibliotecas, inclusive com o desejo de reabertura da Biblioteca Parque Estadual situada no Complexo do Alemão [Zona Norte do Rio], não sendo, contudo, em momento algum mencionada a possibilidade de mudança da Secretaria [de Estado de Cultura e Economia Criativa] para a Biblioteca Parque”, diz a nota assinada pelo presidente da entidade, Marcelo Marques de Oliveira.
O CRB7 confirmou que, “tendo em vista a possível descaracterização da Biblioteca Parque como equipamento público”, realizou visita fiscalizatória à Biblioteca no intuito de apurar eventuais irregularidades. “Verificados graves indícios de irregularidades instaro[u]-se processo administrativo, sendo a Secretaria autuada para apresentar os devidos esclarecimentos”, informou o Conselho esclarecendo que novas medidas a serem adotadas não estão descartadas em caso de não adequação.
Abaixo a nota completa do CRB7: