Vivemos um quadro político de acirramento entre grupos favoráveis e contrários ao processo de impeachment deflagrado pelo Congresso Nacional cujo alvo é a figura da Presidenta Dilma Rousseff. Diante disso, um grupo de bibliotecários, por livre iniciativa, gravou um vídeo em que se posicionam contrariamente a tal processo tendo em vista a existência de controvérsia quanto à possibilidade da Presidenta ter cometido crime de responsabilidade que enseje o seu afastamento do cargo. Também se fez alusão ao cenário complexo protagonizado pela Operação Lava Jato, que investiga a participação de políticos de diversos partidos em esquemas de desvio de dinheiro da Petrobrás. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal, responsáveis pela investigação, no entanto, têm se utilizado, por vezes, de táticas questionadas por alguns juristas, como o vazamento de informações para a imprensa.

O grupo de bibliotecários, devidamente identificados no vídeo mencionado, resolveu expor o material com a sua opinião em algumas comunidades do Facebook voltadas para profissionais da área de Biblioteconomia. Qual a surpresa, quando a simples exposição do vídeo numa dessas comunidades – Bibliotecários do Brasil – causou uma enxurrada de comentários raivosos. Eles não contestavam apenas a opinião dos colegas, mas exibiam intolerância através de xingamentos às opiniões divergentes, além de pedidos de retirada do vídeo da timeline do grupo sob a alegação de descumprimento das regras da comunidade. Segundo alguns integrantes, discutir “Política” é algo proibido no grupo, uma vez que as regras, em linhas gerais, apontavam o assunto como inadequado para o espaço. Em contraponto, diversos outros bibliotecários argumentaram a favor da permanência do vídeo no grupo, considerando que não se tratava de política partidária e de que o momento atual do país ensejava tal discussão. Após muito debate, os moderadores decidiram pela continuidade do post contendo a peça dos bibliotecários e o assunto “Política” foi substituído por “Propaganda partidária” nas regras que listam os temas inadequados.

O cientista político Bobbio explica que a palavra política deriva de “politikós, do grego, e diz respeito àquilo que é da cidade, da pólis (na Grécia Antiga), da sociedade, ou seja, que é de interesse do homem enquanto cidadão”. Os bibliotecários têm interesses e precisam defendê-los nas diversas instâncias de poder. Precisamos de bibliotecários politizados e uma boa forma de alcançarmos tal objetivo é discutindo sobre as diversas formas de se fazer e pensar a política. Isso faz parte da democracia.

Independentemente da intenção do vídeo e dos integrantes serem, favoráveis ou desfavoráveis à continuidade do governo atual, chama atenção a necessidade de alguns pares em expurgar o tema “política” das discussões do “Bibliotecários do Brasil”, como se a profissão estivesse alijada da tessitura política e como se a Biblioteconomia se configurasse como campo asséptico, desfiliada do tronco das Ciências Sociais. Por outro lado, existem críticas que vão exatamente em direção à apatia da classe quanto a temas de relevo nacional e incidem no exercício da profissão.

Uma questão interessante é que o vídeo em questão trata de um posicionamento em prol da democracia e justiça imparcial onde se defende o acesso à informação e à cultura. Em nenhum momento, se mostrou partidário ou defendeu pessoas e instituições. Quem foi mais atencioso ao assistir o vídeo, percebeu que o #Nãoaogolpe defendido pelos integrantes acusa o golpe midiático de manipulação da informação, objeto de pesquisa e atuação dos bibliotecários. Manipular informações que tragam graves consequências ao país é um ato antidemocrático. “Debater sobre democracia e informação é um ato pedagógico e não político-partidário”, como bem disse o professor Edmir Perrotti, da Universidade de São Paulo (USP), na lista da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB) no último dia 25 de março.

O bibliotecário não deve repetir com o comportamento de jornalistas comprometidos com a “liberdade de empresa” e que tratam a tão duramente reconquistada liberdade de expressão como “liberdade de opressão”. A ética deve permear o trabalho do bibliotecário, que precisa ter em mente que a informação passada ao público e, obviamente, antes recepcionada por ele, não deve ser, de maneira nenhuma, deformada nesse processo. Como afirmado por Daniel Cornu em “Ética da Informação” (Bauru-SP: EDUSC, 1998, p.64): “Se informar significa tratar uma informação para depois divulgá-la, a informação deve ser exata e seu tratamento adequado. Caso contrário, a informação deixa de ser aquilo que é”.

Mas como acabar com a amorfia que existe na profissão se não discutirmos isso em grupos da área? Os bibliotecários não podem ficar à margem desse e de tantos outros acontecimentos vividos em nosso país. Somos seres políticos, toda ação do homem é política. Precisamos discutir política em todas as esferas, seja dentro da sala de aula, em eventos e também nas mídias sociais, sempre respeitando a opinião diferente, pois divergências sempre surgirão. Não podemos tolerar a censura nas mídias sociais ou em qualquer espaço de construção coletiva e democrática. Devemos rechaçar as manipulações, distorções, alienações ou favoritismos. Precisamos ter respeito às ideias contrárias e nos posicionarmos sem agressão às pessoas com opiniões divergentes.

O Código de Ética Profissional do Bibliotecário, atualizado em 2001, traz no seu segundo artigo que se tem como dever, contribuir como profissional e cidadão para o desenvolvimento da sociedade e dos princípios legais que regem o país. Portanto, é necessário que o bibliotecário desperte sua consciência social de coautor do processo informacional.

Sabendo disso e das disparidades de ensino do país, salienta-se que vários veículos de imprensa de forma reiterada têm disseminado informações com o objetivo de gerar instabilidade política e criar um cenário propício à assunção de heróis e vilões indicados por ela. Essa mudança do xadrez político interessa aos grandes grupos de mídia tradicional que até hoje controlam a comunicação no país. A nossa história recente já viu tal fato acontecer mais de uma vez com graves consequências para a população brasileira, principalmente aos que estão na base de nossa pirâmide social.

Não se espera do bibliotecário superpoderes que o diferencie de todos os outros brasileiros ou mesmo que se oponha à lógica dual que parece estabelecida (contrários ou favoráveis ao impeachment), mas que ele ao se colocar em qualquer dos lados, não se esqueça de prover o usuário com informações que lhe permitam refletir com qualidade, afinal, nos princípios da profissão estão a informação e o usuário, como uma simbiose indissociável. Não existe um terreno seguro da imparcialidade, em que podemos deixar nossas convicções pessoais fora do ambiente de trabalho, como uma roupa, e vesti-la quando o expediente é encerrado. Nós levamos nossas convicções pessoais para todos os locais em que estejamos, no entanto, precisamos ao menos buscar fontes confiáveis para que não façamos da biblioteca o quintal de tais convicções, isso vale para todos os lados que escolhermos desse campo de batalha ideológico.

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